Economia

Como o Ministério Público vê as culpas pelo rodapé da TVI que tirou quase €1.000 milhões ao Banif

Em março, a TVI e Sérgio Figueiredo foram acusados de ofensa à reputação económica do Banif pelo Ministério Público, que diz que foi na sequência da notícia vinda de Queluz de Baixo que houve fuga de depósitos no banco da Madeira. No processo, foram ouvidos 14 testemunhas, do Banif, do Banco de Portugal e da TVI (nenhuma do Governo). A acusação, na sua versão integral, é agora conhecida

Como o Ministério Público vê as culpas pelo rodapé da TVI que tirou quase €1.000 milhões ao Banif

Diogo Cavaleiro

Jornalista

“Última Hora – Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para o fecho do banco. A parte boa vai para a Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os acionistas e depositantes acima dos 100 mil euros e muitos despedimentos”.

O diretor de informação da TVI sabia que as notas de rodapé que, às 22h18 de 13 de dezembro de 2015, apontavam para o fecho do Banif e para perdas em depositantes poderiam conter teor “falso”, mas não evitou a sua publicação. Aliás, Sérgio Figueiredo “previu e quis revelar e divulgar/tornar público tal notícia”, mesmo sabendo que “seria ofensiva da imagem e competência económica do Banif”. Estas são razões para a acusação que o Ministério Público deduziu, em março deste ano, contra o número um da informação da estação de Queluz de Baixo e contra a própria TVI, e cuja versão integral foi obtida pelo Expresso.

Segundo a acusação da procuradora-adjunta Gabriela da Costa, noticiada inicialmente pelo Correio da Manhã, Sérgio Figueiredo praticou “em autoria material e na forma consumada um crime de desobediência qualificada” e, “em autoria material, um crime de ofensa à reputação económica”. Deste último, também a TVI foi acusada.

O primeiro ponto deve-se ao facto de, quase quatro anos depois, continuar por ser revelado o jornalista autor da notícia de rodapé da TVI24 – Sérgio Figueiredo recusa dizê-lo e já tinha assumido a total responsabilidade no caso na comissão parlamentar de inquérito ao Banif. O segundo é porque a notícia foi dada numa semana que antecedeu a saída de quase mil milhões de euros – e, segundo a acusação, foi dada com consciência da falsidade dos factos noticiados.

A comissão de inquérito ao Banif, cujos trabalhos terminaram em 2016, tinha deixado em aberto que o Ministério Público pudesse diligenciar para apurar qualquer violação legal, sendo que concluiu que a notícia não era verdadeira, que tinha “criado um stress na liquidez do banco”, mas que não havia indícios de que tinha sido ela a determinar a resolução do banco.

Já a acusação do Ministério Público diz que foi na “sequência da notícia divulgada na TVI” que “ a situação de liquidez do Banif degradou-se pela diminuição dos depósitos dos clientes, que caíram 984 milhões entre os dias 14 e 21 de dezembro”.

A origem do inquérito

O inquérito partiu de uma queixa da comissão liquidatária do Banif, o banco que, uma semana depois da notícia, foi alvo de uma medida de resolução (que ditou a divisão do banco em três entidades), era 20 de dezembro de 2015. O Ministério Público decidiu acompanhar a comissão liquidatária, tendo em março encerrado o inquérito com a acusação.

Só que a TVI e Sérgio Figueiredo pediram a instrução do processo, em que um juiz realiza diligências adicionais para decidir se efetivamente há razões para o julgamento ou se deverão ser arquivadas as conclusões. É essa a fase em que o caso se encontra. Sérgio Figueiredo foi sujeito a termo de identidade e residência, a medida de coação mais leve para um arguido. Contactada pelo Expresso, a TVI, da Media Capital, não quis fazer comentários, mas o Expresso sabe que esteve já agendado o debate instrutório (em que as várias partes são confrontadas com o caso).

José Oliveira

As imputações do Ministério Público

Nas suas conclusões, o Ministério Público é duro para com Sérgio Figueiredo. “Teve conhecimento que a dita notícia iria ser divulgada e não assegurou ao Banif a possibilidade de se pronunciar em momento prévio à divulgação de tal notícia, nem se asseverou, com segurança, da fiabilidade das informações que possuía”, disse. A correção foi feita depois de publicada a notícia, “situação que não evitou a propalação da notícia e criação de alerta junto dos depositantes desta instituição bancária”.

