Os alarmes soaram quando o santuário foi informado, na sexta-feira, 19 de junho, que havia um caso de infeção entre os seus colaboradores, levando à decisão de realizar no sábado 244 testes a nível interno, dos quais resultou a identificação de 16 casos positivos, todos de pessoas integrando o coro, além de 228 casos negativos.
O santuário de Fátima decidiu completar esta segunda-feira o rastreio total aos seus funcionários, que totalizam cerca de 350, além de testar todos os elementos externos que atuam no seu coro. Estava prevista para esta segunda-feira a realização de cerca de 70 testes, mas este contingente será mais alargado, estendendo-se a mais de uma centena, devido ao número variável de voluntários que atuam no coro.
O coro de Fátima inclui várias dezenas de pessoas, "mas não regressaram todos depois do desconfinamento, ou porque são de grupos de risco, ou por outras razões. Desde que as celebrações foram interrompidas, em março, nunca mais estiveram todos juntos, e sem ultrapassar um grupo com menos de metade", explica Carmo Rodeia, diretora do departamento de comunicação do santuário de Fátima.
As 16 pessoas do coro de Fátima que testaram positivo à Covid-19 estão a ser tratadas nas suas casas, não apresentam sintomas, foram de imediato isoladas e "não estiveram em contacto direto com os peregrinos", segundo frisa a administração do santuário.
Projetar a voz é como espirrar ou tossir: os perigos de cantar em coro
O facto de a totalidade dos infetados apurados no santuário de Fátima pertencer ao coro levanta de novo a questão dos riscos associados a cantar em grupo, tendo em conta o ambiente de pandemia que se vive. Segundo especialistas já contactados pelo Expresso, na atual situação epidemiológica que causa a doença respiratória, cantar a projetar a voz com pessoas próximas é tão perigoso como tossir ou espirrar para cima delas, uma vez que é uma ação libertadora de gotículas respiratórias, que não são visíveis a olho nu.
"Ao cantar, uma pessoa vai estar a libertar não só aerossóis, mas também gotículas, que vão poder cair na pessoa que está em frente. As pessoas que estão à volta estão a apanhar com um chuveiro, mesmo que não se apercebam", explicou ao Expresso Raquel Duarte, ex-secretária de Estado da Saúde e pneumologista do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
Cantar em coro, por natureza, dificilmente se coaduna com as regras de distanciamento social que estão a ser aconselhadas, o que representa um ambiente de alto risco de contaminação para o grupo, se houver pelo menos uma pessoa infetada, avançou ainda a especialista em pneumologia. Com o cancelamento das celebrações com público a 13 de maio, as cerca de 70 pessoas que iriam cantar no coro de Fátima ficaram reduzidas a 10, e com distância de dois metros entre si. Mas, ainda assim, projetar a voz aumenta a força e velocidade com que o ar é expelido, levando a que partículas contaminadas se propaguem a uma distância superior e potenciando "o risco de contágio para indivíduos que se encontrem mais afastados", conforme frisou o epidemiologista Celso Cunha, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.
Muitas missas em Fátima já são ao ar livre, e há recomendações sonoras em sete línguas a cada 15 minutos
O santuário de Fátima garante a fazer "um acompanhamento rigoroso e permanente da situação" dos infetados que foram descobertos a partir dos testes realizados, e que "logo que soube da existência do primeiro caso positivo, que está na origem da primeira cadeia de transmissão, acionou de imediato o seu Plano de Contingência, em articulação com a autoridade de saúde". E também frisa que tem apelado "a todos, colaboradores e peregrinos, para que mantenham o cumprimento integral das regras de distanciamento social, bem como o uso de máscara, sempre que estiverem em espaços fechados e com muita gente".
Após ter sido suspensa, a 13 de maio, a celebração anual da aparição de Nossa Senhora em Fátima com a assistência de peregrinos, o santuário voltou a ter celebrações religiosas a 30 de maio, na sequência da autorização destas atividades a nível nacional. Desde então, a principal celebração que recebeu foi a 12 e 13 de junho, o que constituiu a primeira grande peregrinação internacional aniversária, num calendário que se estende de maio a outubro.
"Quando regressaram, a 30 de maio, as celebrações passaram a ser feitas em sítios diferentes", salienta a responsável de comunicação do santuário de Fátima, lembrando que, para garantir um ambiente de maior segurança aos peregrinos, seis das sete missas diárias que se realizam de segunda-feira a sexta passaram a ser feitas na Basílica da Santíssima Trindade, o maior e mais recente espaço.
"Esta basílica permite 10 mil lugares, mas perante as novas regras de distanciamento social ficou com um terço da lotação", refere Carmo Rodeia, enfatizando que também as três missas que habitualmente recebiam mais peregrinos (ao sábado às 11h, e ao domingo às 11h e às 15h), passaram a ser realizadas no santuário em recinto aberto. "As missas que têm mais gente deixaram de se fazer em recinto fechado", faz notar.
Continua a realizar-se uma missa diária na Capelinha das Aparições, "que ficou com a capacidade limitada a 90 lugares, quando anteriormente tinha 300", salienta ainda a responsável de comunicação do santuário, chamando a atenção para o facto de haver "indicações de sinalética, para entradas e saídas, que as pessoas têm respeitado", além de se enfatizarem regras de distanciamento social de dois metros, ou o uso de máscara obrigatório em espaços fechados.
"A verdade é que as pessoas usam permanentemente máscara, mesmo em recinto aberto", afirma Carmo Rodeia, salientando que além das recomendações sanitárias divulgadas em 'mupis' no exterior, também são feitos "avisos sonoros em todos os espaços do santuário, de 15 em 15 minutos e em sete línguas, pedindo aos peregrinos para manterem as regras de distanciamento social, uso de máscara, lavagem de mãos, etc.".
Hotéis de Fátima dizem que o panorama "é assustador"
Apesar de terem caráter internacional, as celebrações que decorreram em Fátima a 12 e 13 de junho não trouxeram clientes externos aos hotéis, que referem estar em situação aflitiva devido à paragem da atividade com a pandemia, o que está a ser agravado com uma nova vaga de cancelamentos a partir de julho, devido ao recente aumento de casos em Portugal.
"Estamos a ter uma segunda vaga de cancelamentos. Tínhamos, por exemplo, uma operação da Polónia agendada para meados de julho que envolvia a venda de centenas de noites em quartos de hotel. As pessoas desistiram porque se assustaram com o número de casos que está a haver em Portugal, e já não querem vir", adianta Alexandre Marto, presidente do grupo Fátima Hotels.
"A Suécia e Portugal estão no topo dos países com mais novos casos, é isto que ressalta para o exterior e assusta as pessoas - que no geral não leem o que se diz em letras mais pequenas, que Portugal faz mais testes que ninguém", nota Alexandre Marto, salientando que "para o turismo em Fátima, e não só", está a ser "muito difícil" gerir a situação de Portugal ter o número de casos a subir em resultado de rastreios que estão a ser feitos à população. "Ainda há alguns que vão pelo discurso da retoma, mas não, não está tudo bem, o panorama é assustador", sublinha.
"O mais grave é que a entrada de portugueses já está a ser recusada por alguns países, o que pode trazer também ao país limitações na retoma dos voos para o exterior", adverte ainda o responsável do grupo hoteleiro de Fátima, lembrando que a "a esmagadora maioria das pessoas que ficam em Fátima não são portugueses" e que se perfila para o turismo da região tempos muito difíceis, a manterem-se os níveis altos de novos casos de Covid-19 em Portugal.