A atual crise pandémica coloca desafios de ordem económica que são inéditos para várias gerações e pedem respostas robustas para lidar com um impacto social que se espera ser de ordem significativa. Por isso a tão falada "bazuca" da União Europeia para dar argumentos aos governos para lidar com os desafios é vista com tanta importância e coloca a intervenção do Estado na economia como algo a que não se poderá escapar.
No "Portugal 20/21: Reshaping the future" - estudo feito pela Deloitte e que o Expresso vai divulgar ao longo desta semana - esta presença governamental mais forte (governments strike back) é uma das seis tendências identificadas. A conclusão é que a covid-19 obriga a que o Estado assuma o papel de dinamizador e impulsionador da atividade económica e do tecido empresarial, porque as circunstâncias não permitem outra hipótese.
"A pandemia, como uma guerra, é um contexto especial que exige uma intervenção do estado igualmente especial", assume o diretor da Nova SBE, Daniel Traça. Para o académico, se é óbvio o papel que as instituições governamentais devem desempenhar, também é claro que tal implica uma reformulação para que a intervenção tenha sucesso. "Passados estes eventos temos de reorganizar a nossa economia de volta a princípios de inovação, de competitividade e de agilidade que, normalmente, não são apanágio do sector público".
Processos transparentes
Seja como for, mais de metade dos CEO entrevistados pela Deloitte (65%) atribui uma avaliação positiva à intervenção do Governo e há esperanças que a gravidade da ocasião seja o ponto de partida necessário para operar as mudanças necessárias. Por enquanto, a presença do Estado na economia revela-se nas ajudas concedidas às empresas para fazerem face à gestão corrente. Desde o início da pandemia, o Governo lançou linhas de crédito de apoio às empresas, que, para já, totalizam €8 mil milhões, ao passo que os valores do Fundo de Recuperação e o Quadro Financeiro plurianual para Portugal podem atingir os €45 mil milhões.
"A nossa análise demonstra que nesta crise pandémica é esperado do Governo um papel mais interventivo e influente, alavancado na coordenação e diálogo com o sector privado, e focado na recuperação da economia", aponta Sérgio do Monte Lee. Entre os exemplos dos últimos meses, destaque para o dinheiro injetado na TAP, por exemplo, e para os apoios concedidos à comunicação social "através da compra antecipada de publicidade institucional". Ainda assim, o partner da Deloitte deixa um aviso: "Se não forem precavidos processos transparentes, o crescimento da intervenção do Governo na economia poderá ter efeitos nocivos sobre a atração de investimento externo".
O lay-off simplificado, as moratórias nos empréstimos e as ajudas nas rendas são outros exemplos da presença mais notória da intervenção pública na economia e a tendência vai continuar, no mínimo, durante o próximo ano e, em princípio, nos anos seguintes, enquanto as sociedades lidam com os efeitos duradouros da pandemia. "Se o Estado vai assumir um papel mais importante, então terá de funcionar muito melhor do que tem funcionado. Se não, será difícil assegurar o progresso do país", lembra Daniel Traça.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt