O novo coronavírus de Wuhan já provocou nas bolsas mais do dobro de perdas, em termos percentuais, do que o anterior surto de coronavírus, a SARS de 2003.
Em 27 sessões, desde o pico a 12 de fevereiro, o índice mundial MSCI caiu 31,6%. No caso do índice S&P 500 de Wall Street, um dos mais importantes do mundo que pode servir de bitola, a queda naquele período foi de 32% face a 14% nas 39 sessões que durou a derrocada financeira provocada pela anterior SARS.
Comparando com o impacto do primeiro choque petrolífero em outubro de 1973, que infligiu uma queda de 17% no S&P 500 durante um período idêntico de 27 sessões de bolsa, a atual Covid-19 já está a bater recordes.
Na bolsa de Lisboa, a COVID-19 já provocou uma derrocada de 31% desde 12 de fevereiro.
Apesar de ganhos na sexta-feira nas praças da Ásia e da Europa, as perdas semanais foram de 12% à escala mundial e de 21% na América Latina e 15% em Nova Iorque, onde estão as duas mais importantes bolsas do mundo.
Esta semana, a Europa foi menos penalizada, com perdas de 5% apenas. Em Lisboa, o PSI 20 recuou 4,4%.
Em Nova Iorque registou-se a segunda maior queda diária do mês na segunda-feira-negra, com o índice MSCI a cair 9,1%. A pior do mês deu-se a 12 de março, a quinta-feira negra, em que aquele índice perdeu 9,5%. Trambolhões com esta profundidade já não se registavam desde o supercrash de 19 de outubro de 1987 e dos dois dias mais negros de outubro de 1929 durante a Grande Depressão.
BCE adianta-se com superenvelope de compras
O contraste entre as duas margens do Atlântico acentuou-se na sexta-feira.
O megaenvelope de 750 mil milhões de euros do QE (acrónimo para a designação corrente dos programas de estímulos de aquisição de ativos) especial do Banco Central Europeu (BCE) e a suspensão temporária das regras de ouro de consolidação orçamental na zona euro – teto do défice em relação ao PIB e meta de médio prazo na correção das contas - por parte da Comissão Europeia animaram as praças europeias na quinta e sexta-feira.
Depois da hesitação do BCE na reunião de 12 de março e da aparente falta de compreensão da dimensão e profundidade da crise que estava a desenvolver-se no mercado da dívida soberana – espelhada na gaffe de Christine Lagarde sobre o disparo do prémio de risco italiano -, o banco do euro corrigiu o tiro. Na Europa o choque das previsões macroeconómicas abalou os investidores e as instituições. A consultora britânica Oxford Economics aponta para uma quebra de 2,2% em 2020 na zona euro e os economistas do Commerzbank alemão falam de uma recessão de 4%, próxima da registada em 2009.
Mas, em Nova Iorque, prosseguiu a derrocada, com uma quebra de 4% dos índices na última sessão da semana.
Apesar da Reserva Federal norte-americana ter reanimado o QE apontando para uma quarta edição que começa com 700 mil milhões de dólares (€648 mil milhões, menos do que o envelope especial de Christine Lagarde), o Congresso ainda não aprovou o superpacote prometido por Trump para uma “terceira fase” de ataque ao coronavírus que aponta para 1 bilião de dólares (€925 mil milhões). O Senado tinha-se imposto uma hora limite no final de sexta-feira para chegar a um compromisso, mas isso não sucedeu.
O ‘sentimento’ nos EUA afundou-se com o Goldman Sachs a prever uma contração de 24% no segundo trimestre deste ano.
No mercado petrolífero, o choque na procura provocado pelo coronavírus e a guerra de preços entre Riade e Moscovo já provocaram uma quebra de 59% na cotação do barril de Brent desde o início do ano.
Esta semana, o preço do ouro negro caiu para 27,38 dólares, um mínimo de 17 anos. Durante a semana, a cotação caiu 19%.
BCE trava especulação no mercado da dívida
A aprovação do envelope especial de 750 mil milhões e a declaração de Lagarde de que a ação do BCE “não tem limites” fizeram recuar o disparo nas yields dos títulos no mercado secundário e nos prémios de risco.
No caso das obrigações portuguesas a 10 anos, depois de um pico até 1,6% a 18 de março – antes da reunião de emergência do BCE naquela noite -, as taxas desceram no fecho da semana para 0,9%. Ainda assim muito acima de um mínimo de 0,15% registado em fevereiro. Recorde-se que o Tesouro pagou 0,426% pela colocação de 500 milhões de euros a 11 de março antes da reunião do BCE daquela semana.
A crise do coronavírus, a guerra de preços no ouro negro entre Riade e Moscovo, e as hesitações iniciais do BCE provocaram o que os analistas financeiros designam por “deslocações de mercado” preocupantes, não só na zona euro, com a subida das yields e dos prémios de risco nomeadamente nos periféricos e na Áustria, mas também em todo o mercado de seguros contra o risco de incumprimento das dívidas públicas.
O preço dos credit defauls swaps (cds) a 5 anos – os derivados financeiros que seguram contra o risco de incumprimento – disparou tanto em economias desenvolvidas pertences ao euro como nas economias emergentes mais sensíveis ao choque petrolífero inverso em curso (quebra de preços) e à contração no comércio internacional de matérias-primas devido aos efeitos recessivos do coronavírus.
O disparo no custo dos cds foi superior a 200% em 13 países nos últimos trinta dias. Portugal encontra-se entre as cinco subidas acima de 300%, situando-se em quinto lugar nesse clube, com um disparo de 304% no custo dos cds, depois da Colômbia (408%), Rússia (389%), Malásia (368%) e Indonésia (323%).
As economias emergentes são, de novo, um grupo de risco. Segundo um levantamento do Institute of International Finance (IIF), o lobi mundial da banca privada, desde final de fevereiro, o prémio de risco disparou mais de 1 ponto percentual para África do Sul, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia. A subida do custo de financiamento da dívida é crítica para os emergentes com dívida em dólares, que fixou um recorde chegando a 5,8 biliões de dólares (€5,4 biliões), segundo o IIF.