Economia

Alexandre Soares dos Santos: “O número de licenças para os investimentos é uma loucura”

Alexandre Soares dos Santos: “O número de licenças para os investimentos é uma loucura”
Luis Barra
A atração de investimento estrangeiro tem de passar pela redução da carga fiscal e da pesada máquina burocrática, defende o empresário. Entrevista originalmente publicada a 10 de fevereiro de 2018
Alexandre Soares dos Santos: “O número de licenças para os investimentos é uma loucura”

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

A presença de António Costa, este ano [2018], em Davos, no Fórum Mundial, deixou Alexandre Soares dos Santos “muito contente”. Afinal, “é fundamental que o país e os nossos governantes apareçam em todos os sítios. É importante para termos notoriedade e atrairmos mais investimentos”, garante. A atração de investimento estrangeiro, nomeadamente por parte de sectores mais tecnológicos e inovadores, e o recente anúncio da criação de um centro de serviços da Google em Oeiras, assim como a eventual aposta da Amazon no Porto são vistos com bons olhos pelo empresário português, que se congratula com o facto de “ser sempre bom receber tipos novos com tecnologia moderna. Acabam por dar formação a todos os portugueses e, por isso, acolho essas notícias com grande alegria”. O desenvolvimento da economia passa, na sua opinião, precisamente pela capacidade de atrair holdings e novas tecnologias para Portugal — aplicando, depois, as suas boas práticas às indústrias tradicionais portuguesas, como os têxteis ou os vinhos, no sentido de as “remodelar”.

Mas para agilizar este processo de investimento de capital estrangeiro é preciso criar as “condições” certas. “Nesta altura, já devíamos ter uma solução para atrair as holdingsque estão em Inglaterra e que querem sair por causa do ‘Brexit’”, aponta. A começar pelo panorama fiscal. Por isso, Soares dos Santos vê com bons olhos a revisão dos benefícios fiscais anunciada esta semana pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. “Mas não vai estar pronta tão cedo. É um exercício muito complicado”, garante. Por ser um trabalho que “vai ter impacto na nossa vida e na das empresas”, defende que deve ser “bem feita, com tempo, por gente que sabe. Não pode ser feita por amadores nem pode ter carga ideológica”, refere. Como empresário, sabe a importância da estabilidade da lei fiscal para as decisões de investimento: “Nós fizemos um acordo com o Governo colombiano para, durante 13 anos, não haver alterações ao enquadramento fiscal que nos deram. Pedimos 17, deram-nos 13, ótimo. Sei que, durante 13 anos, a lei é aquela. Tem de ser assim.”

Por outro lado, há que reduzir a carga fiscal, “muito alta”, tanto para as empresas como para os contribuintes. “É que não é só o que pagamos de IRS. É a eletricidade, é a conta da água. Pagamos impostos por todo o lado. Isto vai ter de acabar”, considera.

Para que esta redução não tenha impacto na consolidação orçamental é preciso, em simultâneo, acelerar o fluxo de investimento. E isso só será possível com o combate à burocracia, que continua a ser muito pesada. “Há regras por todo o lado, é uma confusão”, assevera. A esse propósito, recorda a altura em que se encarregou “pessoalmente” de trazer para Portugal a Unilever, empresa de grande consumo anglo-holandesa (com a qual a Jerónimo Martins tem uma parceria), interessada em ter cá um centro: “Ao fim de quatro anos desistimos, porque o Governo não decidiu nada. Já se pensou nos milhares de pessoas que podiam vir para cá trabalhar e não vieram?”, questiona. E lembra ainda a história de um grupo norueguês que pediu a sua ajuda, depois de passar anos a tentar investir na aquacultura de pregado, mas que acabou por se ir embora. “É muito difícil investir neste país”, garante.

