Economia

Fisco apanhou 100 contribuintes portugueses no Malta Files (e recuperou 8 milhões)

O fisco não revelou quais os contribuintes que corrigiram as suas declarações, mas a estrutura de Malta dos sócios portugueses da Deloitte foi um dos casos revelados pelo Expresso nos Malta Files.
O fisco não revelou quais os contribuintes que corrigiram as suas declarações, mas a estrutura de Malta dos sócios portugueses da Deloitte foi um dos casos revelados pelo Expresso nos Malta Files.
PARIVARTAN SHARMA / REUTERS

Investigação jornalística do Expresso e do consórcio EIC em 2017, que revelou haver 465 portugueses com empresas em Malta e uma estrutura que envolvia 48 sócios da auditora Deloitte, levou à inspeção de 100 contribuintes por parte da Autoridade Tributária. Uma parte pagou voluntariamente os valores em falta

Fisco apanhou 100 contribuintes portugueses no Malta Files (e recuperou 8 milhões)

Miguel Prado

Editor de Economia

A Autoridade Tributária (AT) conseguiu em 2018 recuperar mais de 8 milhões de euros através de uma investigação conduzida a partir das notícias que o Expresso publicou no âmbito do projeto jornalístico Malta Files, em parceria com o consórcio EIC – European Investigative Collaborations.

No relatório anual de “Combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiras”, o Governo lembra que na investigação Malta Files “é descrito um esquema de aproveitamento abusivo do regime fiscal que vigora em Malta, utilizado por diversas empresas e indivíduos com o objetivo de reduzirem a tributação efetiva dos lucros obtidos e/ou não serem tributados no seu país de residência, por aplicação do regime da Participation Exemption”.

Na sequência dessas notícias”, aponta o relatório, foi efetuado “o levantamento das situações relatadas, tendo sido instaurado um processo de investigação administrativa que envolveu 100 sujeitos passivos, sendo 51 individuais e 49 coletivos, tendo resultado em regularizações voluntárias no montante de €31.868.370,00 de rendimento coletável, que conduziu a uma arrecadação efetiva de imposto superior a 8 milhões de euros e juros compensatórios de cerca de 900 mil euros”.

O relatório é omisso quanto às entidades que procederam às regularizações voluntárias e não foi possível obter do Ministério das Finanças esclarecimentos adicionais com o argumento de que "as questões colocadas pelo Expresso exigiriam respostas que, ou violariam o sigilo fiscal, ou entrariam no detalhe dos procedimentos específicos utilizados pela AT no combate à fraude e evasão fiscal".

Recorde-se que nos Malta Files o Expresso revelou a 27 de maio de 2017 que a jurisdição maltesa foi usada por 48 sócios portugueses da auditora e consultora Deloitte para canalizar para Portugal 53 milhões de euros em prémios, que foram repartidos por 49 empresas portuguesas controladas por aqueles “partners” da Deloitte.

A estrutura montada em 2014 em Malta permitiu sujeitar rendimentos brutos de 56 milhões de euros a uma tributação efetiva de apenas 5%, levando a que, ao abrigo do regime de “participation exemption” (que isenta de tributação os dividendos relativos a determinadas participações empresariais), os rendimentos que deram entrada nas sociedades portuguesas não fossem alvo de nova tributação.

Deloitte não comenta assuntos privados dos sócios

Questionada sobre se foi alvo entre 2017 e 2018 de uma investigação tributária em Portugal e sobre se a empresa ou algum dos seus sócios regularizaram as respetivas declarações fiscais após os Malta Files, a Deloitte respondeu da seguinte forma: "A Deloitte não comenta assuntos de natureza privada dos seus sócios ou colaboradores. A Deloitte não tem qualquer notificação da AT que possa originar correções nas declarações fiscais".

No âmbito dos Malta Files o Expresso revelou também o universo de portugueses que até 2016 tinham recorrido àquela jurisdição fiscal, que então tinha registadas 50 mil empresas, muitas delas motivadas pela facilidade em conseguir uma tributação efetiva de apenas 5%.

Segundo apurou então o Expresso, havia há dois anos 465 cidadãos portugueses acionistas de empresas em Malta, dos quais 381 eram residentes em Portugal. A lista dos interesses portugueses em Malta envolvida empresários e gestores conhecidos, como José Berardo, Miguel Pais do Amaral, Nuno Vasconcellos, João Gama Leão e Eduardo Rodrigues, entre outros.

A investigação jornalística Malta Files envolveu 49 jornalistas de 13 publicações de 16 países, através do consórcio europeu EIC – European Investigative Collaborations. O consórcio EIC já em 2016 tinha conduzido a investigação Football Leaks (continuada em 2018), em que revelou como várias estrelas do futebol recorreram a paraísos fiscais para ocultar rendimentos e pagar menos impostos, acabando alguns deles por entregar largos milhões de euros ao fisco espanhol, como aconteceu com Cristiano Ronaldo.

