Economia

Alexandre Soares dos Santos, o empresário que não tinha papas na língua

Alexandre Soares dos Santos, o empresário que não tinha papas na língua

Empresário tinha 84 anos e nos últimos anos sofreu vários problemas de cancro. Morreu esta sexta-feira

Alexandre Soares dos Santos, o empresário que não tinha papas na língua

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

Elísio Alexandre Soares dos Santos foi um dos maiores empresários do Portugal democrático. Era um empresário com visão – levou o grupo Jerónimo Martins a um patamar onde, nos seus 227 anos de história, nunca tinha estado -, que soube assumir e corrigir erros (nomeadamente o desastroso investimento no Brasil nos anos 90), sem papas na língua – foram muitas as suas frases polémicas ao longo dos anos, disparando para todos os lados, em especial para o poder político e governativo -, por vezes amargurado com os ataques ao “capital”. O facto de ter figurado, durante anos consecutivos, como um dos empresários mais ricos do país, levava muitas vezes a que fosse alvo de críticas, nomeadamente por causa dos baixos salários que o seu grupo é acusado de praticar.

Deixa um grupo empresarial pujante, controlado pela holding da sua família, a Sociedade Francisco Manuel dos Santos, com participações na indústria mas sobretudo na distribuição, através da Jerónimo Martins, com operações não só em Portugal, nomeadamente com o Pingo Doce, mas também na Polónia, de onde vem a maior parte das vendas e lucros, com a cadeia Biedronka, e na Colômbia, com a cadeia Ara. Os últimos indicadores da atividade da Jerónimo Martins são referentes ao primeiro semestre deste ano e revelam um crescimento de 5,7% no volume de negócios (para 8,9 mil milhões de euros), um aumento de 5,6% no EBITDA (resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações), para 471 milhões de euros e lucros líquidos de 181 milhões de euros (mais 0,7%).

Nos últimos tempos Alexandre Soares dos Santos estava retirado das funções executivas, mais dedicado aos projetos de solidariedade social dinamizados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pela sua família, uma das diretrizes que dizia ter sido instituída. Era com entusiasmo que falava daquilo que a Fundação estava a fazer. E era com pesar que falava dos problemas sociais com que se defrontava. E era ainda com irritação que via essa preocupação, que dizia ser uma política instituída no seu grupo empresarial, ser desvalorizada por quem acusa os empresários ‘ricos’ de explorar o povo. “Por um lado dizem: “Invistam”. Por outro, criticam os que investem”, chegou a dizer numa entrevista ao Público em 2 de setembro de 2012.

Em 28 de junho de 2018 queixava-se, em entrevista ao portal Sapo: “O que não dizem é que entre a família e a Jerónimo Martins gastamos 35 milhões de euros por ano em responsabilidade social. Também não houve um jornal que dissesse que distribuímos 25 mil refeições aos bombeiros nos incêndios de Pedrógão e só uma câmara escreveu a agradecer. Ainda outro dia o presidente da República foi a uma dessas localidades afetadas pelos incêndios visitar uma exploração com ovelhas que produzem o leite para fazer queijo da serra e as pessoas que lá estavam disseram: tudo quanto está aqui foi a Jerónimo Martins que ofereceu. Fomos comprar ovelhas a Espanha, construímos os estábulos, etc. Mas isto ninguém diz”.

Nessa entrevista, quando questionado sobre como gostaria de ser lembrado, respondeu: “A melhor resposta é que peguei na Jerónimo Martins, então com 300 pessoas no comércio e duas mil na indústria, e hoje tem na distribuição 110 mil pessoas e está a caminhar para os 20 mil milhões em vendas. Penso que é uma herança bonita. E gosto muito, por exemplo, da obra social. Só na Arco Maior, no Porto, dirigida pelo professor Joaquim Azevedo, da Universidade Católica, são 170 crianças que tirámos da rua, que ensinamos e ajudamos a tirar o 12.º ano”.

Foi em 2018 que se afastou de todos os órgãos de gestão do grupo Jerónimo Martins ou da empresa que o controla, a Sociedade Francisco Manuel dos Santos (que tem 56,1% da Jerónimo Martins). Em fevereiro de 2018 dizia em entrevista ao Expresso que o que estava na altura a fazer era ocupar-se “de tudo quanto é a responsabilidade social dentro da família. Tenho a responsabilidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sou presidente do conselho de curadores”. E elogiava o trabalho da Fundação: “Tem feito um trabalho fantástico, nos debates e estudos que faz, que começam a ter reconhecimento universitário. Os debates na televisão estão a ser um sucesso. Mas ainda nos falta chegar às pessoas. Esse é o próximo passo a dar. Uma das coisas que mais me preocupa é o distanciamento das populações face aos problemas do país”.

