A carta em que Carlos Ghosn reivindica o direito a uma reforma de €770 mil/ano da Renault
KAZUHIRO NOGI/AFP/Getty Images
A fabricante francesa garante que o ex-CEO renunciou, por iniciativa própria, a 23 de janeiro de 2019 e não reivindicou os seus direitos à reforma. Na conferência de imprensa da semana passada em Beirute, Ghosn mostrou ter um entendimento diferente: “Dizem que eu me demiti da Renault, o que é falso.” O canal de televisão BFM TV teve acesso à carta enviada há um ano
O ex-presidente da Renault-Nissan Carlos Ghosn pretende reivindicar o seu direito à reforma da construtora automóvel francesa. Na carta que enviou à direção da fabricante, que o canal de televisão BFM TV divulga esta quarta-feira, Ghosn garante que não se demitiu explicitamente da sua antiga empresa. Em causa está uma reforma de 770 mil euros por ano.
O antigo empresário, que aguardava julgamento em prisão domiciliária no Japão, fugiu para Beirute a 30 de dezembro. A justiça do Líbano proibiu-o entretanto de abandonar o país na sequência de uma ordem de prisão emitida pela Interpol. Acusado de desvio de dinheiro, fraude fiscal e gestão danosa, Ghosn mantém a sua inocência.
A Renault garante que o ex-CEO renunciou, por iniciativa própria, a 23 de janeiro de 2019 e não reivindicou os seus direitos à reforma. Na conferência de imprensa da semana passada na capital libanesa, o antigo empresário mostrou ter um entendimento diferente: “Dizem que eu me demiti da Renault, o que é falso. A carta que enviei não foi, aliás, entregue ao conselho de administração, foi lida a membros do conselho de administração.”
Uma questão de interpretação
No documento a que a televisão francesa teve acesso, Ghosn não fala explicitamente nem de demissão, nem de reforma. É tudo uma questão de interpretação, refere a BFM TV. “Eu, abaixo assinado, tenho a honra de o informar da minha decisão de pôr termo aos meus cargos”, escreve no primeiro parágrafo. No parágrafo seguinte, já menciona o seu direito à pensão, o que só é possível se se reformar efetivamente.
Os advogados do antigo empresário alegam que o seu cliente, funcionário da Renault desde 1996 sem qualquer quebra de contrato, se retirou dos seus cargos corporativos mas nunca se demitiu. Consequentemente, é-lhe devida a indemnização legal de reforma, dizem.
Em outubro do ano passado, a Segurança Social validou a reforma de Ghosn com retroativos a partir de 1 de junho.
Dentro e fora da prisão
No Japão, Ghosn esteve dentro e fora do cárcere desde que foi preso pela primeira vez em novembro de 2018, tendo inicialmente passado mais de 100 dias detido. Naquele país, os suspeitos ficam em detenção provisória durante meses, frequentemente até ao início dos julgamentos. Segundo a acusação, o ex-empresário não reportou cerca de 73 milhões de euros em salários e transferiu temporariamente perdas financeiras pessoais para a Nissan.
Em janeiro de 2019, Ghosn renunciou aos cargos de presidente e diretor executivo da Renault. Antes disso, a sua situação legal tinha-se complicado devido a novas irregularidades denunciadas pela Mitsubishi, uma das empresas que chegou a dirigir e que o acusou de ter recebido pagamentos “ilegais”.
Segundo as investigações, Ghosn recebeu um pagamento alegadamente irregular de 7,82 milhões de euros. Estas irregularidades estão relacionadas com as operações da NMBV, uma sociedade estabelecida na Holanda em junho de 2017 e cuja sigla incorpora as iniciais da Nissan e da Mitsubishi, constituída com o objetivo de criar sinergias entre as duas empresas.
Libertado a 6 de março de 2019 após pagar uma fiança, Ghosn disse-se vítima de um golpe do conselho de administração. No mês seguinte, foi novamente preso depois de anunciar planos para a realização de uma conferência de imprensa. Ainda em abril, saiu da prisão mediante o pagamento de nova caução (no valor de 8 milhões de euros), ficando em prisão domiciliária, sob vigilância das autoridades, e impedido de sair do Japão e de contactar a esposa, Carole Ghosn.
Com 65 anos, Ghosn é cidadão do Líbano, onde está legalmente protegido de extradição, e também tem cidadania francesa e brasileira. Passou grande parte da sua juventude em Beirute, onde goza de um grande apoio público.