O resultado dos Malta Files é descrito num capítulo do relatório de combate à fraude que analisa outras ações especiais do fisco, como a que tem envolvido os Panama Papers, outra investigação jornalística de que o Expresso fez parte. Globalmente os Panama Papers já levaram a recuperações de impostos no valor de mil milhões de euros.

Até ao final do ano passado a AT já tinha analisado 111 contribuintes portugueses identificados nos Panama Papers, e que o fisco agrupou em 23 processos de investigação e em 36 outros processos enviados a várias direções de Finanças.

Segundo o Governo, até final do ano passado tinham sido concluídos nove processos, mas apenas um apresentou resultados em sede de IRS, que nesse caso gerou um acréscimo ao rendimento de 4,6 milhões de euros. O relatório não indica qual o montante adicional de imposto arrecadado pelo Estado.

A conclusão dos restantes casos dos Panama Papers está a aguardar informação que Portugal solicitou a autoridades tributárias de outros países.

O relatório do Governo analisa ainda o resultado da ação do fisco em torno das revelações do Swissleaks, que envolvia 99 sujeitos passivos em Portugal. O balanço não é satisfatório. “É possível constatar que os resultados das ações efetuadas foram insignificantes face ao dispêndio de recursos necessários”, lê-se no documento.

Dessa ação resultaram até hoje propostas de correção ao rendimento em sede de IRS no valor de 681 mil euros e regularizações voluntárias de outros 272 mil euros.

A maior parte dos indivíduos identificados aderiu aos sucessivos regimes de regularização (RERT), repatriando para Portugal o património que não tinham declarado.

Suspeitas de operações fraudulentas no futebol

Além do balanço dos casos Swissleaks e Panama Papers, a AT menciona também que “durante o ano de 2018, continuou a acompanhar-se o sector do desporto, nomeadamente no que respeita ao futebol profissional, dados os valores envolvidos nas transações de jogadores, respetivas comissões de intermediação e direitos de imagem”.

Em particular, a Inspeção Tributária e Aduaneira vasculhou os negócios realizados nos anos de 2015 e 2016 e instaurou processos de investigação administrativa a clubes de futebol, jogadores e agentes, “com vista a analisar as relações entre os mesmos”. No relatório de 2017 era dito que a unidade antifraude da AT tinha instaurado 90 processos.

Em 2018, foram terminados 30 processos de investigação administrativa, dos quais resultaram propostas de correções em IRC de mais de 3,5 milhões de euros e no IVA de cerca de 436 mil euros. Foram ainda detetados “indícios da prática de operações fraudulentas, que se encontram atualmente ao abrigo do segredo de justiça”.

A atuação do Fisco em 2018 resumida em dez pontos

1. O valor de correções resultantes do combate à fraude e evasão fiscais atingiu os 1.837 (o objetivo eram 1500 milhões de euros). Em 2017, o valor arrecadado tinha sido de 1.731,5 milhões de euros;

2. Foram realizadas a nível nacional 127.860 ações de inspeção, acima das 114.759 realizadas no ano anterior;

3. A cobrança coerciva atingiu 1.290,3 milhões de euros, mais 218,5 milhões;

4. As correções à matéria coletável declarada pelos contribuintes ascenderam ao valor de 4.269 milhões de euros. Em 2017 estas correções tinham sido de 3.779 milhões;

5. Foram emitidas 3.419 notas de cobrança de IRC, no valor de 481 milhões de euros, efetuadas pela Inspeção Tributária, contra as 2.970 notas de cobrança, de 337 milhões de 2017;

6. Em resultado dos processos de contraordenação concluídos foram cobrados 277,45 milhões de euros (291,49 milhões no ano anterior);

7. Foram instaurados 4.352 processos de inquérito por crime fiscal, em linha com os 4.537 processos de 2017;

8. A área antifraude aduaneira fez apreensões de mercadorias no valor de 15,4 milhões de euros, um desempenho em baixa face aos 27,4 milhões registados um ano antes;

9. Durante 2018 foram analisadas, pela ITA, 1.601 denúncias e participações, das quais 1.102 foram provenientes de outras entidades públicas e 499 de entidades externas, incluindo particulares. Estes casos estão, sobretudo, relacionados com arrendamento (9%) e com a não emissão de faturas ou omissão de rendimentos (25%). Em 2017, o Fisco recebeu 2.618 denúncias e participações;

10. Em 2018 registaram-se 1.935.792 penhoras marcadas, muito menos do que em 2016, que foi o ano com o maior sempre (3.968.620) e recorde-se que foi também nesse ano que forma adotadas novas regras para a proteção da habitação de família em processos de execução fiscal. Em 2017 o número de penhoras diminuiu cerca de 36%.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mprado@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate