Economia

Motoristas. Porque é que a maioria pode não conseguir evitar a greve?

Motoristas. Porque é que a maioria pode não conseguir evitar a greve?
MÁRIO CRUZ

A Federação dos Sindicatos dos Transportes e das Comunicações – que não adere à paralisação de 12 de agosto –, conta com cerca de 5 mil filiados, enquanto o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas e o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias, que lançaram o pré-aviso de greve, têm no total cerca de 1900 associados. Afinal, o que afasta a federação e os sindicatos? E porque é que a maioria poderá ficar refém da minoria?

Motoristas. Porque é que a maioria pode não conseguir evitar a greve?

Liliana Coelho

Jornalista

Motoristas. Porque é que a maioria pode não conseguir evitar a greve?

Hugo Franco

Jornalista

A Federação dos Sindicatos dos Transportes e das Comunicações (FECTRANS), que conta com cerca de 5 mil filiados, reuniu-se esta terça-feira juntamente com a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e com o Governo. Ambos são contra a paralisação dos motoristas com início agendado para o próximo dia 12 de agosto: federação e patrões.

Mas o que separa a federação de sindicatos da CGTP, que representa a maioria, e os dois sindicatos que convocaram a greve – o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), que conta aproximadamente com 700 associados, e o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM), que tem cerca de 1200 filiados? E porque é que a maioria poderá ficar à mercê da minoria?

Segundo Anacleto Rodrigues, porta-voz do SIMM, a FECTRANS falhou desde logo por publicar a sua proposta para os motoristas no site da federação antes de enviá-la para os parceiros. “Ninguém duvide das manobras dilatórias da FECTRANS. A postura deles está a prejudicar os dois sindicatos”, acusou o responsável, admitindo desconhecer se a federação está a negociar a atualização da convenção coletiva de trabalho ou uma nova convenção. “Eles vangloriam-se de que são os únicos que estão a negociar com os patrões, mas eu teria vergonha em dialogar nos atuais termos”, insistiu.

ANTRAM está “pressionada” pelo Governo

Na opinião do porta-voz do SIMM, a ANTRAM está pressionada pelo Governo, enquanto a FECTRANS está a beneficiar dessa pressão “boicotando as aspirações dos associados” do sindicato, que foi fundado em 2015 com o propósito de exigir aos patrões que cumprissem a lei que estava em vigor na altura.

O Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias, explica Anacleto Rodrigues, nasceu “fruto da revolta e indignação dos motoristas que decidiram tomar em suas mãos a correção das injustiças de que têm sido vítimas nos últimos 20 anos.”

Quatro anos depois, o SIMM continua nessa luta considerando que os patrões mantêm-se “intransigentes”, manifestando-se apenas abertos a renegociar uma ou outra cláusula. Quanto à hipótese de a FECTRANS assinar a nova convenção coletiva de trabalho com a ANTRAM, aplicável a todo o sector, Anacleto Rodrigues garante que o sindicato não vai aceitar esse cenário. “Não reconhecemos que negoceiem pelos nossos direitos. E não vamos aceitar isso, nem que seja preciso avançar para tribunal. Além disso, não basta lançar números e dizer que são a maioria, a federação vai ter que provar a sua representatividade”, acrescenta.

Sobre as declarações do porta-voz da ANTRAM, André Almeida, o dirigente do SIMM lamenta que tenha afirmado que não irão ceder “nem um milímetro” em relação ao acordo de maio. “Da nossa parte, só posso dizer que continuamos à espera de uma contraproposta. No sábado vamos questionar os nossos associados. Teremos que pensar bem: desconvocar a greve com base no quê, na mediação do Governo? Com que garantias? Mais direitos e dias de descanso? Aumentos salariais? Ou vai continuar tudo na mesma?”, questiona o responsável.

Motoristas dizem-se enganados pelos patrões

O vice-presidente e porta-voz do SNMMP, Pedro Pardal Henriques, reitera que a ANTRAM “enganou os motoristas”, contrariando a tese dos patrões que alegam que foi o sindicato que rompeu com as negociações. “Baixámos a nossa proposta de 1200 para os 900 euros de salário-base e desconvocámos a greve de maio. E depois a ANTRAM veio dizer que já só aceita 700 euros”, sublinha o porta-voz do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas.

Na segunda-feira, durante a reunião no Ministério das Infraestruturas, o SNMMP apresentou um conjunto de propostas com vista a uma solução para evitar a greve, com destaque para um contrato coletivo de trabalho com a duração de seis anos e aumentos graduais de 50 euros. Proposta essa que era até ontem desconhecida pelo SIMM, tal como admitiu o seu porta-voz, mas que entretanto foi aceite pelo sindicato independente. “O que nos une é quase tudo, consideramos que não valia a pena apresentar outra proposta”, justificou Anacleto Rodrigues.

No final do encontro, Pedro Pardal Henriques garantiu que o sindicato dos motoristas de matérias perigosas só poderia desconvocar a greve caso houvesse até sexta-feira “uma decisão quanto a quatro ou cinco pontos”, sem especificar cada um deles.

Fundado a 8 de novembro de 2018, o SNMM – que saltou para as páginas dos jornais em abril quando ameaçou parar com o abastecimento de combustível na primeira greve de motoristas causando enormes filas nas bombas – foi “idealizado com o intuito de melhorar, estruturar e unificar o sector profissional”, pode ler-se no seu site. Mas se as reivindicações se mantêm, o propósito de unificar o sector parece estar longe de ser alcançado.

FECTRANS discute cargas e descargas

Da parte da FECTRANS, o “tempo é de negociação” e “sem pressa”, não se sentindo pressionada pelo pré-aviso de greve dos motoristas agendada para a próxima segunda-feira. José Manuel Oliveira, dirigente da FECTRANS, adiantou que se está a negociar uma proposta que prevê um aumento de 630 para 700 euros no salário-base para todos os motoristas de pesados e de um total de 1040 euros para 1200 euros mensais brutos, assim como a questão das cargas e descargas, nomeadamente os tempos, a forma como são feitas e o controlo nos portos. Ainda em relação aos aumentos salariais, “só finda a discussão para 2020 avançaremos então para uma proposta de aumento para 850 euros de salário-base para 2021”, explicou José Manuel Oliveira.

Entretanto, cinco transportadoras anunciaram que vão dar entrada esta quarta-feira com uma providência cautelar no Tribunal do Trabalho de Lisboa a pedir a ilegalidade do pré-aviso de greve dos motoristas, alegando que está em causa o princípio da proporcionalidade. Já a ANTRAM insiste que os dois sindicatos que convocaram a greve têm noção do “poder incontornável” que têm nesta paralisação, nomeadamente o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas que garante o abastecimento de combustíveis.

O Presidente da República apelou, por sua vez, esta terça-feira ao diálogo com vista ao entendimento entre as duas partes, considerando que “uma coisa é uma greve de motoristas vista como contra os patrões e o Estado”, outra é também como sendo “contra muitos dos portugueses”.

Nos últimos dias, o Governo tem feito grande pressão junto de motoristas e patrões para chegarem a acordo de forma a evitar a paralisação, por tempo indeterminado, que terá fortes consequências ao nível do abastecimento de combustíveis e de mercadorias.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: lpcoelho@expresso.impresa.pt

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