Economia

Trump assina 'fase 1' do acordo comercial com a China

Trump assina 'fase 1' do acordo comercial com a China
Damir Sagolj/Reuters

Com pompa na Casa Branca, na presença de Liu He, o homem forte da política económica da China, o presidente norte-americano acordou esta quarta-feira uma "primeira fase" de desanuviamento na guerra comercial entre as duas superpotências. A "segunda fase" fica ao sabor da campanha eleitoral nos EUA até novembro

Na presença de duas centenas de convidados e do vice-primeiro-ministro chinês Liu He, o presidente Trump assinou esta quarta-feira, na Sala Leste da Casa Branca, a "fase 1" do acordo comercial com a China.

Com este primeiro documento de 94 páginas, os Estados Unidos e a China concordam numa primeira fase de desanuviamento na guerra comercial iniciada por Trump em 2018.

A presença de Liu He, o homem forte da política económica de Pequim e chefe da equipa chinesa nas negociações, confere ao ato a solenidade geopolítica devida, no mesmo dia em que a líder da Câmara de Representantes, a democrata Nancy Pelosi, coloca à votação uma resolução para enviar para o Senado o articulado sobre o impeachment de Trump.

O acordo implica uma redução no quadro das taxas aduaneiras aplicadas pelos dois lados desde o verão de 2018, mas não elimina o grosso da pressão alfandegária.

Trump agradeceu a "cooperação" do presidente chinês Xi Jinping e elogiou Liu He. O vice-presidente norte-americano Michael Pence sublinhou que com este acordo "a mudança chegou" nas relações comerciais internacionais e que "um novo capítulo" se abriu entre as duas superpotências no sentido de um "comércio mais justo e baseado na reciprocidade".

Numa primeira reação antecipada nos mercados, o mais importante índice bolsista de Nova Iorque, o Dow Jones 30, fixou na sessão desta quarta-feira um novo recorde, ultrapassando, pela primeira vez, os 29 mil pontos. um novo máximo que Trump destacou na sua longa intervenção de apresentação do acordo.

O presidente norte-americano aproveitou o evento para elogiar longamente a sua equipa que negociou com Pequim e uma muito longa lista de diversos vultos destacados Republicanos e empresários e banqueiros presentes na Sala de Casa Branca, numa intervenção de campanha eleitoral muito marcada com o vice-primeiro-ministro chinês ao lado.

Ao fim de quase uma hora de intervenções dos convivas norte-americanos, Liu He leu uma carta do presidente chinês para Trump considerando que o acordo "é benéfico para as duas partes" e que a "fase seguinte é implementá-lo de verdade".

O responsável chinês sublinhou, ainda, que Pequim espera que as empresas chinesas sejam tradadas "de um modo justo" pelos EUA e que as compras de produtos norte-americanos serão baseadas nas "condições de mercado".

Efeitos da guerra comercial já sentidos

Os efeitos da guerra comercial já se fizeram sentir ao longo de 2019, com as exportações da China para os EUA a caírem 15% entre janeiro e novembro em relação ao mesmo período do ano anterior, e as exportações dos EUA para a China a contraírem 12% no mesmo período.

Os sectores mais prejudicados nos EUA estão a ser os importadores de produtos chineses que são vitais para os seus circuitos comerciais de consumo de massa ou de componentes essenciais para as cadeias de produção domésticas, que estão a suportar a subida do custo com o aumento das tarifas aduaneiras, e os exportadores dependentes do mercado chinês, nomeadamente na parte agrícola, com destaque para a soja.

Com as negociações da 'fase 1' em curso, os EUA suspenderam uma nova subida de taxas a 15 de dezembro passado e a Secretaria de Tesouro norte-americana retirou, esta semana, a China da lista negra de países acusados de manipular a divisa. Com o presente acordo vão reduzir de 15% para 7,5% as taxas sobre 120 mil milhões de dólares (€107 mil milhões) de importações vindas da China. No entanto, mantêm taxas de 25% sobre 250 mil milhões de dólares (€224 mil milhões) de importações vindas da China, nas quais se incluem componentes vitais para muitos sectores industriais norte-americanos.