Recentemente, o grupo ficou “imenso tempo parado” à espera de um parecer da Direção-Geral do Ambiente ao novo centro de logística no Norte, em Valongo. É o maior centro logístico do grupo em Portugal, num investimento de €75 milhões: com cerca de 100 mil metros quadrados de área, criou, segundo o Grupo Jerónimo Martins, 450 postos de trabalho diretos e mais 300 indiretos, sendo responsável pelo abastecimento de 200 lojas Pingo Doce e Recheio. “Para se ter o parecer é preciso aguardar um ano, pelo menos. Eles não têm prazo para responder. Porquê?”, volta a questionar.

Na agricultura, refere Alexandre Soares dos Santos, a tarefa ainda é mais difícil — referindo-se à atividade de produção de gado que o grupo tem no Alentejo (a que se junta, agora, a atividade da aquacultura, em Sines): “O número de licenças necessárias é uma loucura. E nós até temos como responsável pela área um tipo catita, que já foi ministro da Agricultura, o António Serrano. Ele joga as mãos à cabeça e eu pergunto-lhe: ‘Então, quando você esteve lá não viu isto?’”, conta, bem-disposto.

Para o empresário, o combate à burocracia e à lentidão dos processos depende dos estímulos salariais e de carreira na Função Pública: “Assim, as pessoas estão lá a defender o seu. Além de agora se meter lá amigos do ‘partido’, não se dá estímulos à carreira. Não temos política salarial que justifique as pessoas terem ambição. As pessoas deviam ganhar em função dos resultados do seu trabalho”.

“Se não mato, morro”

Quando se lhe pergunta se a Jerónimo Martins venceu a guerra com a Sonae, atendendo ao volume de negócios e à densidade da rede de lojas Pingo Doce, Alexandre Soares dos Santos responde que os grupos são muito diferentes: “Somos completamente diferentes. Nós vendemos €16 mil milhões e eles vendem a mesma coisa há 10 anos. O problema da concorrência desapareceu. Nós hoje estamos claramente voltados para fora. E no grupo das 500 maiores multinacionais da distribuição somos a 56ª”, salienta. E quando se lhe pergunta se faz sentido Paulo Azevedo, presidente da Sonae (dona do Continente), queixar-se da quantidade de descontos feitos pelo Pingo Doce, o empresário remata: “A gente tem de dar pancada! Eu tenho é de ter uma medida exata sobre até onde é que posso baixar os preços. Se não mato, morro.”

Se o investimento em Portugal passa agora pela aposta na produção (de carne e peixe, sobretudo, “por absoluta necessidade, devido à falta de produção no país”), o foco está lá fora. Líderes de mercado na Polónia (com a marca Biedronka) e com a operação na Colômbia (rede Ara) a entrar “em pleno entre três a quatro anos”, há que encontrar um novo destino de crescimento. “Esse é o problema. Para onde vamos no futuro? Uma questão que tem de estar resolvida dentro de um ano”, garante. Resposta definitiva parece ainda não haver. No passado, Ucrânia e Rússia chegaram a ser mercados equacionados, mas foram abandonados. “Os EUA, um velho sonho meu, é impossível, porque não temos capacidade para aquele mercado tão concorrencial.” Na América Latina, com exceção do Chile, onde a oferta da distribuição “está cheia, o resto é só miséria”.

Ao mesmo tempo, numa altura em que a distribuição está a mudar rapidamente, fruto da tecnologia (que lança modelos como a AmazonGo, uma loja física sem caixas de pagamento, onde tudo é feito através de uma aplicação) e da mudança de hábitos dos consumidores (“que são hoje supercompletos” e com uma diversidade imensa de necessidades diferenciadas), é preciso encontrar o conceito daquele que será o supermercado do futuro. E esse é um grande desafio, ao ponto de a Jerónimo Martins estar a ponderar o seu papel na distribuição: “Vamos ter de mudar o layout da loja, durante o dia e ao final da tarde, para conseguir responder a todas estas necessidades? Vamos apostar no atendimento personalizado? Estes problemas têm de ter resolução, e nós temos de saber, dentro de um ano ou dois no máximo, que tipo de loja vamos ter”, conclui.

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