“À semelhança de outras doenças víricas, verifica-se que há uma utilização de antibióticos de forma despiciente e fútil na covid-19”, afirma José Artur Paiva em entrevista ao Expresso. O atual responsável pelo Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e Resistências aos Antimicrobianos (PPCIRA) explica que o consumo inadequado destes medicamentos “é um problema de saúde pública” do presente e não do futuro. José Neves, infeciologista do Hospital de Vila Franca de Xira, concorda e atribui a responsabilidade à “deficiente formação dos profissionais nesta área”, mas também à falta de literacia em saúde da população portuguesa. “Muita gente ainda pensa que os antibióticos dão para tratar vírus e outros microrganismos que não bactérias”, lamenta.
A resistência antimicrobiana representa perigos em Portugal e no mundo, devendo-se sobretudo à toma excessiva destes medicamentos e podendo resultar numa imunidade crescente aos diferentes espectros antibióticos. Significa isto que, numa situação limite, um doente que apresente forte resistência à terapêutica poderá desenvolver infeções graves que podem resultar na morte. “A resistência antimicrobiana é uma crise global que requer atenção e ação urgentes”, avisou, em julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) a propósito do aumento da prescrição antibiótica durante o combate à covid-19. De acordo com a instituição, “muitos indivíduos que apresentam doença leve sem pneumonia ou doença moderada com pneumonia recebem antibióticos”. Os dados apresentados são claros: enquanto 72% dos doentes são tratados com estes medicamentos, apenas 8% demonstraram coinfecções que justificassem a opção médica.
Para o líder do PPCIRA e intensivista no Hospital de São João, “a coinfecção bacteriana no SARS-Cov-2 parece rara”, pelo que defende a importância da adoção de “estratégias inteligentes” na prescrição de antimicrobianos a estes doentes. “Uma boa política de evitar antibióticos na fase aguda de infeção por SARS-Cov-2 minimiza o risco de superinfeção por bactérias resistentes, daí este aviso importante da OMS”, remata. Sara Cerdas, eurodeputada do PS e relatora do Programa Europeu para a Saúde, alerta que “existem estudos e modulações que indicam que em 2050 iremos ter muitos gastos em saúde devido à resistência aos antimicrobianos”, um problema que afeta o bem-estar da população e que tem impacto negativo na sustentabilidade do SNS. “Estamos a entrar, e não gosto de usar esta palavra, numa pandemia de resistência”.
Os especialistas são unânimes em relação à forma como este desafio da medicina moderna deve ser enfrentado. O reforço das estratégias para fortalecer a literacia em saúde é fundamental, mas deve ser complementado com a utilização criteriosa desta arma terapêutica, nas doses e nos intervalos apropriados. “Tem também a ver com o domínio da antibioterapia por parte do médico e depois os doentes saberem que é preciso cumprir as indicações”, atesta José Neves. Outro caminho é o da investigação científica a novas famílias de antibióticos, no entanto, José Artur Paiva avisa que “temos de os usar com sabedoria e parcimónia, porque se abusarmos estamos a destruir as novas armas e as bactérias vão ganhar resistências”.
A importância dos antibióticos na medicina moderna será o tema central do último debate do ciclo “Imunes”, promovido pelo Expresso em parceria com a MSD, da próxima quinta-feira, 22, às 18h. A conversa “Imunes: quando o corpo precisa de ajuda, os antibióticos” contará com a participação de José Neves (HVFX), José Artur Paiva (PPCIRA), Sara Cerdas (eurodeputada do PS) e Margarida Câmara (Hospital Dr. Nélio Mendonça).
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