Economia

Vendas de créditos e imóveis com desconto salvaguardaram interesse público? O que o Tribunal de Contas vai auditar no Novo Banco

José Tavares, presidente do Tribunal de Contas
José Tavares, presidente do Tribunal de Contas
ANTÓNIO PEDRO SANTOS / Lusa

José Tavares ainda agora chegou à liderança do Tribunal de Contas e já tem um novo dossiê em mãos. O Parlamento aprovou por unanimidade o pedido para uma auditoria ao Novo Banco. Os deputados aceitam que conclusões venham por etapas, nomeadamente para tentar antecipar-se à próxima injeção do Fundo de Resolução

Vendas de créditos e imóveis com desconto salvaguardaram interesse público? O que o Tribunal de Contas vai auditar no Novo Banco

Diogo Cavaleiro

Jornalista

Andou o Novo Banco a tentar gerir resultados para pedir mais dinheiro ao Fundo de Resolução e, daí, ao bolso dos contribuintes? A venda de créditos problemáticos e imóveis foi feita protegendo o interesse público? Estas são algumas das questões que o Parlamento quer que o Tribunal de Contas responda na auditoria ao herdeiro do Banco Espírito Santo, cujo pedido foi aprovado esta quinta-feira por unanimidade na comissão de Orçamento e Finanças. As conclusões podem vir em várias fases, admitem os deputados.

Na prática, o grande foco da auditoria solicitada pelos deputados diz respeito ao valor que créditos, imóveis e participações em empresas tinham na data da resolução do BES (ou da criação do Novo Banco) e a sua evolução após a venda à Lone Star, e a sua inclusão no mecanismo que garante capitalizações do Fundo de Resolução.

Desde logo, a comissão de Orçamento e Finanças, no texto conjunto que foi desenhado pelo PS e PSD, pretende saber se, quando o Novo Banco foi constituído, o valor desses ativos problemáticos era adequado, e se as imparidades e provisões que lhes foram sendo associadas ao longo dos anos (reconhecendo perdas antecipadamente) respeitaram as normas em vigor.

O Tribunal de Contas, agora sob a presidência de José Tavares após a polémica não recondução de Vítor Caldeira, é incumbido de identificar “eventuais práticas de gestão no Novo Banco conducentes e orientadas a obter um determinado resultado líquido do Banco com o objetivo de permitir o acionamento do mecanismo de capital contingente”.

O mecanismo de capital contingente foi criado na venda à Lone Star e previa que o Fundo de Resolução pudesse injetar cerca de 3,89 mil milhões de euros no Novo Banco para cobrir perdas num conjunto pré-determinado de créditos e outros ativos tóxicos. Em três anos, foram pedidos 3 mil milhões de euros pelo banco ao Fundo (que solicitou 2,2 mil milhões de empréstimo ao Tesouro português para satisfazer essa responsabilidade). Restam 900 milhões por pedir ao abrigo deste mecanismo, sendo que a estimativa do Governo é que, em 2021, venham a ser solicitados mais 476 milhões ao Fundo de Resolução (mas sem empréstimo do Estado).

Este mecanismo é já analisado pelo próprio Fundo, por uma comissão de acompanhamento por si nomeada, por um agente que verifica se os cálculos são todos bem feitos (Oliver Wyman), pela EY, auditora do Novo Banco, e ainda pelo próprio Banco Central Europeu, além da auditoria da Deloitte, há meses divulgada. O Parlamento tem considerado que esta linha de defesa não tem dado garantias de segurança de que a Lone Star não esteja a limpar o banco à custa do Fundo de Resolução.

Há conflitos de interesse

Para estas necessidades de capital têm contribuído grandes operações de alienações de blocos de crédito malparado e ativos imobiliários. “As vendas realizadas tutelaram adequadamente o interesse público, desde logo pela desvalorização de que foram alvo com a alienação”?”, questiona ainda o texto conjunto aprovado pela comissão de Orçamento e Finanças, referindo-se aos descontos que foram noticiados, pela diferença entre o preço de venda e o valor a que estavam registados no balanço, mesmo após imparidades.

Outro dos pontos do pedido da auditoria é se há garantias de que a Lone Star não possa estar, direta ou indiretamente, ligada aos compradores dos ativos que causaram perdas ao Novo Banco – algo que o banco e o fundo americano defendem nunca ter acontecido. Aliás, o presidente do banco, António Ramalho, já assumiu que, descobrindo-se alguma coisa desse género, se demitiria.

Na prática, esta solicitação feita ao Tribunal de Contas pretende cobrir estes pontos em específico, mas também tudo o que foi auditado no exercício realizado pela Deloitte (que apontou críticas desfavoráveis sobretudo relativo ao período da presidência de Ricardo Salgado no BES).

Este pedido sobre o que se passa no Novo Banco insere-se num exercício de maior dimensão, uma “auditoria à gestão do passivo e à alienação dos ativos, no que concerne à salvaguarda do interesse público, por parte dos veículos sucedâneos do Banif, BES e Novo Banco”.

António Ramalho, presidente executivo do Novo Banco
tiago miranda

Conclusões podem vir às partes

No texto conjunto – que pretendeu juntar o pedido dos socialistas e dos sociais-democratas –, o Parlamento admite que a auditoria carrega “complexidade”, pelo que a divulgação dos seus resultados pode ser “por etapas”.

A acontecer esse faseamento, o Tribunal de Contas deve “priorizar as questões formuladas, as operações ou os atos realizados até 31/12/2019 que justificaram o recurso ao mecanismo de capital contingente e, ainda, os ocorridos até 31/12/2020 no caso de existirem novas chamadas ao Fundo de Resolução, com o objetivo de, em tempo útil, se poder constituir como um efetivo suporte informativo ao Parlamento”.

Na prática, o objetivo é que possa haver respostas antes da necessidade, em maio, de vir a pôr dinheiro no Novo Banco (os tais 476 milhões previstos no Orçamento do Estado). Além disso, o Parlamento também vai avançar com uma comissão de inquérito aos últimos anos da instituição financeira, que também deveria contar com os resultados desta auditoria do Tribunal de Contas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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