Economia

Consumo de carvão em Portugal cai para mínimo histórico

Termoelétrica de Sines não poderá continuar a queimar carvão depois de 2023
Termoelétrica de Sines não poderá continuar a queimar carvão depois de 2023
Luís Barra

É um dado histórico: desde o final da década de 1980 que Portugal não queimava tão pouco carvão como aconteceu em 2019. A central do Pego, em Abrantes, nunca esteve tantas horas parada como no ano passado. "É um ponto sem retorno", admite Nuno Ribeiro da Silva

Consumo de carvão em Portugal cai para mínimo histórico

Miguel Prado

Editor de Economia

"É um ponto sem retorno", assume o presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva. As estatísticas comprovam que o país está a abandonar, em passo acelerado, o uso do carvão para produzir eletricidade. "A mudança era previsível, mas não de uma forma tão abrupta", comenta o gestor. E os números finais de 2019 são históricos: no ano passado Portugal consumiu apenas 2,09 milhões de toneladas de carvão, o valor mais baixo dos últimos 30 anos, segundo as estatísticas da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) consultadas pelo Expresso.

Só em 2019 o consumo de carvão em Portugal caiu 54%, devido à fraca utilização das centrais termoelétricas de Sines (EDP) e do Pego (Tejo Energia, participada pela Endesa). Assim, o consumo daquela matéria-prima passou de 4,5 milhões de toneladas em 2018 (o que era um valor em linha com a média dos anos anteriores) para os referidos 2,09 milhões de toneladas.

No início de janeiro a REN - Redes Energéticas Nacionais já tinha avançado que em 2019 as centrais a carvão contribuíram para apenas 10% da produção de eletricidade em Portugal. Os dados agora publicados pela DGEG, que consideram os volumes de matéria-prima introduzidos no mercado nacional, não apenas para a produção elétrica mas também para a indústria, confirmam um consumo historicamente baixo.

Ora, no passado recente o mínimo de utilização de carvão tinha sido o ano 2019, com 2,69 milhões de toneladas, mas desde então o consumo voltou a subir. Mais atrás, entre 2000 e 2006, o consumo de carvão esteve sempre acima dos 5 milhões de toneladas anuais.

Olhando ainda mais para trás, os dados da DGEG mostram que em toda a década de 1990 Portugal queimou mais de 3 milhões de toneladas de carvão por ano. É preciso recuar à década de 1980 para encontrar níveis menores de consumo deste combustível: até 1985 Portugal consumia anualmente menos de um milhão de toneladas equivalentes de petróleo em carvão (o equivalente a 1,6 milhões de toneladas de carvão).

Na segunda metade da década de 1980 o consumo disparou, sobretudo com a aceleração da central termoelétrica de Sines, inaugurada em 1984. A central de Sines tornou-se então, e até hoje, a maior unidade de produção de eletricidade do país. No início da década seguinte nasceria no Pego (Abrantes) uma segunda termoelétrica a carvão de referência, promovida por um consórcio internacional, que veio concorrer com a EDP na produção de eletricidade em Portugal.

Mas volvidos mais de 30 anos, tanto a central da EDP (Sines) como a da Tejo Energia (Pego) estão com uma sentença de morte anunciada: o Governo quer encerrar Sines o mais tardar em 2023 e o Pego deverá fechar já em 2021.

O presidente da Endesa confirma que o uso de carvão na central do Pego caiu para níveis nunca vistos. "No Pego, desde o arranque, foi o ano em que a central menos funcionou. Esteve a funcionar em 20% das horas e podia estar acima dos 85%", contextualiza o gestor.

"Foi um ano de muito fraca utilização das centrais a carvão. Em contraponto, a nossa central a gás [a Elecgas, também no Pego] teve em 2019 o ano em que mais funcionou", acrescenta Nuno Ribeiro da Silva, notando que "o gás natural está baratíssimo" e que as centrais a carvão são ainda penalizadas pelo agravamento da taxa de ISP - Imposto sobre produtos petrolíferos, e pelo custo das emissões de dióxido de carbono.

A queda do consumo de carvão no ano passado, para mínimos de três décadas, está ainda a obrigar as empresas que operam as termoelétricas a cancelar compras. "Estamos a anular carregamentos", confidenciou ao Expresso Nuno Ribeiro da Silva, admitindo que no curto prazo o stock acumulado durante o ano passado chega para o que se espera que sejam as necessidades e consumo nos próximos meses.

Nos próximos anos, com o encerramento das centrais a carvão, serão as centrais de ciclo combinado a gás natural a assumir o papel de backup do sistema elétrico, isto é, a garantir que o país consegue produzir a energia de que precisa mesmo quando as fontes renováveis não estão disponíveis (como sucede em períodos de seca, sem produção hídrica, ou dias sem vento).

Mas mesmo o contributo das centrais a gás natural pode não durar para sempre. O recurso a soluções de armazenagem (como barragens com bombagem ou baterias industriais), complementadas por uma maior produção solar fotovoltaica (preenchendo muito do consumo durante o dia) e por inovações como o gás sintético deverão, nas próximas décadas, garantir o abandono dos combustíveis fósseis na produção de eletricidade.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mprado@expresso.impresa.pt

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