Economia

Negócio de 33 mil milhões coloca Nvidia na liderança mundial dos chips

Será que a compra da Nvidia vai acabar com o bem sucedido negócio da ARM? E será que a ARM vai continuar a vender arquiteturas de chips para as marcas chinesas? Há 160 mil milhões de razões para pensar neste negócio

Fora do circuito tecnológico, quase ninguém conhece a ARM – mas a verdade é que sem os 160 mil milhões de processadores que operam com as arquiteturas desenhadas pela marca britânica telemóveis, televisores, robôs e demais gadgets da atualidade seriam bem diferentes – ou eventualmente não existiriam. E por isso não é de estranhar que uma produtora de processadores gráficos como a Nvidia, se tenha prestado a abrir os cordões à bolsa para investir 40 mil milhões de dólares (cerca de 33 mil milhões de euros) na compra da ARM. As dúvidas incidem sobre o que virá depois: quantas marcas de gadgets vão poder continuar a comprar ARM depois de a ARM ser vendida pelo grupo japonês Softbank aos americanos da Nvidia.

A compra prevê a entrega de 21,5 mil milhões de dólares (cerca de 18,3 mil milhões de euros) em ações e 12 mil milhões de dólares (cerca de 10,1 mil milhões de euros) em dinheiro. A este valor juntam-se ainda cinco mil milhões de dólares que só serão pagos pela Nvidia, caso se concretizem determinadas variáveis financeiras no futuro.

Boa parte da miniaturização e aumento de desempenho dos últimos 15 anos deve-se à valiosa, mas discreta ARM, que se encontra sedeada na cidade de Cambridg, Inglaterra. O estatuto de ilustre desconhecida alcançado pela ARM deve-se ao facto de desenhar chips e processadores para várias marcas, como a Samsung ou a Qualcomm, entre muitas outras - mas não fabricar nenhum desses componentes.

Em 2016, o fundo de investimento da Softbank desencadeou os primeiros rumores de descontentamento e desconfiança pela venda de uma empresa britânica com especial valor estratégico a um fundo de investimento japonês. Passados quatro anos, é a vez de a Softbank aceitar vender a mesma ARM que havia comprado antes, levando o capital da empresa e o poder de decisão para os EUA (a Nvidia tem sede na Califórnia).

Mais uma vez, o cenário geopolítico voltou a ser invocado: a Nvidia garante que vai manter a ARM como uma fornecedora neutral, que tem vendido licenças de arquiteturas de chips às maiores marcas tecnológicas, independentemente, da proveniência, da dimensão ou do segmento em que operam. Mas essa promessa dos executivos da Nvidia não chega para sossegar os ânimos da indústria tecnológica que sabe que a ARM é, sem dúvida, a empresa-chave da evolução tecnológica dos últimos 15 anos.

“Penso que é um absoluto desastre para Cambridge, para o Reino Unido, e para a Europa”, considerou Hermann Hauser, um dos cofundadores da ARM, em declarações reproduzidas pelo The New York Times.

As palavras de Hauser remetem para os receios de que, mais uma vez, a Europa esteja a perder um dos principais centros de decisão – e que o conhecimento e unidades de negócio acabem por ser encaminhados para os EUA, apesar de a Nvidia ter reiterado a intenção de manter a ARM a operar em solo britânico.

A localização da sede pode vir a ter um valor acrescido para o futuro ARM. Caso seja obrigada a migrar para os EUA, não restam dúvidas de que a ARM terá mesmo de alterar as políticas comerciais e bloquear a venda de arquiteturas de chips a empresas chinesas que já foram interditadas (ZTE e Huawei) ou outras que venham a sofrer o mesmo tipo de bloqueio no futuro, por parte das autoridades americanas. Este será um dos fatores que levam a Nvidia a garantir que a sede da ARM se vai manter no Reino Unido, mas isso não chega para sossegar o setor.

Entre os especialistas há quem acredite que, mesmo com a sede no Reino Unido, a ARM passa a ter de respeitar o bloqueio comercial imposto por Washington, por depender de uma empresa americana. E a este fator junta-se outro que eventualmente terá de ser decidido pelas autoridades supervisoras dos EUA, caso haja matéria para tal: a Nvidia tem vindo a crescer no mercado tendo como principal atividade a produção de processadores gráficos, e mais recentemente ferramentas de inteligência artificial, que lhe permitiram chegar a uma capitalização acima dos 300 milhões de dólare.

Na década passada, a AMD comprou a fabricante de processadores gráficos ATI – e acabou por passar de um crónico segundo lugar bastante distante da Intel nos processadores para computadores pessoais para se tornar nos dias de hoje num concorrente que já consegue liderar tecnologicamente alguns segmentos do fabrico de chips para portáteis e computadores de secretária. Será que a Nvidia poderá querer replicar a fórmula de sucesso através de compra da ARM?

A questão permanece em aberto, e só terá resposta quando empresas como a Samsung, a Huawei, a Qualcomm (que é uma das principais fabricantes de chips para telemóveis e gadgets) e muitas outras se começarem a pronunciar sobre as arquiteturas que vão passar a adotar para os seus processadores de ora em diante.

“Uma compra pela Nvidia vai tornar-se prejudicial para a ARM e para o ecossistema” refere Geoff Blaber, vice-presidente da consultora CCS Insights, citado pela Reuters.

As autoridades que supervisionam a concorrência nos EUA e no Reino Unido poderão vir a ter uma palavra a dizer sobre esta matéria nos tempos mais próximos. Caso seja obtida a luz verde para a transação, o futuro da ARM passará em grande parte pelas posições comerciais que, eventualmente, venham a ser assumidas pelos fabricantes de chips e equipamentos eletrónicos, e ainda a evolução do diferendo comercial entre China e EUA. Pelo que o processo de aquisição ainda terá um longo caminho até poder ficar fechado.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: senecahugo@gmail.com

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