Economia

FMI ainda mais pessimista vai rever em baixa, de novo, o crescimento mundial

FMI ainda mais pessimista vai rever em baixa, de novo, o crescimento mundial
DOMINICK REUTER

A economia mundial vai registar este ano o crescimento mais fraco desde a recessão de 2009, anunciou esta terça-feira Kristalina Georgieva, a nova diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI). A búlgara que substituiu Christine Lagarde avançou com uma antecipação às previsões que vão ser apresentadas na próxima semana na abertura da assembleia geral do Fundo

“A economia mundial está agora numa desaceleração sincronizada. Prevemos um crescimento mais fraco em 90% do mundo. Isto significa que, este ano, o crescimento vai cair para o nível mais baixo desde o início da década”, referiu esta terça-feira Kristalina Georgieva, a nova diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A última previsão do Fundo para 2019, publicada em julho, apontava para um crescimento mundial de 3,2%, denotando o pessimismo crescente dos técnicos da organização então ainda liderada por Christine Lagarde.

Essa taxa avançada em julho já era a mais baixa desde a grande recessão de 2009. O crescimento mais fraco da economia mundial, desde a última recessão global até 2018, registou-se em 2015 e 2016, com as taxas em torno de 3,4%.

Sem adiantar os novos números para o crescimento da economia mundial em 2019 e 2020, a economista búlgara, que substituiu este mês a política francesa à frente do Fundo, adianta que a organização “vai rever em baixa”, de novo, aquelas previsões. O FMI está, agora, ainda mais pessimista que há, apenas, três meses atrás.

Uma aproximação da previsão a 3% para 2019 - uma taxa considerada como linha vermelha por muitos economistas - será um sinal de alerta. Neste século, o crescimento mundial caiu para menos de 3% em 2001 e 2002, dois anos de forte desaceleração, e situou-se na linha vermelha em 2008, no ano da crise financeira.

Risco de bancarrota de €17 biliões no sector empresarial

O novo quadro macroeconómico mundial só será revelado na próxima semana quando for publicado o World Economic Outlook (WEO), o documento fundamental de previsões e recomendações do Fundo que será apresentado no início da assembleia geral conjunta da organização e do Banco Mundial que decorrerá em Washington entre 14 e 20 de outubro. Desde a anterior edição do WEO, em outubro do ano passado, o Fundo já cortou em meio ponto percentual a previsão para o crescimento mundial; de 3,7% para 3,2%.

Uma das consequências de uma derrapagem na economia mundial pode ser um choque no sector empresarial. A diretora-geral do FMI avisa que, “se uma grande desaceleração acontecer, a dívida empresarial em risco de incumprimento subirá para 19 biliões de dólares (mais de €17 biliões), cerca de 40% do total do endividamento total em oito grandes economias”. “Este valor está acima dos níveis observados durante a crise financeira”, acrescenta.

As “fraturas” vão ter um impacto que vai durar uma geração

As revisões em baixa das previsões feitas desde julho do ano passado, quando o FMI apontava para uma aceleração da economia mundial para perto de 4% em 2019, foram sendo impostas pelo agravamento do que Georgieva chama de “fraturas” na economia mundial.

A economista búlgara refere a guerra comercial desde o verão passado entre os Estados Unidos e a China como “uma das grandes fraturas”, mas acrescenta-lhe um conjunto “de fendas” que “poderá levar a mudanças que vão durar uma geração”. Nessas "fendas" inclui o efeito negativo sobre as cadeias de fornecimento mundiais ligadas à globalização e “um novo ‘Muro de Berlim’ digital forçando os países a escolher entre sistemas tecnológicos”, mais uma dimensão da guerra fria global entre Washington e Pequim. Como sublinha a diretora-geral do FMI, mesmo que a economia mundial volte a acelerar a partir de 2020, o impacto das "fraturas" e das "fendas" que já ocorrera vai ser de longo prazo.

A fatura da guerra comercial vai ser, agora, atualizada pelo FMI. A diretora-geral aponta para um efeito acumulado de cerca de 700 mil milhões de dólares em 2020, ou seja, uma perda de 0,8% do Produto mundial. “A chave é melhorar o sistema [de comércio internacional], e não abandoná-lo”, apela Georgieva, face a um quadro em que Washington já impôs taxas alfandegárias mais elevadas a 550 mil milhões de dólares (€501 mil milhões) de importações provenientes da China e Pequim respondeu com novas taxas sobre 185 mil milhões de dólares (€168 mil milhões) de importações vindas dos EUA.

A assembleia geral do Fundo vai decorrer precisamente numa semana em que os EUA vão avançar com um agravamento das taxas aduaneiras em relação a quase metade das importações vindas da China e provocar uma escalada na guerra comercial com a União Europeia, impondo uma taxa de 10% sobre os aviões europeus e 25% sobre produtos agrícolas e industriais importados da Europa.

Governos têm um papel central no combate à desaceleração

Face a esta quadro de enfraquecimento económico e de guerras comerciais, o Fundo volta a apelar a que os governos, que disponham de margem orçamental, intervenham nas economias dos seus países.

Com a política monetária expansionista dos bancos centrais a perder eficácia, Georgieva, na linha de Lagarde, apela a que “a política orçamental desempenhe um papel central”. “Agora, é a altura dos países com espaço nos seus orçamentos avancem – ou estejam prontos para tal – com o seu poder de fogo orçamental”, sublinha a diretora-geral do Fundo, com a Alemanha e a Holanda como destinatários do recado na Europa, e a Coreia do Sul na Ásia. “Na verdade, as taxas de juro baixas [em virtude da política monetária expansionista] podem dar aos governantes dinheiro adicional para gastar”, refere a economista búlgara. Recorde-se que a Alemanha e a Holanda, com excedentes orçamentais e externos, se financiam atualmente com taxas negativas em todos os prazos do seu stock de dívida pública.

Georgieva vai ainda mais longe. No caso do abrandamento global piorar mais do que o esperado, “pode vir a ser necessária uma resposta de política orçamental coordenada” à escala mundial. Tal como o G20 fez em 2009, recordou. "Um abrandamento sincronizado exige uma resposta política sincronizada", sublinhou na intervenção.

“Ainda não estamos nessa situação. Contudo, a nossa investigação mostra que mudanças na despesa pública são mais eficazes e têm um efeito multiplicador quando os países agem em conjunto”, concluiu a diretora-geral. Kristalina Georgieva intitulou sintomaticamente a sua primeira intervenção na preparação de uma assembleia geral de "Desaceleração do crescimento exige aceleração na ação".

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