Enumerava então, com orgulho, as “três obras grandes” que tinham: além da Arco Maior, falava também do projeto Semear, que visa a inclusão na sociedade de jovens e adultos com dificuldades intelectuais e de desenvolvimento, nomeadamente através da produção agrícola que depois é vendida, nomeadamente nas lojas Pingo Doce. E referia as bolsas de estudo que atribuíam. “A família entende que 25% dos dividendos que recebe são para obras de responsabilidade social. Todo o empresariado devia empenhar-se em ajudar o país a ser melhor. Não é com discursos nem grandes debates que resolvemos os problemas do país e sim através de ações. Fiquei muito contente por a família ter compreendido isto e ter-me deixado criar a Fundação e estas obras todas”, dizia então.

Outra “obra” de que se orgulhava, e que foi das mais recentes, era o apoio dado pelo grupo Jerónimo Martins na Nova Business School and Economics em Carcavelos: “as universidades têm de formar homens e mulheres que possam entrar numa vida nova. A ligação universidade-empresa é extremamente importante. Uma das razões por que a família decidiu entrar no projeto da Universidade Nova em Carcavelos é para dialogarmos com a universidade e chamar a atenção para que não podem continuar a ser instituições isoladas e têm de se aproximar de nós. Sempre me preocupou a distância das universidades em relação ao mundo. Isto faz-se passo a passo e não com decretos-lei do conselho de ministros que não sabem o que lá estão a fazer”, disse nessa entrevista ao Expresso.

Esta preocupação social era visível em muitas das suas intervenções. Contava muitas vezes como o grupo se tinha organizado para apoiar os trabalhadores de famílias mais desfavorecidas durante a crise.

Mostrava-se muitas vezes contra os baixos salários – tema que o punha muitas vezes sob ataques cerrados - e defendia a promoção do mérito. “Claro que os salários são baixos, em alguns casos muito baixos, é um problema que temos de resolver com o tempo. Mas está ligado à necessidade de investimento em métodos modernos, o que significa despedimentos. Hoje pode-se abrir um supermercado em que não há uma caixa de saída. Já se imaginou a quantidade de pessoas que vão ficar sem emprego? Não pode ser, temos responsabilidade social. O que vai ser necessário é levar as pessoas a produzir mais incentivando-as através de prémios. Sou favorável que se crie uma componente variável em função dos resultados. Temos de criar nas pessoas a vontade de virem trabalhar”, disse também em fevereiro de 2018.

A 25 de outubro foi homenageado com o prémio “Carreira ACEPI Navegantes XXI” atribuído pela ACEPI – Associação da Economia Digital, numa altura em que eram já visíveis os seus problemas de saúde. E a 27 de março de 2019 recebeu o Doutoramento Honoris Causa da Universidade de Aveiro.

As polémicas

A forma como estava a olhar para o país era, apesar de tudo, menos pessimista do que noutros tempos. “A história do país mostra que isto passa muito por altos e baixos. Passamos por fases de depressão para fases de euforia muito rapidamente. Tem de ser feito em profundidade um trabalho a 10 anos. Os partidos políticos têm de perceber que não podem ter como objetivo apenas as próximas eleições, tem de ser o país no seu conjunto, têm a responsabilidade de cultivar o bem a favor das populações. Os partidos não o fazem, criaram escolas de juventude que são laboratórios em que não fazem investigação nenhuma, essa gente aparece no mercado sem qualquer experiência. Vemos aí secretários de estado e ministros que nunca trabalharam, não conhecem a vida, não sabem o que é pagar impostos, nem ordenados, nem ver as vendas cair”, dizia na mesma entrevista ao Expresso.

Nunca quis nada com a política. Na entrevista ao Público de setembro de 2012, quando questionado sobre se alguma vez tinha pensado num projeto político para si, respondeu prontamente: “Nunca. Nunca. Nunca. Nem tenho temperamento para isso. A minha participação é cívica. Quando um tipo passa por uma Alemanha em reconstrução, quando um tipo passa por um Brasil onde a classe alta tem um profundo desprezo pelo negro e pelo pobre, realiza que isto não pode ser assim. O mérito tem de ser premiado, a educação tem de ser dada. E liberdade não significa anarquia. Aqui, muitas vezes, confunde-se. Liberdade tem limites — o interesse comum.”

