Economia

Mercosul 30 anos: confinamento ou abertura ao mundo?

Mercosul 30 anos: confinamento ou abertura ao mundo?
ARGENTINA'S PRESIDENCY

O bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai atingiu as três décadas de vida... sob o risco de morte

Mercosul 30 anos: confinamento ou abertura ao mundo?

Márcio Resende

Correspondente na Argentina

O Mercosul vive uma crise de identidade, exposta durante a cimeira virtual do bloco em 26 de março ao completar 30 anos. O debate político e económico que se abriu não tem precedentes, revela o choque ideológico que divide os países da América do Sul e deixa o bloco num ponto de inflexão sobre o seu futuro: ou se moderniza ou corre o risco de extinguir-se, isolado do mundo.

“Queremos que o Mercosul seja um trampolim; não uma camisa de forças ou um lastre. Hoje somos a quinta região mais protecionista do mundo, mas podemos ser importantes no cenário mundial”, ratificou, nesta semana, o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, durante conferência com a imprensa estrangeira.

De um lado, Brasil, Uruguai e Paraguai, sob governos de direita, querem acordos de comércio livre com outros países relevantes para sair do atual confinamento do bloco. Do outro lado, a Argentina, sob governo de esquerda, prefere o protecionismo.

Perante o conflito, o presidente argentino, Alberto Fernández, na Presidência rotativa do bloco, sugeriu que os insatisfeitos “desçam do barco” do Mercosul ou “apanhem outro barco”.

“Se somos um lastro, que tomem outro barco”, disparou o presidente argentino, Alberto Fernández, durante discurso de encerramento da cimeira virtual pelos 30 anos do Mercosul no dia 26.

Tensão ideológica

No Mercosul, os países precisam negociar em conjunto e aprovar decisões por unanimidade. Brasil, Uruguai e Paraguai querem flexibilizar essa regra para poderem avançar, individualmente, com tratados de comércio livre. A Argentina argumenta que, se essa regra for modificada, é o fim do Mercosul como União Alfandegária.

Ao mesmo tempo, Brasil. Uruguai e Paraguai querem reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para melhorar a competitividade das suas economias, via redução de custos. A Argentina considera que, ao retirar essa barreira protetora, as suas indústrias correm perigo.

A TEC no Mercosul é, em média, de 13%. Os três países querem reduzi-la pela metade, em sintonia com as tarifas hoje praticadas no mundo: em média 5,5%. O debate terá um novo round no próximo dia 22, quando os chanceleres reúnem-se em Buenos Aires para tentar superar o impasse.

A Argentina tem colocado todo tipo de obstáculos ao comércio livre: restrições administrativas, licenças não-automáticas de importação, impostos às exportações, férreo controlo de capitais.

“Os países vizinhos, especialmente o Brasil, não toleram mais a postura argentina. Hoje o Mercosul está dividido pela ideologia política que se traduz na política económica. A visão argentina é oposta à do mundo”, explica ao Expresso o ex-chanceler argentino Jorge Faurie (2017-2019), um dos responsáveis pela assinatura do acordo com a União Europeia e pela abertura das atuais negociações que o Mercosul mantém.

Flexibilização ou impasse

No ano passado, o Governo de Alberto Fernández chegou a anunciar que se retirava das negociações internacionais do Mercosul com Canadá, Singapura, Líbano, Índia, Japão e Coreia do Sul. Depois, Fernández recuou da decisão, mas as negociações não avançaram.

Em 2019, o Mercosul fechou dois acordos de comércio livre, mas que ainda não foram ratificados: um com a União Europeia; outro com a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA, nas siglas em inglês).

O acordo com a União Europeia, depois de 20 anos de negociações, prometia ampliar o horizonte do bloco, mas a ratificação desse tratado é agora questionada por alguns países europeus como França, Áustria, Holanda, Irlanda e Bélgica que veem na política ambiental brasileira um ponto irreversível.

Analistas e negociadores do Mercosul não isentam o Brasil de culpa, mas também observam que os países europeus a questionarem são os mesmos que sempre impediram um acordo com o Mercosul por temerem as exportações agrícolas dos sul-americanos.

“O acordo União Europeia-Mercosul não está mal encarado em termos ambientais. O que alguns países europeus perceberam, em particular a França e a Áustria, é que a questão ambiental do Brasil é um bom argumento para atenderem às suas pressões domésticas. A questão está a ser usada para encobrir a agricultura ineficiente desses países”, afirma Jorge Faurie, também ex-embaixador argentino em Portugal (2002-2013).

“O Mercosul precisa de uma modernização. Tem um modelo obsoleto de integração. Está esgotado. É o bloco menos internacional de todos”, aponta ao Expresso o consultor de negócios internacionais, Marcelo Elizondo, um dos maiores especialistas sobre Mercosul.

“Dos 20 blocos de integração no mundo, o Mercosul é o que menos comércio exterior tem em relação ao seu produto interno bruto. A relação exportações x PIB é de 14,9% enquanto a média no mundo é de 33%. Na União Europeia, por exemplo, é de 51%”, compara Elizondo.

Risco de vida

Se o Mercosul continuar confinado, pode recuar a uma mera zona de comércio livre ou pode até mesmo desmembrar-se.

“Se tiver capacidade de adequar-se à realidade internacional de 2021, o potencial do Mercosul é imenso. Se os integrantes não encontrarem uma saída, todos perderão num mundo que se une por blocos ou por potências”, adverte Jorge Faurie.

“O Mercosul tem dois destinos possíveis: ou se moderniza e entende a economia mundial atual ou terminará cada vez menor até os países abandonarem o bloco. Como está, não tem futuro”, sentencia Marcelo Elizondo.

Trinta anos depois do seu nascimento, o maior desafio do Mercosul é durar outros 30.

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