Novo Banco vendeu créditos de €1,5 mil milhões sem certezas sobre ligação de compradores a partes relacionadas
Antonio Pedro Ferreira
Diretor da auditoria interna do Novo Banco diz que a sua saída do banco em 2020 não resultou de divergências com a gestão nem de problemas com o Nata I, onde o departamento detetou problemas. Luís Seabra assume que Fundo de Resolução pediu auditoria específica a créditos de José Guilherme e Luís Filipe Vieira
A primeira venda de uma grande carteira de crédito malparado do Novo Banco, que aconteceu em 2018 e que tinha um valor de 1,5 mil milhões de euros, foi feita sem que houvesse um processo “robusto” que garantisse que não havia partes relacionadas com o banco envolvidas na operação. Essa foi uma conclusão da direção de auditoria interna do Novo Banco, segundo revelou o seu antigo diretor no Parlamento.
“Não houve evidências que nos dessem as garantias de que houvesse um processo robusto que impedisse” transações com as partes relacionadas, declarou Luís Seabra na sua audição na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, esta quinta-feira, 8 de abril. Seabra estava no BES desde 1994, transitou para o herdeiro Novo Banco aquando da sua constituição, em 2014, sendo que passou a dirigir a auditoria interna do banco em 2018, de onde saiu em julho de 2020.
A operação de venda de malparado, conhecida como Nata I, aconteceu em 2018 e causou perdas de 110 milhões de euros para o banco. O comprador foi um consórcio formado pelo fundo americano KKR Credit Advisors e pela Lx Investments Partners. A questão das partes relacionadas coloca-se porque um dos compromissos assumidos pela Lone Star, quando comprou o banco em 2017, foi o de que se abstinha de adquirir ativos internos. O fundo americano tem garantido que nunca participou em qualquer transação enquanto compradora quando o Novo Banco era vendedor.
“Durante a auditoria não identificámos transações com partes relacionadas”, declarou Luís Seabra aos deputados. Ou seja, o departamento de auditoria interna não viu problemas, mas também assumiu que não havia um sistema efetivo que pudesse detetar eventuais problemas. “Foi por causa disso que se fez uma recomendação para que houvesse um processo mais robusto”, continuou, dizendo que o relatório de auditoria foi partilhado com a liderança do banco, encabeçada por António Ramalho, e que foi dada atenção e “empenho imediato” para a resposta às recomendações.
Antonio Pedro Ferreira
Segundo afirmou o responsável pelo departamento de auditoria interna (uma das linhas de defesa dos bancos), o Nata I foi um de dois dossiês em que não havia forma de garantir que não havia transações com partes relacionadas. A nota da auditoria foi "satisfatória", e não adequada, que seria a nota mais alta. Na audição, Luís Seabra revelou que houve, no exercício entre 2019 e 2020, “alguns dez” relatórios de auditoria interna feitos no banco com resultados “insatisfatórios”, num universo de 150.
Fundo mandou auditar Luís Filipe Vieira e José Guilherme
Em relação a clientes específicos, Luís Seabra frisou que o Fundo de Resolução, acionista com 25% do banco e obrigado a compensar perdas do banco, pediu auditorias a dossiês de pelo menos dois devedores: Promovalor, de Luís Filipe Vieira, e de José Guilherme e o fundo Invesfundo.
No segundo caso, a auditoria interna, que começou a ser realizada, caiu porque a auditoria especial da Deloitte, feita por lei e por determinação do Governo, cobriu esse caso. “Penso que estava em causa a concessão do crédito e a sua recuperação”.
Já o da Promovalor, a opção foi fazer uma auditoria externa. “Deviam ser analisadas duas matérias, a concessão de crédito e uma segunda que tinha a ver com a operação de reestruturação levada a cabo. A primeira parte foi incluída na auditoria especial e a segunda está a ser feita pela BDO”, disse.
A mudança na direção de auditoria interna do Novo Banco que aconteceu em 2020, protagonizada pela saída de Luís Seabra, não teve qualquer relação com divergências com a administração executiva, segundo garantiu o próprio visado.
“Saí por uma razão simples: para abraçar outro projeto e não em rutura com a administração do Novo Banco. Tive oportunidade de abraçar outro projeto profissional, saí porque queria”. Luís Seabra, que foi para a Associação Nacional de Farmácias, repetiu várias vezes esta ideia ao longo da audição da comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco.
A demissão ocorreu quando estava a ser concluída a auditoria especial da Deloitte ao Novo Banco, e chegou a ser noticiado pelo Público que aconteceu por Luís Seabra considerar que a gestão não estava a ir tão longe quanto poderia no apuramento de beneficiários efetivos das grandes transações de vendas de ativos. O ex-responsável considerou que não fazia sentido e que não foi isso que aconteceu. “Não há qualquer relação possível entre a minha saída e a auditoria especial da Deloitte. Eu nem conhecia a auditoria especial da Deloitte. Eu saí do Novo Banco sem qualquer divergência estratégica com a administração”, assegurou.
“Tenho a certeza que nada teve a ver com o Nata I”, declarou. “Não antecipei que gerasse esta surpresa”, assumiu Luís Seabra, dizendo que “tinha todo o apoio em termos da independência da função” elogiando, entre outros, o CEO, António Ramalho. “A independência nunca foi posta em causa”.
(Notícia atualizada às 19h50 com alteração do título)