Economia

Consumo de carvão em Portugal cai para mínimo histórico

3 fevereiro 2020 13:46

Miguel Prado

Miguel Prado

Jornalista

Termoelétrica de Sines não poderá continuar a queimar carvão depois de 2023

luís barra

É um dado histórico: desde o final da década de 1980 que Portugal não queimava tão pouco carvão como aconteceu em 2019. A central do Pego, em Abrantes, nunca esteve tantas horas parada como no ano passado. "É um ponto sem retorno", admite Nuno Ribeiro da Silva

3 fevereiro 2020 13:46

Miguel Prado

Miguel Prado

Jornalista

"É um ponto sem retorno", assume o presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva. As estatísticas comprovam que o país está a abandonar, em passo acelerado, o uso do carvão para produzir eletricidade. "A mudança era previsível, mas não de uma forma tão abrupta", comenta o gestor. E os números finais de 2019 são históricos: no ano passado Portugal consumiu apenas 2,09 milhões de toneladas de carvão, o valor mais baixo dos últimos 30 anos, segundo as estatísticas da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) consultadas pelo Expresso.

Só em 2019 o consumo de carvão em Portugal caiu 54%, devido à fraca utilização das centrais termoelétricas de Sines (EDP) e do Pego (Tejo Energia, participada pela Endesa). Assim, o consumo daquela matéria-prima passou de 4,5 milhões de toneladas em 2018 (o que era um valor em linha com a média dos anos anteriores) para os referidos 2,09 milhões de toneladas.

No início de janeiro a REN - Redes Energéticas Nacionais já tinha avançado que em 2019 as centrais a carvão contribuíram para apenas 10% da produção de eletricidade em Portugal. Os dados agora publicados pela DGEG, que consideram os volumes de matéria-prima introduzidos no mercado nacional, não apenas para a produção elétrica mas também para a indústria, confirmam um consumo historicamente baixo.

Ora, no passado recente o mínimo de utilização de carvão tinha sido o ano 2019, com 2,69 milhões de toneladas, mas desde então o consumo voltou a subir. Mais atrás, entre 2000 e 2006, o consumo de carvão esteve sempre acima dos 5 milhões de toneladas anuais.

Olhando ainda mais para trás, os dados da DGEG mostram que em toda a década de 1990 Portugal queimou mais de 3 milhões de toneladas de carvão por ano. É preciso recuar à década de 1980 para encontrar níveis menores de consumo deste combustível: até 1985 Portugal consumia anualmente menos de um milhão de toneladas equivalentes de petróleo em carvão (o equivalente a 1,6 milhões de toneladas de carvão).

Na segunda metade da década de 1980 o consumo disparou, sobretudo com a aceleração da central termoelétrica de Sines, inaugurada em 1984. A central de Sines tornou-se então, e até hoje, a maior unidade de produção de eletricidade do país. No início da década seguinte nasceria no Pego (Abrantes) uma segunda termoelétrica a carvão de referência, promovida por um consórcio internacional, que veio concorrer com a EDP na produção de eletricidade em Portugal.

Mas volvidos mais de 30 anos, tanto a central da EDP (Sines) como a da Tejo Energia (Pego) estão com uma sentença de morte anunciada: o Governo quer encerrar Sines o mais tardar em 2023 e o Pego deverá fechar já em 2021.

O presidente da Endesa confirma que o uso de carvão na central do Pego caiu para níveis nunca vistos. "No Pego, desde o arranque, foi o ano em que a central menos funcionou. Esteve a funcionar em 20% das horas e podia estar acima dos 85%", contextualiza o gestor.

"Foi um ano de muito fraca utilização das centrais a carvão. Em contraponto, a nossa central a gás [a Elecgas, também no Pego] teve em 2019 o ano em que mais funcionou", acrescenta Nuno Ribeiro da Silva, notando que "o gás natural está baratíssimo" e que as centrais a carvão são ainda penalizadas pelo agravamento da taxa de ISP - Imposto sobre produtos petrolíferos, e pelo custo das emissões de dióxido de carbono.

A queda do consumo de carvão no ano passado, para mínimos de três décadas, está ainda a obrigar as empresas que operam as termoelétricas a cancelar compras. "Estamos a anular carregamentos", confidenciou ao Expresso Nuno Ribeiro da Silva, admitindo que no curto prazo o stock acumulado durante o ano passado chega para o que se espera que sejam as necessidades e consumo nos próximos meses.

Nos próximos anos, com o encerramento das centrais a carvão, serão as centrais de ciclo combinado a gás natural a assumir o papel de backup do sistema elétrico, isto é, a garantir que o país consegue produzir a energia de que precisa mesmo quando as fontes renováveis não estão disponíveis (como sucede em períodos de seca, sem produção hídrica, ou dias sem vento).

Mas mesmo o contributo das centrais a gás natural pode não durar para sempre. O recurso a soluções de armazenagem (como barragens com bombagem ou baterias industriais), complementadas por uma maior produção solar fotovoltaica (preenchendo muito do consumo durante o dia) e por inovações como o gás sintético deverão, nas próximas décadas, garantir o abandono dos combustíveis fósseis na produção de eletricidade.