E acrescentava: “Não tenho mal a dizer do outro regime. Uma vez fui convidado para ir à PIDE; para contribuir para um saco azul e não sei o quê a troco de informações; recusei e nunca me chatearam. Políticos que tenha conhecido com mais intimidade: o professor Cavaco Silva, o Nogueira de Brito (que foi meu colega). Aprecio o atual governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. Mas dar-me, nunca me dei com ninguém.”

Na mesma ocasião explicou a sua postura: “Defendo que o empresário não tem de se meter em política. Há um conflito entre estar no Governo e estar no empresariado. A gente obedece a um objetivo: a defesa do interesse da empresa e dos que lá trabalham”, explicou.

Nunca fugiu a uma polémica, nunca virou a cara a uma luta.

A 1 de maio de 2012 a Jerónimo Martins foi notícia pelo facto de o Pingo Doce ter avançado com uma campanha-surpresa de promoções de 50% em quase todos os seus produtos que deu origem a casos esporádicos de stresse em lojas. Isso e a venda da participação da Jerónimo Martins a uma subsidiária holandesa da Sociedade Francisco Manuel dos Santos, marcaram um período de fortes críticas ao grupo, em 2012. O que irritou bastante Alexandre Soares dos Santos.

“Claro que uma pessoa fica irritada. Então admite-se que um telejornal abra com uma promoção do Pingo Doce?”, disse a 2 de setembro de 2012 na entrevista de vida que deu ao Público. “Acho que no curto prazo sofremos imenso. Particularmente eu, em termos de imagem.” “Já reparou que fui o único tipo acusado? E fui o último a ir para a Holanda. Os outros estão lá todos, inclusive o Estado — e não acontece nada. A mim, foi um ataque político. Aqui temos todos de nos benzer perante um primeiro-ministro. Os primeiros-ministros e os ministros estão ao serviço da nação, e têm de nos receber. A gente escreve uma carta a um ministro e o tipo não responde.”

Na entrevista de 28 de junho do ano passado voltou ao “tema Holanda”: “Quem está na Holanda é a Sociedade Francisco Manuel dos Santos, não é nenhumas das outras. E a razão principal é que era preciso acompanhar o crescimento do Jerónimo Martins, no qual a empresa tem uma posição maioritária. A Holanda dá-nos uma garantia de proteção do investimento no estrangeiro que Portugal não dá. Em segundo lugar, a burocracia na Holanda é muito menor”. E adiantava que a “fundação para a área da educação” que na altura estava a ser pensada, também seria feita na Holanda. “Porque lá é assim, apresentamos um projeto e ele vai para a frente, ponto final”.

Também nunca fechou a porta a falar com quem quer que fosse. Quando era confrontado com as queixas de fornecedores, que diziam que a grande distribuição os estava a estrangular, dizia “tragam-me cá essas pessoas para falar comigo”. Também não se negava a falar com quem o atacava. Quando o Expresso lhe perguntou, em fevereiro de 2018, se aceitaria falar com a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, disse que não teria problema nenhum em fazê-lo. “Eu não acredito que ela esteja contra nós. Simplesmente é mais fácil pegar no modelo do capitalismo para dizer que o operariado é que é giro. Mas eu não tenho problema de falar seja com quem for. Se for para falar a sério, não vamos mentir. Se surgir a oportunidade de um debate, também não digo que não. Depende do debate”.

A importância da família

Na entrevista ao Público em setembro de 2012, o empresário dizia que o que gostaria de deixar aos filhos era uma “lição de vida, de conduta. É a única coisa que me interessa deixar. O resto é um património que têm de cuidar, para o qual outras pessoas contribuíram. Meu é aquilo que penso, aquilo de que gosto, aquilo que defendo e que espero que topem. E que tenham respeito pelas pessoas. Só me irrito verdadeiramente quando não há respeito pelas pessoas.”.

A relação com o pai não foi fácil. “O meu pai zangou-se comigo quando abandonei Direito. Estivemos uns três, quatro anos distantes”. As relações tornaram-se, contava, “secas”.

Assumindo-se “católico, crente, praticante”, disse que gostaria, “se na realidade houver alguma coisa para lá, de encontrar o pai e ter umas conversas com ele. Não só ajustar contas, como relatar”.

