Economia

Novo Banco, TAP, 5G e moratórias. Os riscos e críticas da UTAO ao Programa de Estabilidade

Novo Banco, TAP, 5G e moratórias. Os riscos e críticas da UTAO ao Programa de Estabilidade
FOTO josé carlos carvalho

Os técnicos do Parlamento que apoiam os debates em matérias orçamentais querem mais tempo para analisar os documentos como o Programa de Estabilidade. Para a UTA há vários riscos à espreita desde a TAP às moratórias

Os técnicos no Parlamento, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) fizeram um trabalho rápido e não gostaram da pressa: "A pressa nunca foi boa conselheira", escrevem no documento de avaliação ao Programa de Estabilidade a que a Lusa teve acesso.

Para estes técnicos, que dão apoio aos deputados, não houve muito tempo para avaliar o documento do Governo, nem tempo para esperar por respostas das Finanças, mesmo assim apontam erros, críticas e riscos ao trabalho do ministro de Estado e da Finanças, João Leão.

Primeiro que tudo, uma sugestão: para a UTAO é preciso rever a Lei de Enquadramento Orçamental para que os técnicos possam fazer uma análise mais apurada: tem de haver "consciência da necessidade de equilibrar o trabalho técnico e o trabalho político, no Governo e na AR", escrevem.

O que encontraram então?

As responsabilidade com a TAP, Novo Banco, moratórias e PPP

Uma dupla a abrir. A UTAO alerta para o facto de as responsabilidades contigentes, onde constam a TAP e Novo Banco, virem a ser o "tema incontornável nos próximos quatro anos" devido à acumulação "muito expressiva de riscos para o equilíbrio orçamental". "As responsabilidades contingentes são o tema em destaque neste relatório", lê-se.

"A emergência da pandemia levou a que o Estado português tivesse de assumir responsabilidades excecionais muito expressivas, em vários domínios, que, embora contingentes podem transformar-se em responsabilidades futuras exigíveis às Administrações Públicas", salienta.

Entre a diversidade das responsabilidades contigentes estão as moratórias públicas e privadas, garantias públicas concedidas ao abrigo da pandemia de covid-19, as com origem em parcerias público-privadas (PPP), futuro da TAP e capitalização do Novo Banco. Salientano que a informação no PE é parca sobre este assunto, a UTAO insiste que houve uma "acumulação muito expressiva de riscos para o equilíbrio orçamental ao longo do período de projeção".

As moratórias de crédito e as garantias de Estado a empréstimos do sistema financeiro, "assim como o futuro da TAP num contexto de recessão, enorme incerteza sobre o rumo da recuperação económica e indefinição perante os agentes envolvidos quanto à evolução do enquadramento regulatório europeu, constituem fatores de preocupação a ter em conta no painel de controlo da política económica em geral, da política orçamental e da estabilidade do sistema financeiro", salienta.

Entram ainda neste pacote as necessidades com algumas parceria público-privadas que pode "ascende a cerca de 878 milhões de euros".

Contudo, um dos maiores riscos advém das moratórias. "Com efeito, os montantes dos empréstimos em moratória poderão tornar-se responsabilidades contingentes para o setor das Administrações Públicas no sentido em que no futuro podem ocorrer imparidades significativas nas instituições financeiras, que por sua vez registarão perdas nos rácios de capital", explica. E, nesse sentido, "poderá ser necessária a intervenção do setor público no sentido de assegurar a reposição do capital das instituições financeiras".

Atualmente, "não é possível prever o montante de imparidades futuras, mas é necessário reconhecer que na eventualidade de se concretizar um cenário pessimista, as imparidades poderão ter efeitos orçamentais e na dívida pública".

Novo Banco não está prevista no Fundo de Resolução

A verba de 430 milhões de euros para a capitalização do Novo Banco este ano, prevista no Programa de Estabilidade, "não se encontra prevista no orçamento aprovado do Fundo de Resolução", refere a UTAO.

"O PE/2021-25 apresenta a verba de 430 milhões de euros para capitalização do Novo Banco em 2021, cuja dotação não se encontra prevista no orçamento aprovado do Fundo de Resolução", refere a UTAO, na sua apreciação sobre o Programa de Estabilidade.

"Pese embora não se encontre prevista qualquer verba no orçamento do FdR para aplicação em despesa com ativos financeiros, o PE/2021-25 indica, no quadro de medidas invariantes, uma verba de 430 milhões de euros para injeção de capital no Novo Banco", prossegue a UTAO.

No entanto, "este valor é compatível com a quantia reclamada de 598 milhões de euros e a exclusão de 160 milhões de euros na decisão final de entrega ao banco" pelo Fundo de Resolução.

O Fundo informou ter dúvidas, num valor superior a 160 milhões de euros, sobre a inclusão dos efeitos de determinadas operações no mecanismo de capitalização contingente.

