Mais uma polémica no Novo Banco: Governo só deixa Fundo transferir €317 milhões para já
Novo Banco fez investimento em dívida portuguesa em dólares, mas aplicação custou capital. Governo e Fundo discordam e condicionam a entrega de 112 milhões
Novo Banco fez investimento em dívida portuguesa em dólares, mas aplicação custou capital. Governo e Fundo discordam e condicionam a entrega de 112 milhões
Há mais uma polémica no Novo Banco. E envolve mais números. O Governo autorizou o Fundo de Resolução a financiar-se em 475 milhões junto de sete bancos para colocar até 429 milhões de euros no Novo Banco. Porém, para já, o Ministério das Finanças não autoriza que todo este montante seja transferido; só há luz verde para a entrega de 317 milhões de euros.
Na semana passada, o Conselho de Ministros deu a autorização e, apesar do ministro das Finanças ter estado na conferência de imprensa que lhe seguiu, nada disse sobre o facto de não haver autorização para a transferência de toda a verba autorizada. Foi na comissão de inquérito ao Novo Banco que essa informação chegou, através de uma questão da deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, depois de João Freitas, secretário-geral do Fundo de Resolução, ter dado uma indicação, sem concretizar, que havia problemas relativamente a uma parte do valor a transferir na execução dos contratos de venda de 2017.
“Subsiste uma questão que foi levantada no relatório de auditoria especial, da Deloitte, sobre o aumento muito substancial em 2019 dos ativos ponderados pelo risco, relativos a risco de mercado, que tem impacto adicional de capital”, respondeu João Leão na sua audição desta quarta-feira, 2 de junho. Não deu mais explicações sobre o tema.
Segundo explicou o ministro das Finanças, “nesse âmbito, quer o Fundo de Resolução, quer o Governo entenderam que era necessário haver esclarecimentos adicionais”. “Ao Governo pareceu-nos que, no âmbito da autorização, devia ficar condicionada à conclusão de diligências adicionais que o Fundo de Resolução tinha em curso”, completou, concretizando – apenas após mais uma insistência da deputada – que o montante identificado pode ir até 112 milhões de euros.
Ou seja, para já, o Fundo pode transferir 317 milhões, mas só quando acabar a avaliação do Fundo é que podem seguir os restantes 112 milhões. De recordar que esta verba de 429 milhões já tinha resultado de outras divergências que baixaram o valor solicitado pelo Novo Banco (598 milhões): a maior parte relativa à venda da sucursal em Espanha, cujas perdas foram imputadas em 2020 sem que estivesse concretizada; mas também uma parcela relativa aos prémios atribuídos à gestão de António Ramalho de que o Fundo discorda, mas não pode impedir. São diferendos que se juntam a litígios já existentes e que totalizam 331 milhões de euros e que, se forem desfavoráveis para o Fundo, obrigam-no a pagar ao Novo Banco.
Segundo o Observador, estão em dúvida os ativos relacionados com os riscos de mercado, numa alteração da política de apetite pelo risco em 2019, que pesou no capital do banco. Isto porque não foi feita contabilidade de cobertura que colmatasse o risco (como derivados de taxa de juro), como tinha dito João Freitas, na sua audição.
Em causa nesta verba que está agora condicionada pelo Ministério das Finanças está também uma decisão da gestão de António Ramalho no Novo Banco, que alterou a política de investimentos em 2019, fazendo maior investimento em títulos denominados em moeda estrangeira – em vez de em títulos em euros – que pesaram mais nos rácios de capital. Se a aplicação fosse em instrumentos em euros, o Novo Banco pouparia capital. Não foi o que aconteceu.
Por exemplo, trata-se da aplicação em obrigações portuguesas denominadas em dólares, e ainda em obrigações de outros países da União Europeia, mas em moeda estrangeira. Investindo em euros, não há impacto no capital dos bancos; investindo em moeda estrangeira, já tudo depende do “rating” do país.
Em 2018, a exposição do Novo Banco a dívida europeia em moeda estrangeira era de 73,3 milhões de euros (Portugal e Letónia), disparando, no ano seguinte, para 493,2 milhões de euros (Portugal, Itália, Lituânia, Letónia e Polónia), segundo as conclusões da Deloitte.
A deputada do Bloco tem feito questões sobre este assunto ao longo das audições do inquérito parlamentar porque considera que é uma medida que visa apenas prejudicar os rácios e intensificar os montantes a pedir pelo Novo Banco ao Fundo de Resolução enquanto está em vigor o mecanismo de capital contingente.
O banco justifica a revisão da política com o facto de ter “em mente uma estratégia de diversificação cambial da carteira de investimento por questões relacionadas com gestão da liquidez, bem como de aumento da margem financeira e rentabilidade do banco”.
(Notícia atualizada com mais informações pelas 19.50)
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