Economia

Novo Banco vendeu grande carteira de créditos tóxicos (com perdas de €110 milhões) sem avaliar um dos compradores

Novo Banco vendeu grande carteira de créditos tóxicos (com perdas de €110 milhões) sem avaliar um dos compradores
Pedro Nunes

Auditoria da Deloitte encontra deficiências nas operações de vendas de ativos problemáticos e refere que nem há regulamentos internos

Novo Banco vendeu grande carteira de créditos tóxicos (com perdas de €110 milhões) sem avaliar um dos compradores

Diogo Cavaleiro

Jornalista

O Novo Banco concluiu a venda de uma carteira de créditos problemáticos, designada de projeto Nata, sem acabar a avaliação dos conflitos de interesse e da adequação de uma das entidades compradoras. Aliás, o próprio Fundo de Resolução também validou a operação sem essa análise formalizada. Esta é uma das conclusões avançadas pela Deloitte na auditoria especial à instituição financeira, divulgada com partes truncadas esta terça-feira, 8 de setembro.

O processo Nata foi uma das maiores vendas de crédito malparado realizada pelo Novo Banco. Iniciou-se em maio de 2018 e o banco pretendia vender um total de créditos avaliados em 1,6 mil milhões de euros, mas que, após imparidades, pesavam cerca de 630 milhões.

“O Novo Banco realizou um processo de venda organizado internacional através do qual foram contactados 69 investidores, tendo neste contexto sido recebidas 7 ofertas não vinculativas, das quais foram escolhidos 3 investidores para apresentação de ofertas vinculativas. Após discussões técnicas com os investidores em apreço e ajustamentos ao perímetro entre outubro e dezembro de 2018, foi selecionada a oferta vinculativa apresentada pelo consórcio KKR/ LX Partners, o qual apresentou o preço mais elevado (505,0 milhões de euros)”, assinala o relatório da auditoria interna. Acabou depois por haver alterações do perímetro dos ativos e do preço, sendo que a operação causou perdas de 110 milhões ao banco em 2018.

Na transação, o Novo Banco teve de olhar para os compradores, para verificar se há riscos de branqueamento de capitais e de conflitos de interesse (até porque a entidade tem de assegurar que não vende ativos problemáticos à sua acionista maioritária, a Lone Star). “Na carteira Nata foram realizadas diligências no sentido de obter a identificação dos beneficiários efetivos de cada contraparte, sendo que para uma das contrapartes a sua conclusão ocorreu posteriormente à data de formalização da venda”, resume a auditoria.

Mais especificamente, a Deloitte refere que “não foi obtida evidência da realização de avaliação de uma das contrapartes (enquanto uma das entidades que assinou o contrato de compra e venda) previamente à assinatura do contrato, de forma a concluir acerca de eventuais riscos de branqueamento de capitais e de conflitos de interesse. Foi obtida evidência do início da execução desta análise em dezembro de 2018 e respetiva finalização a 25 de novembro de 2019, tendo o parecer emitido sido favorável”, aponta o relatório. Os pormenores sobre esse parecer estão truncados (há várias páginas e informações do documento de 371 páginas que foram tapadas). O Fundo de Resolução mostrou a sua não oposição ao negócio - onde 85% dos créditos estavam por si protegidos - logo no início de 2019.

Estruturas complexas, sem identificação de investidores

As contrapartes KKR e LX Partners fizeram a compra através de entidades localizadas no Luxemburgo e Irlanda. A americana KKR foi considerada pela Deloitte como tendo uma estrutura complexa, com entidades em várias jurisdições: Delaware, Ilhas Caimão, Guernsey e Canadá). O Novo Banco realizou o caminho para a identificação do beneficário último, só que não encontrou.

A KKR informou que “nenhum investidor dos fundos detinha participação direta ou indireta superior a 25%”. Quando assim acontece, são os membros da administração que ficam identificados como beneficiários últimos, não se ficando a saber quem são os efetivos investidores em nome dos quais são feitos os investimentos.

Nas restantes grandes operações, foram fundos do mesmo género os compradores, não tendo a Deloitte chegado à informação sobre esses investidores. Estes fundos de “private equity” são aqueles que costumam adquirir ativos problemáticos aos bancos europeus e nacionais.

Outros problemas...

A Deloitte menciona também outras vendas de carteiras de ativos problemáticos no período em análise. Numa delas, não foi realizada a avaliação dos compradores; na outra, em 2016, “não foi obtida evidência de diligências realizadas no sentido de identificação dos últimos beneficiários efetivos das entidades contraparte das escrituras de compra e venda dos ativos”.

Na venda de imóveis conhecida como projeto Viriato, a auditora detetou outro problema: a contratação da Alantra como assessora financeira do negócio. O departamento de compliance, que analisa a conformidade das práticas, considerou que havia riscos reputacionais por Ana Rita Barosa, ex-diretora do tempo de Ricardo Salgado, ser sua gestora. O Novo Banco decidiu mesmo assim contratá-la, ainda que através do escritório espanhol (mas o Fundo de Resolução só soube do facto no âmbito da auditoria, como noticiou o Público).

... e falta de regras internas

A auditoria feita por conta da injeção realizada no Novo Banco pelos prejuízos de 2018 concluiu ainda que não havia regras para evitar conflitos de interesse no banco que tinha de assegurar que não há vendas à Lone Star.

"Verificou-se a inexistência de normativos internos para todo o período que regulassem a realização sistemática de uma análise das entidades compradoras que participaram em processos de venda, incluindo vendas agregadas de ativos, de forma a concluir acerca de eventuais conflitos de interesse ou outros constrangimentos à realização das operações", indica o documento.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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