Naquele dia de 2015, foram sendo feitas alterações ao texto, com a última versão a ficar estabilizada pelas 23h06. “Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para a resolução do banco. Está em estudo recorrer à Caixa Geral de Depósitos. Vai haver perdas para os acionistas. Depositantes salvaguardados mesmo acima dos 100 mil euros. Esta é uma notícia que vai ser desenvolvida e analisada na TVI24 à meia-noite”. Já não há referência a fecho, nem a perdas para depositantes.

Mesmo assim, na semana a seguir ao rodapé, saíram do Banif recursos de clientes (depósitos), de 984 milhões de euros, bem como se verificou uma queda expressiva das ações. O montante não é novo e já tinha sido referido na comissão parlamentar de inquérito ao Banif. Naquela semana, esperavam-se propostas para a compra do banco. Não foram suficientemente boas e a resolução – que passou ativos e passivos para o Santander, que transferiu imóveis e malparado para um veículo denominado Oitante e que manteve no Banif ativos residuais – ocorreu a 20 de dezembro.

“O arguido não se assegurou da veracidade da notícia emitida em nota de rodapé, como era o seu dever e como diretor de informação da TVI24 lhe era exigível, não se opondo a que a notícia falsa fosse difundida, bem sabendo que a ser verdadeiro ou falso tal conteúdo, era prejudicial e ofensivo da credibilidade, consideração e prestígio, confiança e reputação na entidade bancária em causa”, continua ainda a procuradora-adjunta, que refere que “poderia ter diligenciado por apurar junto do Banif ou do Banco de Portugal se o teor da mesma representava o que estava a ocorrer ou poderia ocorrer”. Não o fez, e fê-lo de forma “livre” e “deliberadamente e conscientemente bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei”.

Sérgio Figueiredo continua também sem revelar o autor da notícia, mesmo quando notificado judicialmente para o fazer, em 2016: “O arguido livre e deliberada e conscientemente não informou a autoridade judiciária da identidade do autor de tal escrito”.

A defesa: mensageiro mais importante que mensagem

À Lusa, em julho (quando anunciou o pedido de abertura de instrução), Sérgio Figueiredo defendeu-se ao indicar que o Ministério Público tinha as prioridades trocadas.

“Acho estranho que num país em que os banqueiros conseguiram destruir praticamente todo o negócio bancário que o país tinha em sete ou oito anos, que muitos desses processos resultaram em vários tipos de intervenção do Estado - alguns na extinção dos bancos que existiam -, que os reguladores permitiram tudo isso (...), nunca preveniram a morte [das instituições], se esteja a discutir uma notícia de rodapé”, declarou, na altura.

BdP, Banif e TVI ouvidos, Governo nem por isso

Neste processo, o Ministério Público ouviu 14 testemunhas, antes da sua decisão final. Nesse leque, havia três representantes do Banco de Portugal, desde logo o governador, Carlos Costa, mas também um ex-vice-governador, José Berberan Ramalho, e um ex-administrador, António Varela.

Entre este grupo, encontram-se três antigos membros do Banif, como Jorge Tomé, ex-presidente executivo, e oito elementos da redação da TVI, entre jornalistas, editores e diretores. Nos seus testemunhos, a estação diz que criou um grupo de trabalho para estudar o Banif, depois de uma entrevista de António Costa.

Apesar de o Ministério das Finanças ter – tal como o Banif e o Banco de Portugal – emitido um comunicado naqueles dias, tomando uma posição pública sobre o tema, não houve nenhuma testemunha do Executivo convocada.

Banif é tema da compra da Media Capital pela Cofina

Segundo já noticiou o Sol, Paulo Fernandes, o presidente da Cofina, não quer ficar com o ónus e eventuais responsabilidades advindas do caso Banif que possam estar na Media Capital, a dona da TVI, que está neste momento a comprar - o dossiê está na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

A associação que representa lesados do Banif (Alboa) já pediu à Autoridade da Concorrência para se assegurar que a Cofina tem informação sobre este caso e sobre a eventualidade de poder ter de pagar indemnizações devido aos pedidos de responsabilidade.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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