Economia

As seis transformações que estão a mexer com o sector do retalho

As seis transformações que estão a mexer com o sector do retalho
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Projetos Expresso. O sector do retalho já estava a sofrer transformações profundas, mas a pandemia de Covid-19 veio acelerá-las e pôr à prova todos os seus intervenientes. O Expresso, a SIC e a consultora Accenture juntaram-se para debater este e outros temas que estão a afectar o sector e amanhã, a partir das 17h, transmite na página de Facebook do Expresso, a primeira parte do CEO Retail Forum. Sábado, a SIC emite a segunda parte

As seis transformações que estão a mexer com o sector do retalho

Ana Baptista

Jornalista

1. Compras online a crescer

O crescimento das compras online já era uma realidade muito evidente antes do aparecimento do Covid-19. Por exemplo, de acordo com um estudo dos CTT divulgado no final do ano passado, a percentagem de portugueses que fez compras online cresceu de 10% para 46% em 2018. Um aumento onde se incluem as compras de bens e também as entregas de refeições ao domicílio. Contudo, a pandemia veio acelerar ainda mais este processo.

“As regras de distanciamento social e o confinamento alteraram os padrões de compra. Segundo um dos últimos estudos da Accenture, um em cada cinco inquiridos referiu que a sua compra mais recente foi feita online. Ao dia de hoje, cerca de 32% do consumo é feito através dos canais digitais, uma realidade que se espera que ultrapasse os 37% muito em breve”, diz ao Expresso a vice-presidente da Accenture Portugal, Manuela Vaz.

Um crescimento fomentado, em grande parte, por consumidores que nunca tinham feito compras online ou que apenas tinham usado esse canal poucas vezes. Por exemplo, de acordo com um outro estudo da Accenture realizado entre 17 e 27 de abril, a percentagem de bens alimentares comprada online por este tipo de consumidores cresceu de 5% para 14%. Já na compra de refeições o aumento foi de 8% para 18%, na compra de medicamentos foi de 3% para 11% e na decoração e ferramentas para obras em casa foi de 6% para 14%.

“Para os retalhistas, a grande questão que neste momento se coloca tem a ver com a persistência deste comportamento no longo prazo. É natural que a conveniência associada à utilização dos diferentes canais digitais seja valorizada e que as pessoas se acostumem à presença destas novas soluções tecnológicas e intuitivas no seu dia-a-dia”, nota Manuela Vaz.

Aliás, de acordo com o mesmo estudo da Accenture, num futuro próximo, estima-se que o crescimento das compras online realizadas por este tipo de consumidores chegue mesmo aos 160%.

2. Armazéns mais próximos das cidades

O aumento do consumo online está a ter - e terá ainda mais no futuro - consequências nas operações das empresas, nomeadamente ao nível da logística e do abastecimento. Isto porque, atualmente, grande parte destas compras são de produtos de conveniência ou de consumo imediato e têm de estar disponíveis e ser entregues com rapidez. Além disso, são também produtos que antes não eram comprados online e cujo transporte pode não ser tão imediato. Segundo Manuela Vaz, durante o confinamento, “três em cada quatro empresas do setor relataram interrupções na cadeia de abastecimento devido a restrições ao nível dos transportes, e seis em cada dez sofreram atrasos nos pedidos provenientes de mercados como a China”.

Não é, por isso, de estranhar, que nos últimos três anos tenha crescido a procura por armazéns e plataformas logísticas mais próximas das cidades, precisamente para dar resposta à entrega rápida e aos constrangimentos no transporte. O problema, segundo relatam estudos de várias consultoras imobiliárias, é não haver muitos espaços desses disponíveis para aluguer ou compra. Os mesmos estudos apontam, contudo, que há mais interessados em investir neste tipo de armazéns e plataformas, prevendo-se que surjam novos espaços em breve. “O apetite pela aquisição de escritórios e residências de estudantes continua em alta, mas as classes que registam um maior aumento da procura são logística, residencial de rendimento e o setor da saúde”, nota um inquérito que a consultora Cushman & Wakefield realizou a mais de 50 investidores durante o período de confinamento.

Mas, para uma solução mais imediata, existe a possibilidade dos retalhistas procurarem parceiros na cadeia de abastecimento. “Estas parcerias devem primar pela flexibilidade e rapidez, apoiando, sempre que possível, a produção nacional, não só por evitarem risco de constrangimentos adicionais no transporte mas por promoverem, sempre que possível, a economia nos seus países”, diz a vice-presidente da Accenture Portugal.

3. Recorrer às novas tecnologias

O recurso à inteligência artificial e a sistemas de análise de dados ajudam a antecipar os interesses e hábitos dos consumidores, a prever ineficiências e interrupções nas cadeias de abastecimento e ainda a ajustar a produção à medida das necessidades, tanto ao nível do tipo de produto como das quantidades. Desta forma, repara o mesmo estudo da Accenture, os retalhistas poderão reduzir os desperdícios, de dinheiro e de materiais, contribuindo assim para a sua sustentabilidade financeira e ambiental.

