Mais um ano de Congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), mais um painel sobre o ‘Estado da Nação dos Media’, mais uma discussão sobre a partilha de receitas das grandes tecnológicas, como a Google e o Facebook, com os produtores de conteúdos. Nomeadamente os conteúdos produzidos por jornais, televisões e rádios.
“Estamos desde 2017 a sentar-nos aqui para discutir os mesmos temas”, reconheceu esta quarta-feira o presidente executivo da Impresa, que detém o Expresso e a SIC. “A diferença de 2017 para 2021 é que entretanto me foi dada razão pela Comissão Europeia”, acrescenta, referindo-se à diretiva europeia dos direitos de autor e direitos conexos.
Francisco Pedro Balsemão criticou, mais uma vez, as grandes plataformas por não partilharem com os grupos de comunicação social as receitas que obtêm com os conteúdos noticiosos. “Os conteúdos que desenvolvemos têm um custo – que resulta do investimento em pessoas e em tecnologia”, diz Francisco Pedro Balsemão. “No ano passado os GAFA [Google, Amazon, Facebook e Apple] subiram muito em receitas, muito por mérito próprio mas também à custa dos nossos conteúdos. Queremos que haja um valor atribuído aos nossos conteúdos e que esse valor seja pago pelas grandes plataformas.”
Para o presidente executivo da Impresa, esta partilha trata-se de garantir “uma remuneração justa” para os produtores de conteúdos, remunerando os autores e editores.
Francisco Pedro Balsemão recorda que o modelo de negócio principal dos media assenta na publicidade, que representa “dois terços da faturação”, e este fica condicionado pelo “domínio muito grande por parte de dois players [o Facebook e o Google] na cadeia de valor na área da publicidade”. “Sabemos que são simultaneamente ‘gatekeepers’ – ou seja, os árbitros das suas plataformas –, mas também jogadores que concorrem com outros que utilizam as suas plataformas, como os media”, realça. É por isso que “desenvolvem algoritmos para se favorecerem a si mesmos”.
“O mercado publicitário caiu 15% com a pandemia”, concorda o diretor-geral da Media Capital, Luís Cunha Velho. “Os conteúdos vão ser cada vez mais o foco principal, custam dinheiro, precisam de ser pagos e é preciso encontrar modelos que trabalhem os algoritmos e que não desviem os conteúdos nos quais gastamos dinheiro, e que são pagos, para outro tipo de sites.” E garante ainda: “Não somos contra as ‘big tech’, somos a favor de uma remuneração justa pelos conteúdos que produzimos.”
Também Hugo Figueiredo, administrador da RTP com o pelouro dos conteúdos, reforça que “uma lógica de equilíbrio” nesta matéria “seria bom”, especialmente “num período de mudança, que tem vindo a colocar mais pressão do lado das receitas, com o mercado publicitário a encolher”. “Não interessa a ninguém que os operadores de media sejam obrigados a cortar custos repetidamente. Isso pode ter uma influência enorme na qualidade dos conteúdos e na democracia.”
Os mitos segundo a Google
Já o diretor-geral da Google Portugal elenca aquilo que considera serem um conjunto de “mitos que vale a pena abordar”. Em primeiro lugar, “a ideia de que a Google rouba conteúdos ou está a fazer dinheiro com conteúdo dos outros”. E esclarece: “a Google não rouba conteúdos a ninguém, apenas cria links que geram tráfego para outros sites”.
Bernardo Correia adianta que a Google gera “oito mil milhões de cliques por mês para sites de notícias na Europa”, que isso “tem valor económico”, mas é “muitas vezes é desvalorizado pelos publishers”. “O valor desse tráfego é enorme para a indústria dos media.”
E acrescenta ainda que a empresa continua a investir em inovação para os publishers em dificuldades, tendo já investido oito milhões de euros em programas de media em Portugal – como o programa de rádio do Observador, por exemplo.
Bernardo Correia esclarece que, ao contrário do que foi dito, “a Google não faz dinheiro com conteúdo noticioso”. “O Google News não tem anúncios”, explica. “A maioria dos conteúdos onde temos anúncios está nas pesquisas da Google. Não existe aquele pote de ouro ao final do arco-íris que muitas vezes a indústria de media acha que existe.” Além disso, refere, “não existe qualquer obrigatoriedade de estar na Google, qualquer publisher pode sair a qualquer momento”.
Algo que Francisco Pedro Balsemão refuta: “Discordo do facto dos conteúdos produzidos profissionalmente não serem de enorme valor para o Google, ainda que esse valor não seja diretamente calculado”. Já sobre a não obrigatoriedade de estar na Google, o presidente executivo considera que “nenhum publisher pode deixar de existir no Google, porque este é um gatekeeper”. “Fazer isso era ir à falência”, remata.
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