"Se a análise em curso levar ao abatimento de 160 milhões de euros ao pedido de 598 milhões de euros formulado pelo Novo Banco, o FdR pagará 438 milhões de euros, o que também será compatível com as declarações da assessoria de imprensa do Ministério das Finanças", refere.

TAP, um risco orçamental

"A incerteza que rodeia a evolução da pandemia de covid-19 e a recuperação económica faz do processo de reestruturação da TAP patrocinado pelo Estado um risco orçamental e financeiro descendente e considerável para as Administrações Públicas", lê-se na análise ao Programa de Estabilidade a que a Lusa teve acesso.

"Sem o conhecimento do conteúdo do plano de reestruturação da TAP que advirá da negociação com a Comissão Europeia, e tendo apenas por base as linhas gerais fornecidas pelo Governo e a informação reduzida constante do PE/2021--25, é possível, desde já, afirmar que durante os próximos anos se perspetiva injeções financeiras públicas na TAP de montante avultado", prossegue a UTAO.

Ora, "estes apoios, independentemente de serem efetuados através da emissão de garantias, reforço do capital social ou empréstimos, resultarão em impactos anuais negativos no saldo orçamental". A UTAO refere ainda a possibilidade de a TAP passar a integrar o perímetro das Administrações Públicas.

"A estes riscos, acresce a incerteza da evolução da pandemia e de outros fatores aliados à mesma" - como o processo de vacinação, novas estirpes, entre outros - e "dos seus reflexos no volume de negócios do grupo TAP", aponta-se.

Perante isto, "é plausível afirmar que o processo de reestruturação da TAP, nos próximos anos, constitui um risco orçamental e financeiro descendente não negligenciável", conclui a UTAO.

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) considera que o Programa de Estabilidade 2021-2025 "parece apontar para a antecipação e redução de encargos previstos com a TAP", face às linhas gerais do plano de reestruturação anteriormente apresentado.

O Ministério das Finanças "classifica esta medida como se tratando de uma medida de política invariante, a adotar, temporária e com impacto na despesa".

"O PE/2021--25 estima que o impacto da medida de apoio à TAP no período de 2021 a 2025 perfaça o montante de 1.770 milhões de euros, a repartir pelos anos de 2021 e 2022 apenas (970 milhões de euros e 800 milhões de euros, respetivamente)", aponta.

De acordo com a UTAO, "estes dados apontam para a antecipação e a redução das necessidades de financiamento previstas para a TAP quando comparados com as linhas gerais do plano de restruturação anteriormente apresentado".

5G e impacto no comércio

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alerta que "persistem" fatores de risco político com impacto no fluxo de comércio internacional que podem condicionar a recuperação da economia portuguesa, dando o exemplo das disputas comerciais pelo 5G.

Na apreciação ao Programa de Estabilidade 2021-2025 (PE/2021-25), a que a Lusa teve acesso, a UTAO adverte que "fatores de risco persistem como um entrave aos fluxos de comércio internacional e do setor financeiro, podendo condicionar a recuperação da economia nacional nos médio e longo prazos".

No documento, a unidade técnica que dá apoio aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças (COF), aponta as tensões entre a China e os Estados Unidos, apesar da mudança do presidente norte-americano, bem como entre Washington e a Rússia, que voltaram a ser tensas este ano.

Por outro lado, na área do euro, o financiamento dos planos nacionais de Recuperação e Resiliência "poderá levar a uma forte procura de recursos nos mercados financeiros, podendo ter implicações no nível de integração ou fragmentação financeira na Europa".

A isto junta-se a continuação de "riscos políticos associados à adoção da tecnologia" de quinta geração (5G), cujo leilão principal ainda decorre em Portugal, há mais de 70 dias.

No âmbito do 5G, tem-se assistido a uma 'guerra' entre os Estados Unidos e a China, com Washington a pressionar vários países a banir a chinesa Huawei dos seus mercados, alegando questões de segurança.

Empréstimos e moratórias

"A evolução dos empréstimos de cobrança duvidosa deve ser acompanhada com cuidado", salienta a UTAO, que refere que o relatório do PE/2021-25 "não tem referência explícita à situação dos empréstimos das famílias e das empresas abrangidos por moratórias públicas e privadas".

Contudo, "os empréstimos não produtivos ('non-performing loans', NPL) podem transformar-se em imparidades para o sistema bancário, afetar todos os setores institucionais da economia nacional e, no limite, agravar a carga fiscal ou penalizar a prestação de serviços públicos", alerta.

"Mau grado a melhoria nos últimos anos, os empréstimos NPL [crédito malparado] mantinham em 2020 um peso mais elevado em Portugal do que no conjunto da área do euro", aponta a entidade.

O peso do crédito malparado no valor dos empréstimos brutos concedidos pela banca "tem descido desde o ano 2016 - de 17,9% no final do segundo trimestre de 2016 até 4,9% no final de 2020".

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