A auditoria do Tribunal de Contas à gestão do património da Segurança Social revela dezenas de exemplos de imóveis que podiam ter sido vendidos por mais dinheiro entre 2016 e 2018. Em causa está o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) que, ao alienar os imóveis sobretudo por ajuste direto, não maximiza esta receita que serve para assegurar o futuro do sistema de pensões através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS).
Um dos negócios que “não assegurou, com elevado grau de verosimilhança, a receita expectável para o FEFSS” foi o memorando de entendimento entre o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o município de Lisboa, celebrado em julho de 2018, sobre o arrendamento, com opção de compra, pela Câmara, de onze imóveis da segurança social.
Segundo o Tribunal de Contas, o valor fixado para a venda destes imóveis foi inferior em cerca de €3,5 milhões ao valor de mercado das avaliações contratadas pelo próprio IGFSS. Foi também concedido um período de carência no pagamento de rendas de 24 meses.
“Não existe evidência da avaliação do impacto do memorando para o orçamento da segurança social, designadamente para o FEFSS, designadamente através de uma análise custo-benefício na ótica social, considerando a perda potencial de receita resultante da concessão de uma opção de compra sobre os imóveis por um montante (€57.239.021) inferior ao valor de mercado que lhes foi atribuído nas avaliações promovidas pelo IGFSS (€60.697.543) e que seria o valor expectável da alienação dos imóveis em mercado ou por procedimento direto”. Quanto à dispensa do pagamento de rendas por um período de 24 meses, “considerando a taxa de rendibilidade de 5,75% prevista no memorando, esse período de carência de rendas corresponderia a €6.582.487,47”, quantificam os auditores do Tribunal de Contas.
“Em síntese, as condições da operação fixadas no memorando e posteriormente nos contratos celebrados apresentavam-se vantajosas para o município, em detrimento da receita e da sustentabilidade do orçamento da segurança social. Com efeito, note-se que, menos de um ano após a celebração dos contratos, a Assembleia Municipal aprovou o exercício da opção de compra dos imóveis”, conclui o Tribunal de Contas.
Opção pela venda imediata
No triénio 2016-2018, a Segurança Social arrecadou menos de €40,8 milhões na venda de 147 imóveis, dos quais 71 no concelho de Lisboa. Cerca de 44% foram adquiridos por apenas 14 compradores, sobretudo por ajuste direto. O total de 61 imóveis vendidos por ajuste direto rendeu apenas €11,6 milhões, 28,3% da receita total. Já os 50 imóveis vendidos por concurso renderam €21,7 milhões, 53,2% da receita total. Os restantes imóveis foram vendidos por venda eletrónica ou venda direta ao arrendatário.
O Tribunal de Contas destaca a perda potencial de €1,1 milhões de receita pela opção de fazer o ajuste direto de 15 imóveis pelo valor de venda imediata, isto é, cerca de 30% abaixo do valor de mercado. Só a venda do imóvel de nove frações na Rua Nova da Trindade, nº15-17, em pleno Chiado, terá rendido menos €695.200 face ao valor de mercado.
“Esta opção gestionária, insuficientemente fundamentada, da qual pode ter resultado uma perda de €1,1 milhões, não acautelou o cumprimento dos princípios da boa gestão e administração na prossecução do interesse público. Com efeito, esta opção apenas se justificaria em caso de necessidade, o que não foi demonstrado. O imóvel urbano sito na Rua Nova da Trindade, n.º 15-17 (9 frações) foi o que mais contribuiu (61,7%) para aquela perda”.
Critério da ordem de chegada
O edifício na Rua Nova da Trindade foi vendido por €1.635.500 embora a proposta mais elevada tenha sido de €1.730.000. E este é só um dos dez imóveis que o Tribunal de Contas lista para mostrar como têm sido preteridas propostas de valores mais elevados em resultado da aplicação do critério da ordem de entrada. Da lista também consta, por exemplo, um imóvel da Rua Gonçalves Crespo, 21, em Lisboa, que podia ter rendido mais €86 mil caso a proposta mais alta tivesse sido a escolhida.
“Resulta evidente que a aplicação do critério de adjudicação por ordem de entrada das propostas nos procedimentos de alienação dos imóveis prejudicou o interesse económico financeiro do IGFSS, na medida em que implicou a rejeição de propostas economicamente mais vantajosas e, por isso, foi lesiva do erário público”, diz o Tribunal de Contas.
18 meses de rendas em atraso
Se a venda de imóveis não está a maximizar as receitas da Segurança Social, o arrendamento dos seus imóveis muito menos. Em causa estão os procedimentos de controlo e monitorização dos contratos de arrendamento do IGFSS. Segundo o Tribunal de Contas, estes não asseguram a eficácia na cobrança das rendas, a recuperação da dívida e uma atuação tempestiva perante incumprimentos, em prejuízo da sustentabilidade do sistema da Segurança Social.
No final de 2018, a dívida de rendas de imóveis ascendia a €3,5 milhões, da qual cerca de 96% era de cobrança duvidosa. O montante em dívida de rendas em cobrança duvidosa ascendia a €3,3 milhões, o que corresponde a cerca de 18 meses de proveitos de rendas.
“A antiguidade média da dívida de arrendatários atingiu os 9,5 anos no final de 2018, agravando-se em 1,5 anos face a 2016 (8 anos), o que também evidencia o risco de incobrabilidade da dívida e as insuficiências nos sistemas de controlo interno nesta área”, acrescenta o Tribunal de Contas.
E a ministra?
O Tribunal de Contas pede agora à nova ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que diligencie para que o processo de alienação de imóveis da Segurança Social seja suportado em estudos económico-financeiros, com especial ênfase na seleção dos imóveis, dos procedimentos, do valor base de venda e na calendarização.
Quanto aos instrumentos de cooperação com entidades públicas - operacionalizados através da alienação ou arrendamento de património - a ministra também deve assegurar que estes não prejudicam comprovadamente a receita para o orçamento da Segurança Social.