Retoma em câmara lenta

Projetos Expresso. Crise Economia é a face visível e sustentabilidade será um dos pilares da recuperação
Projetos Expresso. Crise Economia é a face visível e sustentabilidade será um dos pilares da recuperação
Textos: Fátima Ferrão; Iustrações: Xolitos
Comparativamente com a crise que teve início em 2008, o embate da pandemia foi muito mais forte e imediato, o que leva os economistas a acreditar que a recuperação acontecerá também num período mais curto. Ainda assim, a expectativa aponta para uma recuperação ‘em V alongado’, com a curva final a acontecer num período mais alargado, como referiu ao Expresso Pedro Lino, CEO da Optimize, empresa que atua na área da gestão de investimentos. O economista João Duque espera que o Executivo consiga implementar medidas eficazes que ajudem a melhorar o clima económico já no próximo ano. “É verdade que o Governo já anunciou medidas, mas do anúncio à implementação há sempre demora...”, salienta. Estimular uma ligação forte das pessoas às empresas e dar uma resposta rápida para manter a sua capacidade produtiva são algumas das medidas sugeridas pelo economista.
Joaquim Miranda Sarmento, professor no ISEG, partilha de opinião semelhante, mas acrescenta que “a solução europeia será crítica e decisiva numa recuperação menos lenta”. No entanto, refere, há muita coisa a ser feita a nível nacional, que pode ser iniciada no imediato, e que não depende da resposta europeia. Medidas na redução dos custos de contexto, na melhoria do sistema fiscal, na capitalização das empresas, nos mecanismos que permitam aumentar a escala e dimensão das empresas nacionais, ou na melhoria do capital humano, são alguns exemplos. “As crises devem servir para refletir nos estrangulamentos e fragilidades da economia portuguesa e para atuar sobre esses pontos.”
Apesar da opinião unânime entre os economistas, contactados pelo Expresso, de que a recuperação desta crise tem que ser feita olhando primeiro para dentro, o país não pode deixar de estar atento às oportunidades que chegam de fora. Joaquim Miranda Sarmento aponta a reindustrialização europeia e norte-americana como uma potencial oportunidade para o país, que pode conseguir atrair unidades fabris para o território, apostando na mão de obra especializada e na qualidade de fabrico. Ricardo Pais Mamede concorda com este exemplo e refere também o potencial aumento da capacidade agro- -industrial nacional, que, diversificando o fornecimento de matérias-primas, estará menos dependente de países mais distantes. Já João Duque acredita que é possível capitalizar eventos como a Web Summit para atrair negócio. “Mas não podemos esperar que os empresários venham para Portugal como vieram os turistas”, alerta. Antes disso é necessário criar infraestruturas, reduzir a carga fiscal, “mas com moderação”, apostar na celeridade da resolução de litígios, na educação das pessoas, na flexibilidade e na qualificação.
Dizem os especialistas que em todas as crises há oportunidades e, acreditam os economistas portugueses, esta não será diferente. No entanto, não é fácil ver o copo meio cheio quando, em três meses, o país conta já com mais de um milhão de trabalhadores em lay-off e milhares de novos desempregados. A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, revelava no início de abril, que o número de inscritos nos Centros de Emprego aumentou 8,9%, entre fevereiro e março, refletindo já a paragem forçada a que o país se viu obrigado a partir da segunda quinzena de março. A estes números acresce o facto de muitos desempregados não estarem registados nos Centros de Emprego e de não terem direito a qualquer prestação social. Francisco Madelino, ex-presidente do IEFP, assumia, em entrevista recente ao Expresso, esta mesma realidade, estimando que existam pelo menos mais 50% de pessoas sem emprego em relação aos números oficiais. “Estamos perante o colapso do emprego, de milhares de pessoas a perder rendimentos”, reforça Ricardo Pais Mamede, professor no ISCTE, que acrescenta: “Nesta crise, o desemprego atingiu imediatamente as camadas mais vulneráveis da população, e provocou um aumento muito grande das desigualdades sociais e da pobreza.”
Sustentabilidade é pilar estratégico da recuperação
Através de novos impostos, a chamada fiscalidade verde, a sustentabilidade pode ajudar na recuperação da economia. Não de forma direta, uma vez que este tipo de impostos nunca terão grande peso nas receitas do Estado, mas com um impacto indireto através da eficiência ambiental e da utilização de energias renováveis em maior escala. Estas mudanças no comportamento de empresas e da sociedade em geral contribuem para um conjunto de poupanças e de redução de custos que ajudam a economia. “É preciso reconhecer que ambiente e economia vivem em conjunto”, disse ao Expresso Carlos Lobo, partner da consultora EY. Para o também professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, “o problema ambiental é um problema económico e vice-versa, pelo que para garantirmos um crescimento económico virtuoso temos que cumprir as metas ambientais”, acrescenta.
Na opinião de Carlos Lobo, Portugal tem tido boas práticas fiscais, com grande intensidade de impostos ambientais, reconhecidas ao nível da OCDE. Como exemplo, aponta os impostos sobre os combustíveis, pelo custo da tributação ao petróleo. “Fazer pagar o custo ambiental na lógica privada é a função número um do Estado, e Portugal tem feito um esforço nisso. Mas há ainda muito por fazer.”
A continuação da aposta no turismo sustentável — uma estratégia pré- -covid — é também, na opinião de Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, uma medida fundamental para a recuperação da economia. Este sector, que foi um dos grandes motores económicos nacionais nos últimos quatro anos, período que contou com um crescimento de mais de 60% nas receitas do país, é também um dos mais afetados pela pandemia. Contudo, o responsável pelo Turismo acredita que a estratégia alicerçada na sustentabilidade é muito positiva e para continuar a implementar agora, “mais do que nunca”. Mas, reforça, “há lições a retirar deste período, a que temos que estar atentos para agir em conformidade”. Gestão de resíduos e gestão eficiente de águas e energia são algumas das medidas essenciais para garantir que o turismo é sustentável e economicamente rentável.
Economia e Sustentabilidade foram os temas em debate nas duas primeiras conferências, de um conjunto de oito, do ciclo “Parar para Pensar”, projeto que junta o Expresso e a DECO Proteste. As conversas, com a duração de cerca de uma hora, decorreram em direto no Facebook do Expresso e contaram com a moderação da jornalista da SIC Notícias, Marta Atalaya. Para debater cada um dos temas, o Expresso reuniu um painel de convidados, especialistas nas suas áreas de intervenção, que partilharam experiências e opiniões. O tema da Economia contou com João Duque, economista e professor no ISEG, Joaquim Miranda Sarmento, professor no ISEG, Ricardo Pais Mamede, professor no ISCTE, e Pedro Lino, CEO da Optimize. Para conversar sobre sustentabilidade estiveram Ana Isabel Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, Carlos Lobo, professor na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, Rita Rodrigues, responsável pelas relações institucionais da DECO Proteste, e Vanessa Romeu, diretora de comunicação corporativa do Lidl.
Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de junho de 2020
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