O pânico financeiro regressou aos mercados financeiros em janeiro. A ‘culpa’ foi de uma crise sanitária inesperada, um ‘cisne negro’ surgido na China com o coronavírus de Wuhan que se transformou numa emergência global.
O efeito deste choque ressentiu-se nas bolsas de ações que foram invadidas por uma maré vermelha, no mercado da dívida pública onde se agravaram as ‘anomalias’ e nos mercados de matérias-primas, com uma quebra brutal dos fretes marítimos e trambolhões nos preços.
Depois das bolsas à escala mundial terem registado um ganho anual de 29% em 2019, em plena euforia, o índice global bolsista perdeu 1% em janeiro, com uma queda mais marcada de 2,5% na última semana do mês.
Este choque externo estava fora das previsões de riscos geopolíticos e geoeconómicos, que haviam ficado muito mais atenuados depois do acordo de “primeira fase” entre Washington e Pequim que travou a escalada na guerra comercial entre as duas superpotências e após a vitória de Boris Johnson nas eleições britânicas ter garantido um Brexit a 31 de janeiro acordado com Bruxelas.
Bill Bishop, editor da newsletter Sinocism, prevê que, mesmo num cenário otimista, a ‘normalidade’ na economia chinesa e nas suas relações com o mundo não deverá regressar antes de abril. Apesar da Organização Mundial de Saúde ter dado um voto de confiança à China no combate ao coronavírus, o risco de se espalhar um clima de quarentena da própria China por parte de crescente número de países agravará o nervosismo dos mercados.
O contágio dos efeitos negativos na China no primeiro trimestre do ano – onde as províncias e metrópoles em quarentena representam 50% do PIB chinês – poderá alastrar não só aos vizinhos asiáticos como às outras economias mais dependentes do mercado chinês.
Economias emergentes mais fustigadas. Lisboa a contracorrente
O principal impacto negativo registou-se nas bolsas das economias emergentes, cujo índice global caiu 4,7% em janeiro, com destaque para o afundamento dos índices na Hungria, África do Sul, Filipinas, Tailândia, Chile, Brasil e Polónia, com quedas acima de 5%.
Apesar da China estar no epicentro da crise sanitária, as bolsas chinesas caíram menos porque estiveram fechadas desde 23 de janeiro em virtude dos feriados do Ano Novo chinês, tendo sido poupadas ao pânico da última semana de janeiro.
As praças da zona euro recuaram 3,2%, com a bolsa de Viena de Áustria a liderar as quedas, com uma perda de mais de 6%. Lisboa escapou à maré vermelha, registando em janeiro um ganho de 0,73%. Outras pequenas bolsas europeias também registaram subidas, como as dos países Bálticos, Dinamarca, Eslovénia e Finlândia.
Wall Street escapou ao vermelho por uma unha negra
Apesar da última semana de janeiro ter registado quebras de mais de 2% em Wall Street e de 1,8% no Nasdaq (a bolsa das tecnológicas), o índice global para os Estados Unidos conseguiu escapar ao vermelho em janeiro por uma unha negra – subiu 0,07%.
No mercado da dívida pública, os juros dos títulos norte-americanos de muito curto prazo são superiores aos pagos a 10 anos e, na zona euro, a Alemanha e a Holanda voltaram a registar taxas negativas até 25 anos, o que não acontecia desde outubro.
Estas ‘anomalias’ significam que, nos Estados Unidos, os investidores exigem remunerações mais elevadas para comprar dívida a 30 dias e a três e seis meses do que obrigações a 10 anos, e que, no espaço da moeda única europeia, os investidores dispõem-se a ‘pagar’ aos Estados para adquirir títulos, que consideram refúgio, cujos prazos podem ir até 25 anos. Outro sinal da corrida aos valores refúgio foi a subida de 4% do preço do ouro desde início do ano. Nos metais precisos, o paládio registou um disparo no preço de 16% no mesmo período.
Mesmo no caso de Portugal, cuja dívida tem rating de investimento baixo (fora das notações de lixo financeiro, mas de grau médio inferior), os juros negativos no mercado estendem-se agora até ao prazo de 7 anos nas obrigações e as taxas a 10 anos caíram no final do mês para 0,2%, um mínimo desde novembro.
O que isto indicia é que o Tesouro português vai conseguir continuar a financiar-se em mínimos históricos, com o custo da emissão de novos títulos a cair para 1,1% em 2019.
Comércio Internacional em grande agitação
Nos mercados de matérias-primas e de produtos, o choque do coronavírus sentiu-se com grande intensidade em virtude de a China ser o maior exportador (à frente da Alemanha) e o segundo maior importador (depois dos EUA) do mundo e estar no centro de importantes cadeias de fornecimento globais.
O índice de fretes marítimos de matérias-primas, conhecido pela designação de Baltic Dry, caiu para mínimos de abril de 2016, tendo recuado 55% desde o início do ano.
Os preços de matérias-primas caíram em janeiro em média 8%, segundo o índice CRB da Reuters. O café foi a commodity com maior quebra de preços na ordem de 21%. O petróleo também sofreu um choque, com o preço do barril de Brent (de referência na Europa) a perder 14% durante o mês - só na última semana de janeiro caiu 6,5%.
Se o preço do petróleo continuar em plano inclinado o cartel da OPEP juntamente com a Rússia poderá antecipar a reunião regular de março já para fevereiro.
O cobre, que é tido por muitos analistas como um bom indicador de conjuntura, e cujo preço está ligado por um cordão umbilical à saúde da economia chinesa, registou uma queda de 6% durante a última semana e de 10% em janeiro.