Dava muita importância à família. Tinha sete filhos. “Tenho filhos que me telefonam às sete e meia da manhã. A perguntar como é que estou. Se não me telefonam, não fico preocupado por que não me telefonam. Fico chateado por não me terem telefonado. Somos uma família tremendamente unida”, dizia na entrevista de vida que deu ao Público. Onde reconheceu que o apoio da família foi determinante para combater os cancros que teve ao longo da vida. Em 2006, no fígado e intestinos, facto que o levou a ser operado em Inglaterra. “Estive quatro meses internado. Com fases más. De descrença. Contribuíram para me ajudar diversas coisas: o carinho dos médicos. Entravam no quarto às sete da manhã, pegavam-me na mão e diziam: “Keep going, Alexander, don’t give up.” A minha mulher nunca me abandonou um minuto. A minha filha Rita tirava-me da cama, punha-me debaixo do chuveiro, lavava-me e obrigava-me a dar uma volta pelo hospital. Além da Rita, havia sempre um outro filho comigo.”

“Tive este dom, que Deus me concedeu, de ter uma mulher e uns filhos à minha volta. O meu filho Pedro fez-me a barba a cantar O Barbeiro de Sevilha; disse-me no outro dia que foi o momento mais difícil da vida dele. Mas transmitiu-me confiança. O Zé fazia a cama, arrumava tudo, num quarto pequeníssimo. Outra coisa importante: acreditar em qualquer coisa. As enfermeiras. Os meus caseiros, quando vim para aqui restabelecer-me”, contou.

Líder desde 1968

Alexandre começou a fazer carreira na Unilever, empresa que mais tarde acabaria por firmar uma parceria com a Jerónimo Martins. Foi para a Alemanha, para a cidade de Kleve, junto à fronteira com a Holanda, onde viveu tempos de austeridade. Trabalhou como operário, vendedor, porque defendia que para se conhecer bem uma operação é preciso ter as mãos na massa. E por isso no Pingo Doce era preciso fazer um estágio de loja no departamento da carne, do peixe…

Ingressou na Unilever em 1957. De 1964 a 1967 assumiu funções de Director de Marketing da Unilever Brasil. E em 1968 entrou para o Conselho de Administração da Jerónimo Martins como administrador-delegado, cargo que acumulou com o de representante da Jerónimo Martins na parceria com a Unilever. Passou a presidente do conselho de administração do grupo em fevereiro de 1996.

Foi sob a sua liderança que o grupo avançou em força para a distribuição, em 1979 com a criação das lojas que passariam a chamar-se Pingo Doce, com o Feira Nova, o cash and carry Recheio, mas também com o retalho especializado, na Hussel, a loja de chocolates e confeitos.

Em 1995 avança para a Polónia, investindo em hipermercados, lojas alimentares e cash and carry, para o Brasil (supermercados) e Inglaterra (com uma cadeia de artigos de desporto). Avançou também para a banca de retalho com o BCP e para as telecomunicações, com a Oniway.

No final dos anos 90/início dos anos 2000 o grupo registou uma queda acentuada dos lucros devido aos investimentos no Brasil e a problemas operacionais na Polónia. Chegou a ter prejuízos em 2002. Temeu-se o pior, que um grupo com mais de 200 anos de história pudesse acabar. Foram tomadas medidas drásticas, nomeadamente com a saída do Brasil. Foi um episódio traumático, com o qual Alexandre Soares dos Santos dizia ter aprendido muito. E foi, seguramente, um dos momentos mais difíceis do grupo, até porque pelo meio teve de enfrentar a doença – e vencê-la.

Em 2002, tinha 68 anos, e desabafava assim no relatório e contas do grupo: “Um ano difícil terminou. Em 2002 o Grupo Jerónimo Martins propôs-se atingir um conjunto de objetivos muito bem definidos: reduzir a dívida para valores inferiores a 1.000 milhões de euros, concluir o processo de alienação de ativos não estratégicos, melhorar o cash flow operacional dos negócios e reposicionar as cadeias de retalho do Grupo em Portugal. No final do ano os resultados alcançados confirmam que estes objetivos foram integralmente cumpridos. De facto, a dívida financeira consolidada atingiu em 31 de Dezembro o valor de 836,7 milhões de euros, em resultado quer da alienação de ativos não estratégicos ou de performance insatisfatória, quer da recuperação operacional dos negócios estratégicos. No referido processo de alienação foram concluídos os processos de venda dos Supermercados Sé e da JM&M (Brasil), dos Hipermercados Jumbo (Polónia), da Lillywhites (UK), do negócio de águas (VMPS e empresas associadas) e já no início de 2003, dos Cash&Carry Eurocash (Polónia). Fruto da rigorosa implementação das opções estratégicas definidas, o cash flow operacional dos ativos estratégicos – ativos industriais, Pingo Doce, Feira Nova, Recheio e Biedronka - aumentou de 7,7% para 8,2% das vendas. Destas opções destacam-se o reposicionamento comercial de Pingo Doce e a refocagem de Feira Nova no consumidor final, processos que foram concluídos com total sucesso”.

