Economia

BCE novamente posto em tribunal na Alemanha

Peter Huber (à esquerda) ao lado do presidente do Tribunal Constitucional alemão, Andreas Vosskuhle, e de outros  magistrados que o compõem
Peter Huber (à esquerda) ao lado do presidente do Tribunal Constitucional alemão, Andreas Vosskuhle, e de outros magistrados que o compõem
Ralph Orlowski/REUTERS

Nova queixa apresentada esta quinta-feira junto do Tribunal Constitucional Federal alemão acusa o Banco Central Europeu de estar ilegalmente a “financiar os governos” com o programa de emergência PEPP. A notícia no jornal alemão Welt surge no dia em que Christine Lagarde divulgará as decisões da reunião de política monetária

Um grupo de empresários e académicos de Berlim, liderados por Markus C. Kerber, professor de Finanças Públicas, entrou esta quinta-feira com uma queixa no Tribunal Constitucional Federal contra o PEPP, o programa de emergência de compra de dívida, lançado pelo Banco Central Europeu (BCE) há um ano.

“O PEPP é um caso flagrante de financiamento monetário dos governos. O que é claramente proibido pelo artigo 123 do Tratado da União Europeia”, fundamenta a queixa num documento de 140 páginas, a que teve acesso o jornal alemão Welt.

A notícia da queixa surge precisamente no dia da reunião de política monetária do BCE, que enfrenta uma tempestade no mercado com a subida das taxas de juro da dívida pública em toda a zona euro. A atenção dos investidores vira-se esta quinta-feira para as decisões da reunião, e, em particular, é grande a expetativa sobre as declarações de Christine Lagarde, a presidente do banco, na conferência de imprensa desta tarde.

No entanto, o acusado nesta queixa não é o BCE propriamente dito, mas o Governo federal chefiado por Angela Merkel e o Parlamento por não vigiarem a ação do banco central e não intervirem contra as alegadas ilegalidades que comete. Os queixosos pretendem que o Bundesbank, o banco central alemão que pertence ao sistema do euro, seja proibido de participar nesse programa de compra de emergência.

PEPP é ainda mais "ilegal' do que o programa de Draghi

Os queixosos consideram inclusive que o PEPP vai em termos de ilegalidade muito além do próprio programa de aquisição de dívida pública lançado por Mario Draghi em março de 2015, conhecido pela sigla PSPP, e que já foi julgado pelo Tribunal Constitucional alemão.

“Com o PEPP a referência da política monetária não é mais visível”, diz a queixa. Os condicionalismos colocados pelos juízes federais em maio do ano passado, ao deliberarem sobre o PSPP, estão a ser violados flagrantemente pelo PEPP, alegam os queixosos.

Recorde-se que, em maio do ano passado, o Tribunal Constitucional alemão acusou o BCE de "falta de proporcionalidade" na aplicação dos programas e colocou como linhas vermelhas a não ultrapassagem dos limites impostos pela chave de capital para cada país e pela regra de não deter mais de 33% das linhas de obrigações que compra. Os juízes sublinharam, ainda, que o BCE não pode dar a ideia de uma garantia de compra da dívida no mercado secundário.

Na altura, fizeram um ultimato de 90 dias à equipa de Lagarde que acabou por dar em águas de bacalhau, com as instituições alemãs – Governo, Parlamento e banco central - a defenderem o BCE. Lagarde, em reação à decisão dos juízes alemães, disse inclusive, na altura, que “continuaremos a fazer o que for necessário... indiferentes [à decisão do Tribunal]". O BCE reforçou, depois, que o banco da moeda única só responde perante o Parlamento europeu e só está sob a jurisdição legal do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Quem é Kerber?

Esta não é a primeira ação que Kerber move contra o BCE. Já se queixou oito vezes junto do Tribunal Constitucional alemão, nomeadamente contra o Tratado de Lisboa em 2008, o resgate da Grécia desde 2010, o programa OMT anunciado por Mario Draghi em 2012 (mas nunca aplicado) e participou na queixa contra o programa PSPP, cuja deliberação os juízes anunciaram em maio do ano passado.

É fundador do think-tank Europolis, onde, ainda, recentemente, considerou que não há base jurídica para a ida aos mercados para se financiar a ‘bazuca’ de €750 mil milhões. “Os tratados europeus não autorizam, em qualquer circunstância, a União a endividar-se”, frisa o académico.

É professor de Finanças Públicas e Economia Política na Universidade Tecnológica de Berlim e dá aulas em Paris no Institut d’études politiques.

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