Economia

"Não há ruturas nos supermercados. E não razão para alarme", dizem as empresas de distribuição

"Não há ruturas nos supermercados. E não razão para alarme", dizem as empresas de distribuição
tiago miranda

Fluxo anormal de clientes nos supermercados esvazia algumas prateleiras devidos aos receios quanto à epidemia de coronavírus. Secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição diz que esse afluxo obriga a maior rapidez nas operações logísticas mas que está tudo sob controlo.

Margarida Mota

Jornalista

"Não há ruturas nos supermercados. E não razão para alarme", dizem as empresas de distribuição

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

O diretor geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) disse esta quarta-feira que o maior afluxo de pessoas aos super e hipermercados em Portugal nos últimos dois dias não está a levar à rutura de stocks e que o sector da distribuição está a funcionar, apesar de tudo, com normalidade.

Em declarações ao Expresso, Gonçalo Lobo Xavier diz, no entanto, que este "maior afluxo tem levado a que as operações logísticas tenham de ser mais rápidas", o que nem sempre tem sido possível.

"No caso de alguns produtos, como os frescos, as conservas ou os enlatados, a reposição não está a ser feita com a celeridade que a procura está a solicitar, mas não há qualquer rutura", garante.

Este responsável apela à prudência para evitar que se criem alarmismos que levem a uma corrida às lojas. Isto num ambiente mediático fortemente dominado pela epidemia de coronavírus.

"Não há nenhum motivo para alarme. As pessoas precisam de manter a calma", acrescentou. "Não vai haver paragens de fornecimentos de produtos, as fábricas continuam a produzir os produtos, os transportes não vão parar, nem a logística. Há produtos em stock, muitos são de produção nacional", diz Gonçalo Lobo Xavier.

A hipótese de racionamento não se coloca, diz. Por outro lado, as cadeias de distribuição têm passado vídeos nas lojas explicando a doença e apelando à contenção.

O diretor geral da APED refere ainda que se tem verificado um crescimento das compras pela internet no retalho alimentar e que essa "subida acentuada" leva a uma dificuldade acrescida para cumprir os prazos de entrega. "Isso leva a que em vez de 24 horas, por exemplo, se possa fazer as entregas um pouco para lá desse prazo".

E quanto às fotos de prateleiras vazias que têm proliferado nas redes sociais, garante que "é fácil tirar fotos dessas ao longo do ano. Basta, por exemplo, que haja grandes promoções, isso leva a que muitas vezes esses produtos em promoção sejam vendidos rapidamente".

Afastar a "sensação de escassez"

"É fundamental que os consumidores nao sintam sensação de escassez e é preciso que possam fazer as suas compras com naturalidade", comenta, por seu lado, Pedro Pimentel, diretor-geral da CentroMarca, lançando ao mesmo tempo um apelo "às compras racionais para não andarmos, daqui a uns anos, a consumir coisas que compramos agora por excesso sem qualquer necessidade".

A regra é manter os hábitos naturais de consumo. "Se assim for, tudo continuará a correr normalmente", garante o responsável da Associação Portuguesa de Produtos de Marca que ainda esta quarta-feira teve uma reunião com fornecedores e confirmou "haver capacidade total de resposta ao mercado", com atenção especial aos produtos essenciais.

"Desta vez, o quadro não tem qualquer relação com o que se passou com a greve dos motoristas de matérias perigosas e há todas as condições para os produtos chegarem ao sítio e às prateleiras dos supermercados", sublinha, recordando que na produção, na cadeia de fornecedores e nos transportes tudo decorre normalmente".

Assim, antes de correr ao supermercado e meter alguma coisa no carrinho, "será bom pensar primeiro se realmente precisa do produto", diz. E acrescenta:"Algumas falhas nas prateleiras dos supermercados neste momento significa apenas que a procura fugiu ao seu padrão habitual e as cadeias de distribuição não estavam preparadas para uma resposta imediata, mas na verdade somos os mesmos consumidores de sempre a consumir as mesmas coisas de sempre e tudo sempre correu bem, pelo que não há qualquer razão para preocupações adicionais", garante.

A resposta a dar, do lado da distribuição, passa, agora, por ter stocks adicionais nos supermercados de forma a facilitar reposições e os fornecedores já estão a receber indicações nesse sentido, explica. Aliás, na lógica da psicologia do consumo, é fundamental as prateleiras estarem cheias para as pessoas não sentirem o impulso de comprar um artigo sem necessidade. A explicação é simples: "Se um consumidor vir uma prateleira com 3 ou 4 artigos, pode ter tendência a achar que vai faltar e pegar neles mesmo sem precisar, mas se a prateleira estiver cheia, passa ao lado de forma despreocupada", comenta. Assim, é até expectável que nos próximos dias as prateleiras dos supermercados venham a dar mais espaço a alguns artigos que estão a ser mais procurados", acrescenta.