A China compromete-se a importar dos EUA pelo menos mais 200 mil milhões de dólares (€179 mil milhões) de bens e serviços norte-americanos no conjunto de 2020 e 2021 em relação ao nível de importações realizado em 2017 (190 mil milhões de dólares).

Este ano aponta para comprar mais 77 mil milhões de dólares (€69 mil milhões) e no ano seguinte mais 123 mil milhões de dólares (€111 mil milhões) acima do nível de 2017.

Em 2018 comprou em produtos e bens 120 mil milhões de dólares (€107 mil milhões) e de janeiro até novembro de 2019 importou 98 mil milhões de dólares (€88 mil milhões), segundo dados do Census Bureau norte-americano para a exportação excluindo os serviços.

O referencial para o aumento das importações por parte da China é o montante de quase 190 mil milhões de dólares (€171 mil milhões) em produtos e serviços em 2017. Em 2018 caíram para 179 mil milhões de dólares (€161 mil milhões).

O grosso das importações adicionais vindas dos EUA no conjunto de 2020 e 2021 virá do sector industrial (75 mil milhões de dólares). A que se segue o da energia (50 mil milhões), da agricultura (50 mil milhões) e dos serviços (entre 40 a 50 mil milhões). A China compromete-se, ainda, a proteger a propriedade intelectual e a não impor a transferência obrigatória de tecnologia para a China no caso de investimentos norte-americanos.

Pequim aceitou ainda o estabelecimento de um mecanismo de controlo do acordo, que, em caso de incumprimento, permite aos EUA voltar a subir as taxas aduaneiras num prazo de 90 dias.

A China é o principal fornecedor dos EUA em bens e produtos e o terceiro cliente das exportações norte-americanas.

Antes da cerimónia na Casa Branca, Larry Kudlow, o conselheiro económico de Trump, disse esta quarta-feira à Fox News que este acordo poderá gerar um crescimento de 0,5 pontos percentuais no Produto Interno Bruto dos EUA em 2020 e 2021.

Apesar da expetativa positiva sobre este acordo, o comércio internacional tem sofrido erosão nos últimos meses, nomeadamente no comércio mundial marítimo, com o índice Baltic Dry, dos fretes de matérias-primas, a cair 69% desde setembro do ano passado.

Cenários para a 'fase 2'

A 'fase 2' das negociações entre Pequim e Washington flutuará ao sabor da campanha eleitoral para as presidenciais nos EUA em novembro.

Os analistas admitem dois cenários na guerra comercial com a China:

1- a manutenção das taxas de 7,5% e 25% sobre 370 mil milhões de dólares (€332 mil milhões) de importações vindas da China, mais de 2/3 do total importado, se isso não prejudicar politicamente Trump nos estados em que não há uma maioria absoluta de votos para nenhum dos candidatos (Democrata ou Republicano), relegando um segundo acordo para depois das eleições, no caso de ser reeleito;

2- um claro avanço na negociação da 'fase 2' com vista a um acordo ainda antes das eleições presidenciais se uma nova redução das taxas servir politicamente para animar a bolsa norte-americana (onde os índices estão a registar máximos históricos) e contrariar o abrandamento económico previsto para este ano.

No sentido de manter elevada a expetativa numa 'fase 2', Steven Mnuchin, o secretário do Tesouro, disse esta quarta-feira ao canal CNBC que este novo processo de negociação poderá ser 'morcelizado' numa "fase 2A, 2B, 2C este ano", naturalmente ao sabor do calendário eleitoral.

Artigo atualizado ao longo do evento na Casa Branca e corrigido no que respeita ao compromisso de aumento das importações de produtos e serviços norte-americanos por parte da China

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