2003 marcou o regresso aos lucros. E 2004 marcou uma importante mudança nos órgãos sociais do grupo: os cargos de presidente do conselho de administração e da comissão executiva são separados. Alexandre, na altura com 70 anos, ocupa o primeiro, e para presidente executivo vai um gestor fora da família, Luís Palha da Silva. Foi uma solução que durou seis anos. Em 2010 Alexandre continuou como presidente da administração mas o seu filho Pedro, então com 51 anos, passou a administrador-delegado, substituindo Luís Palha da Silva.

Alexandre Soares dos Santos manteve o cargo de presidente do conselho de administração até 18 de dezembro de 2013, culminando 46 anos na liderança do grupo. “É com indisfarçável orgulho que olho para o que fomos capazes de construir e para a experiência, conhecimento e capacidade que existem hoje em Jerónimo Martins. De facto, o Grupo que deixo encontra-se numa situação de grande solidez financeira, dotado de recursos humanos altamente qualificados e competentes e de gestores de topo profundamente conhecedores dos negócios e dos sectores de atividade, e com desenvolvidas competências de liderança”, dizia então na mensagem dirigida aos acionistas, no relatório e contas de 2013.

Pedro Soares dos Santos passou a acumular desde então os cargos de administrador-delegado com o de presidente do conselho de administração. Sobre este filho, disse uma vez: “Somos muito pouco diferentes”.

Na entrevista ao Expresso de 10 de fevereiro de 2018, contava como tinha saído: “O António Borges, no fim de uma reunião do conselho de administração, diz-me assim: “Alexandre, a nossa querida companhia está a perder agressividade”. Eu tomei nota e, quando cheguei a casa, contei à minha mulher e disse-lhe: “Amanhã, vou-me embora”. No dia seguinte, apresentei a carta de demissão e vim-me embora. O CEO e o chairman da Jerónimo Martins têm uma atividade constante. O meu filho Pedro é um desgraçado. Ou está na Colômbia ou na Polónia ou a caminho de outro lado".

“Chegámos a uma conclusão: o Pedro é o puro comandante da distribuição. E depois há pelouros na família: os investimentos, os controlos dos orçamentos. E foi para o José. Eles estavam então divididos e eu no meio. Agora, eu saí e entrou um senhor holandês a tempo parcial, para ser um moderador entre o Pedro e o José nas discussões e trazer o pensamento da multinacional. Não é fácil pegar numa companhia e transformá-la numa multinacional. Os procedimentos, as compras, as promoções, tudo é muito complicado. Assim, pela experiência até trouxe da Unilever, este modelo começou a ser desenvolvido. Assim, eu concentro o Pedro no desenvolvimento do Jerónimo Martins; o Zé na formação da família e de olhar para novos investimentos. E no meio está alguém com visão de multinacional”, esclarecia.

Sempre recusou a ideia de vender o grupo. Quando essa questão se colocou, recorreu ao exemplo do avô: “Se tenho um avô que aos dez anos abandonou a aldeia [na Beira] para ir trabalhar [para o Porto], o que nos deu um conforto brutal toda a vida, não tenho o direito de vender. Tenho é que o homenagear e agradecer o que nos deixou, e fazer crescer”.

Na entrevista que deu ao portal Sapo em junho passado, dizia mesmo: “A família tem determinados princípios de que não abdica. Primeiro: não vamos vender seja o que for, fazemos parcerias se forem de interesse para o grupo. Segundo: a empresa é para ser gerida por competentes. Terceiro: membros da família só podem entrar se apresentarem currículo; ou feito internamente, e para isso têm de ter experiência internacional, ou feito lá fora, com uma experiência adquirida que justifique serem convidados”.

Resta saber se o entendimento de todos os herdeiros continuará a ser esse: o de manter uma obra que, por muitos altos e baixos que possa ter tido, tem permitido a Portugal ter um grande grupo empresarial de capital português nas áreas da distribuição e da indústria.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: PLima@expresso.impresa.pt

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