Os efeitos da pandemia manifestam-se também nas alterações sociais repentinas que o mundo sofreu nos últimos meses e a que Portugal não foge. A digitalização da sociedade é uma das consequências mais visíveis e com impacto alargado a todas as faixas e sectores da sociedade. Desde as compras à telemedicina, passando pelas deslocações, há todo um novo mundo que irrompeu e que veio para ficar.
A conclusão fica bem clara no "Portugal 20/21: Reshaping the future", estudo feito pela Deloitte e que o Expresso vai divulgar ao longo desta semana, para levantar um pouco o véu sobre as mudanças que já se começam a sentir e que não são meramente um incremento ocasional motivado pela situação excecional que vivemos. São antes mexidas profundas na estrutura da sociedade que vieram para ficar e que vão marcar o futuro próximo de todos nós.
São seis as tendências que o trabalho identifica e que, além da digitalização da economia (lower touch economy) que hoje apresentamos, passam também pela maior intervenção do Estado na economia (governments strike back), o aumento da pressão sobre os preços e a procura de soluções alternativas (return of the “90s”), a maior aposta nos produtos de proximidade (back to local), a emergência do trabalho à distância (phygital workforce) e a importância crescente da sustentabilidade (going green).
"A pandemia, ao restringir o contato físico entre pessoas, acelerou a adoção e desenvolvimento de canais de comércio eletrónico, a digitalização das operações de relacionamento com clientes, a redução da mobilidade e a menor densidade de utilização de espaços físicos", explica Sérgio do Monte Lee. O partner da Deloitte revela que esta tendência foi uma das "mais destacadas pelos CEO nacionais" nos contactos que ajudaram à elaboração do estudo, com a certeza que estamos perante, "na sua essência, manifestações da 4ª Revolução Industrial que acabam por ser aceleradas vários anos pelo contexto da pandemia".
Explosão no comércio
Veja-se, por exemplo, o caso do comércio eletrónico. A covid-19 provocou uma aceleração na adesão a esta prática que só seria possível num contexto de confinamento e menos deslocações como que vivemos coletivamente, como os números comprovam. Na primeira semana de junho as compras online no comércio alimentar e retalho aumentaram 23%, ao passo que as de restauração, entrega de comida e take away cresceram 78%, e o entretenimento, cultura e subscrições subiram 57%. Surgiram também inovações como o "Virtual Buying Experience" da Kia, um concessionário 100% online que permite visualizar o produto desejado via vídeo e agendar um test-drive com entrega do carro à porta de casa.
Para Sérgio do Monte Lee, "temos assistido mais a uma transição digital que a uma transformação digital das nossas empresas, e muito do que se tem observado no nosso país em relação a esta transição tem sido sobretudo relacionado com o teletrabalho e algum crescimento do comércio eletrónico". Crescimento que apesar de tudo deve ser visto com cuidado, uma vez que "não nos podemos esquecer que a larga percentagem do comércio eletrónico em Portugal é ainda dirigido para operadores internacionais, resultando, por conseguinte, mais num aumento de importações que no crescimento de negócio das empresas nacionais", elabora.
Outra ferramenta que ganhou uma proeminência súbita foi a telemedicina, que obrigou os serviços de saúde a desenvolver rapidamente infraestruturas e mecanismos para que as consultas à distância se tornem uma ocorrência frequente e capaz de libertar serviços que voltam de novo a ficar preocupantemente sobrecarregados. Os dados disponíveis mostram que, na prática de telemedicina, verificou-se um aumento de 49% em abril deste ano, face ao período homólogo e a experiência tem resultado numa redução da exposição ao risco.
Oportunidades
A redução das deslocações, quer internas quer externas, também é uma vertente incontornável dos últimos meses e informações da Associação Internacional de Transportes Aéreos revelam que se espera uma queda de 60% no número de passageiros europeus em 2020, em comparação com o mesmo período do ano transato. Consequentemente, mais de sete milhões de postos de trabalho suportados pela aviação (incluindo turismo) na Europa estão agora em risco, o que obriga a procurar soluções alternativas.
Os efeitos económicos resultantes da pandemia são um dos principais - senão o principal - motivos de preocupação dos líderes empresariais portugueses. A maioria dos CEO está pessimista em relação à evolução da economia nacional, com 35,3% dos inquiridos pela Deloitte a estimar, em 2020, uma contração entre 5% e 10% do PIB. O que não deve servir apenas para deprimir. "Esta pandemia, como todos os cenários de disrupção, cria em simultâneo uma oportunidade de mudança do panorama competitivo, quer para nações, quer para empresas, dependendo do rumo seguido ser capaz de operar uma verdadeira transformação no tecido económico e social", defende Sérgio do Monte Lee.
Neste campo, acredita-se que para 2021 (com repercussões para o futuro), a lower touch economy deve representar uma transformação digital com destaque para a "definição e implementação da estratégia digital e evolução da infraestrutura tecnológica", na criação de canais mais diretos de contacto com o consumidor e, sobretudo, na "promoção de uma cultura digital, inovadora e ágil", que permita aproveitar as oportunidades resultantes da pandemia. Porque a economia digital é mesmo uma tendência.
Conheça as restantes cinco tendências ao longo desta semana no site do Expresso e também na edição em papel de 31 de outubro