"Parece tudo louco"

Os supermercados e hipermercados portugueses têm estado a ter esta quarta-feira um fluxo anormal de clientes, que está a provocar prateleiras vazias em alguns produtos, nomeadamente nas conservas e no papel higiénico. Uma ronda feita esta manhã e princípio da tarde por lojas da grande distribuição da grande Lisboa aponta para filas grandes de clientes, com carrinhos de compras mais cheios do que o normal, segundo disseram ao Expresso alguns trabalhadores dessas lojas – e o Expresso pôde testemunhar.

Este aumento do número de clientes tornou-se evidente ao final da tarde de terça-feira, quando as pessoas saíram dos seus locais de trabalho. “Está a haver aqui alguma loucura com o coronavírus”, dizia pelas 20h uma cliente que levava um cesto de compras com à volta de 10 produtos, quando um funcionário destacado para o efeito tentava organizar as filas.

Não muito longe dali, um casal jovem tinha seis conjuntos de seis pacotes de leite no carrinho e avaliava a hipótese de levar um sétimo. Em vez de 36 pacotes de leite, deveriam levar 42? E na zona das conservas um homem à volta dos 30 anos criticava: “veio tudo atrás das conservas”, ao mesmo tempo que ele próprio se preparava para levar latas de feijão e de atum.

Durante a manhã, no Auchan de Cascais, a afluência não era grande, mas as pessoas que estavam nas caixas confluíam num produto: o papel higiénico. Uma mulher na casa dos 60 anos tinha o carrinho cheio de embalagens de papel higiénico. Um homem entretinha-se, no Continente do Oeiras Parque, a fotografar as prateleiras quase sem conservas de salsichas e feijão. Uma senhora entrou na loja com dois carrinhos de compras na mão.

Ao final do dia de ontem as prateleiras de conservas estavam algo depauperadas. E os produtos praticamente não foram repostos durante a manhã.

No Grande Porto, o cenário era igual. As filas nos supermercados começaram ontem ao final do dia, talvez por as notícias de encerramento de escolas e serviços municipais em diferentes concelhos do país terem começado a multiplicar-se, a par do encerramento de eventos.

O ranking dos artigos mais procurados, visível nos carrinhos de compras e nos buracos deixados nas prateleiras coincide com o de Lisboa, mas a água parece também estar a merecer especial atenção. Em alguns supermercados do Porto, Matosinhos e Gaia a água era dos produtos mais procurados e o Expresso viu carrinhos cheios de garrafões de água. Segue-se o papel higiénico e as conservas, em especial o feijão, mas também o açúcar, fraldas e leite em pó.

Na manhã de hoje e ao princípio da tarde, o movimento continuava a ser superior ao normal, como reconheceram alguns funcionários de diferentes cadeias de distribuição. "Hoje já trabalhei mais do que no Natal", comenta um dos funcionários que estava a fazer reposições num Pingo Doce. "Parece tudo louco", acrescenta antes de garantir que as reposições podem não ser imediatas, por incapacidade da loja, mas estão a ser feitas e nada vai acabar.

Num corredor de outro supermercado da mesma marca, dois funcionários com coletes da plataforma de vendas on line Mercadão com carrinhos de compras meio cheios discutem entre si a dificuldade em satisfazer alguns pedidos relativos a referências específicas de massas e conservas.

A procura nas diferentes insígnias visitadas combina os clientes habituais que passam pela loja para levar meia dúzia de artigos, com algumas pessoas preocupadas em encher os seus carrinhos com conservas, embalagens de papel higiénico,água, bolachas ou cereais, mas frequentemente os buracos nas prateleiras coincidem com promoções e se um item está em falta, há oferta alternativa do mesmo tipo de produto logo ao lado.

Na verdade, a análise dos items mais procurados mostra que não haverá surpresas para as cadeias de distribuição, uma vez que já havia informações sobre o impacto da corrida às compras noutros países, como Espanha, onde um estudo da Nielsen sobre o efeito Covid-19 na última semana de fevereiro dá conta de um crescimento de 8,3% nas vendas de bens de grande consumo face ao ano anterior, com destaque para os produtos embalados com prazo de validade prolongado como o arroz (+44,9%), legumes (+47,1%), massas (+30,9%), conservas (+19,6%), a par de produtos de higiene pessoal como sabão e desinfetantes (119,2%), lenços de papel (16%), água oxigenada (57,3%), álcool (+178,4%), termómetros clínicos (+222,1%) e toalhitas (+32,9%).

Contactadas pelo Expresso, os grupos Sonae MC (Continente), Jerónimo Martins (Pingo Doce) e Auchan remeteram uma resposta para a APED.

A associação fez um ponto de situação ao final da tarde referindo que os seus associados "têm registado um aumento da procura de produtos", mas garantindo que tem sido sempre "assegurada a sua reposição".

A APED referiu também que "este aumento é semelhante ao registado em situações anteriores e compreensível pelas medidas assumidas para controlo da situação e que implicam a permanência dos consumidores nas suas casas".

A associação disse ainda que "evidentemente que com um maior afluxo repentino e aumento da procura em alguns produtos, a logística tem de se adaptar a estas alterações para que a reposição se faça rapidamente de modo a satisfazer as necessidades dos consumidores. Isso está a ser feito e dentro da normalidade".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mmcardoso@expresso.impresa.pt

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