Atualmente, pode ler-se ainda no documento, são já várias as empresas a recorrer a este tipo de sistemas e a soluções como a impressão em 3D - para responder à segmentação da procura -, ou ao uso de embalagens recicladas ou mesmo comestíveis - para reduzir a produção de lixo. Há também métodos de pagamento e de entrega a ganhar terreno, como o MB Way ou a recolha em supermercados.

Contudo, a pandemia de Covid-19 veio mostrar que há uma grande fatia de retalhistas que ainda não recorreu a este tipo de soluções. “Assim que a pandemia passar, alguns retalhistas terão de recuperar a sua presença e relação com alguns segmentos, o que passará pela consideração de plataformas digitais como impulsionadoras do crescimento no setor do retalho. Este facto, que já era uma realidade antes da Covid-19, está a ser agora acelerado a um nível que poucos poderiam ter previsto. A adaptação a esta nova era ultra digital é um imperativo a que nenhum retalhista pode ficar indiferente”, nota Manuela Vaz.

4. Ascensão do ‘consumidor ético’

A sustentabilidade e a redução dos desperdícios não são uma preocupação apenas para as empresas. “A ascensão do ‘consumidor ético’” já era uma realidade, mas a pandemia veio exacerbar esse facto. De acordo com a vice-presidente da Accenture Portugal é “visível uma alteração das escolhas dos consumidores, que assumem

agora um perfil mais consciente, algo que se prevê que se mantenha no longo-prazo”. Até porque, acrescenta ainda a mesma responsável, 64% dos inquiridos num estudo recente da Accenture “indicou estar mais preocupada com a limitação do desperdício alimentar e 50% dos inquiridos afirmaram comprar alimentos com maior consciência da sua saúde”.

4. Procura por lojas de bairro e produtos locais

Os hábitos dos consumidores já estava a mudar e, como já referimos várias vezes, alterou-se ainda mais com a pandemia. Não só porque começaram a passar mais tempo em casa, tanto em trabalho como em lazer, porque foram obrigados ao distanciamento social e ainda porque muitas famílias perderam parte dos seus rendimentos.

Em consequência, aumentaram as compras de produtos de bricolage e de decoração para a casa - este maioritariamente online porque as lojas estavam encerradas - mas também de bens alimentares para cozinhar em casa e de refeições já preparadas. Aliás, durante o confinamento, plataformas como a Uber Eats ou a Glovo viram a sua oferta de restaurantes crescer exponencialmente.

Cresceu também a procura por produtos locais - para ajudar a economia nacional - e das pequenas lojas de bairro ou de proximidade. Uma tendência que as consultoras antecipam que não irá desaparecer quando a pandemia passar.

5. Reconfiguração das lojas físicas

Antes da pandemia os retalhistas já tinham começado a encerrar ou a alterar a localização de alguns dos seus espaços físicos, mas também a remodelá-los, criando lojas mais amplas ou com acesso a experiências que não estavam disponíveis online, permitindo, assim, que os consumidores pudessem recorrer tanto ao online como às lojas físicas.

Agora, com a pandemia, esta realidade terá ser ainda mais analisada pelos retalhistas. Um estudo recente da consultora imobiliária CBRE, com previsões para os próximos 10 anos, nota que o sector do retalho será “alvo de uma verdadeira revolução pautada pela convergência entre o comércio online e redefinição do significado da palavra loja”.

A isto juntam-se também as novas regras de segurança e higiene por causa da Covid-19 que obrigam à colocação de avisos, sinais, marcações no chão ou outras sinaléticas.

6. Novos tipos de empregos

O crescimento das compras online traz a necessidade de recorrer mais às tecnologias e a sistemas de redes de fornecimento e de transportes, soluções que requerem profissionais com outro tipo de competências e que permitem o maior recurso ao trabalho remoto ou através de casa. Uma tendência que disparou com a pandemia.

Contudo, isto não significa que as lojas físicas vão todas fechar e que quem lá trabalha vai perder o emprego. Aliás, durante o confinamento, o setor do retalho - principalmente o alimentar - foi dos mais mostrou a sua importância e relevância na sociedade e na economia. Não só online, mas também fisicamente, porque foram estas lojas que se mantiveram abertas durante o período mais crítico.

“O retalho conta com uma percentagem importante da sua força de trabalho que trabalha, por exemplo, em lojas e entrepostos onde é exigida a presença física, no entanto, conta também com um número muito significativo de colaboradores que, à semelhança de outras indústrias, pode trabalhar remotamente”, diz Manuela Vaz. Ou seja, “A transformação digital deve ser uma aposta complementar ao setor, o que não se correlaciona diretamente com a diminuição de postos de trabalho”, remata.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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