Economia

Espanha alcança acordo para rever Código do Trabalho e reforça proteção aos trabalhadores das plataformas

Espanha alcança acordo para rever Código do Trabalho e reforça proteção aos trabalhadores das plataformas
José Carlos Carvalho

O Governo espanhol e os parceiros sociais chegaram a acordo para introduzir no Código do Trabalho a "presunção de estatuto de assalariado". Enquadramento abrangerá os trabalhadores da designada economia das plataformas, que asseguram o transporte de pessoas e entregas de bens para plataformas como a Deliveroo ou a UberEats. Em Portugal também se preparam alterações

Espanha tornou-se esta quinta-feira o primeiro país da União Europeia a legislar um enquadramento específico de proteção aos trabalhadores da economia das plataformas. O Governo de Madrid chegou a acordo com os parceiros sociais para uma revisão do Código do Trabalho que passará a contemplar a "presunção de estatuto de assalariado" para trabalhadores de entregas ao domicílio como os que trabalham para plataformas como a Uber ou Deliveroo. O anúncio foi feito esta quinta-feira pela própria ministra do Trabalho, Yolanda Diaz.

Em Espanha, como na generalidade dos países, há muito que os trabalhadores da economia das plataformas vêm denunciado situações de extrema precariedade e ausência de direitos que já motivaram inúmeros casos em tribunal. Em diversos países, como em Portugal, os Governos têm vindo a promover uma reflexão profunda sobre a necessidade de rever as respetivas leis laborais para reforçar a proteção aos trabalhadores das plataformas, introduzindo nos seus códigos as designadas "Lei-Uber".

Espanha passou da teoria à prática e criou o estatuto de "presunção de assalariado". "Estes trabalhadores são agora empregados e poderão usufruir de todas as proteções" anunciou esta quinta-feira a ministra do Trabalho espanhola reforçando que Espanha foi "o primeiro país da União Europeia (UE) a legislar sobre esta questão". O acordo agora alcançado entre o Governo, sindicatos e empregadores consiste em incluir esta categoria de pessoas no Código do Trabalho, reconhecendo "a presunção de emprego assalariado para trabalhadores que prestam serviços de entrega remunerada através de empresas que realizam esta tarefa graças a um algoritmo que gere o serviço ou as condições de trabalho, através de uma plataforma digital", refer um comunicado do ministério do Trabalho espanhol.

"Já disse muitas vezes que um trabalhador que anda de bicicleta pelas nossas ruas com uma aplicação não é um empresário", salientou Diaz. De agora em diante, "milhares de trabalhadores serão empregados, [empresas] contribuirão para eles e terão direito a toda a proteção social que hoje não têm", adiantou. O texto clarifica também que os sindicatos "terão de ser informados das regras que regem os algoritmos e sistemas de inteligência artificial que possam ter impacto nas condições de trabalho", de acordo com o comunicado.

Relação de emprego reconhecida

A atribuição de horas de trabalho de acordo com perfis criados de uma forma opaca por algoritmos é altamente criticada pelos trabalhadores das entregas. O Governo de esquerda baseou a sua decisão numa decisão do Supremo Tribunal espanhol de setembro, que reconheceu a existência de uma "relação de emprego" entre um motorista de entregas e a empresa espanhola Glovo, depois de numerosas disputas legais entre motoristas de entregas e plataformas nos últimos anos em Espanha. As empresas terão agora três meses para cumprir esta alteração no Código do Trabalho.

Até agora, nenhum país europeu dispunha de legislação deste tipo. Na generalidade dos países europeus os motoristas e estafetas das plataformas de trabsporte são enquadrados como trabalhadores independentes. Na Bélgica, o Parlamento aprovou em 2016 uma lei, que entrou em vigor apenas em março do ano seguinte, sobre plataformas de colaboração introduzindo um imposto de 10% sobre os rendimentos provenientes desse trabalho. No entanto, segundo os sindicatos esta lei não confere qualquer estatuto ou proteção à pessoa que entrega ou cobertura social através do seu empregador.

Em Portugal, o Governo já admitiu estar a ponderar a criação de legislação específica para reforçar os direitos dos trabalhadores das plataformas digitais e o público alvo da medida poderá não se restringir aos motoristas de TVDE, até porque a “uberização” do trabalho está em toda a parte. O Executivo de António Costa convocou os advogados e especialistas em Direito Laboral, Guilherme Dray e Teresa Coelho Moreira, para coordenar uma reflexão sobre o futuro do trabalho, que culminou na elaboração do Livro Verde para o Futuro do Trabalho. O documento agrega um conjunto de linhas orientadoras para uma reflexão sobre o reforço da proteção e direitos laborais na economia das plataformas, teletrabalho e outras átreas e a sua discussão em sede de Concertação Social deverá iniciar-se em breve. Na Europa, o tema também está no centro do debate. A Comissão Europeia tem estado a ouvir sindicatos nesta matéria.

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