Fisco proibido de ir a casamentos. Operação Stop tinha sido comunicada a Lisboa
Em Janeiro, um despacho do diretor de Finanças do Porto deu conta à diretora-geral da Autoridade Tributária da intenção de fazer operações Stop
Em Janeiro, um despacho do diretor de Finanças do Porto deu conta à diretora-geral da Autoridade Tributária da intenção de fazer operações Stop
Jornalista
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A operação stop realizada à beira da autoestrada 42 junto à rotunda de Alfena, concelho de Valongo, foi comunicada aos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). A iniciativa consta no Plano de Ação de Atividades para 2019, bem como no plano específico para a Justiça Tributária, da Direção de Finanças do Porto, cujo diretor, José Oliveira e Castro, acabou por se demitir na sequência da polémica que se instalou. Nestes planos regionais, a que o Expresso teve acesso, numa parte descrita como “ações de visibilidade externa” está determinado “promover em todo o distrito ‘operações stop’ em estradas com grande fluxo de trânsito de forma a identificar veículos automóveis de devedores com vista à sua penhora ou apreensão no caso de já se encontrarem penhorados, quando estes não regularizem de imediato a sua situação”. O Expresso teve também acesso ao despacho em que o diretor do Porto deu conta, em janeiro, do Plano de Ação de Atividades à diretora-geral da AT, Helena Borges, bem como a todos os subdiretores-gerais.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), António Mendonça Mendes, garante que “não tinha conhecimento absolutamente nenhum desta ação e não tinha de ter”. E, entretanto, proibiu o Fisco de perturbar noivos no dia da boda quando se iniciarem as fiscalizações a este sector.
O governante sustenta que a polémica ordem não “foi definida centralmente” e que “as ações de inspeção desenvolvidas por iniciativa regional não são previamente validadas centralmente, cabendo ao órgão de execução (diretor de Finanças) definir a proporcionalidade entre os meios empregues e os objetivos visados”, mas não ser validado não significa que não seja comunicado, como revela o despacho a que o Expresso teve acesso, ou discutido.
Os diretores de finanças de Lisboa e do Porto têm assento no Conselho de Administração da Autoridade Tributária e Aduaneira (CAAT), que reúne todos os meses, e onde se fazem análises de desempenho da cobrança a nível distrital e das metodologias para lá chegar. A última reunião do CAAT decorreu na passada quinta-feira, depois do diretor de Finanças do Porto se ter demitido. O Expresso sabe que António Mendonça Mendes esteve presente nessa reunião e dando o exemplo das inspeções aos casamentos que o Fisco pretende levar a cabo, chamou a atenção para a forma como essas ações vão ocorrer, tendo proibido a AT de ir fiscalizar no dia da festa.
Além desta ação de Valongo, também em maio, terão sido realizadas outras quatro operações no distrito do Porto. Na passada terça-feira de manhã, a comunicação social foi avisada sobre a operação, que foi levada a cabo por pessoal dos serviços de Finanças e da Justiça Tributária, que pertencem à direção do Porto, além da guarda territorial da GNR. Horas depois a ‘Ação sobre Rodas’ foi cancelada pelo SEAF, que frisa ao Expresso que este tipo de ação vai contra “a orientação do Governo de que a AT tem a obrigação de fazer compliance e de apoiar os contribuintes no cumprimento voluntário”. Sobre a operação de Valongo “já sabemos que foi desproporcional, mas há que verificar se os direitos dos contribuintes foram assegurados”, frisa.
O SEAF abriu um inquérito para ter conhecimento “exatamente” do que aconteceu durante a ação em Valongo. “Quero saber se os direitos dos contribuintes foram acautelados e se não foram têm que ser repostos”, afirma ao Expresso. As dúvidas do SEAF têm reflexo na opinião de várias fontes próximas da AT que apontam o dedo a possíveis ilegalidades. Aliás, este respeito um ex-inspetor da direção de Finanças do Porto salienta que “os fiscais andam sempre na corda bamba, entre o legal e o ilegal”.
“A lei determina minuciosamente todo o processo da execução fiscal. No caso de uma penhora de um veículo, a lei diz que primeiro detetam-se a viaturas que existem no património do devedor e, depois de vários cruzamentos de dados, comunica-se à conservatória a penhora e, caso esteja tudo bem, a penhora fica registada”, explica fonte. O passo seguinte é notificar o devedor da penhora e pedir a entrega dos documentos do veículo que ficam apreendido pelas Finanças — regra geral, o devedor fica como fiel como depositário da viatura. “Só depois da certeza de que o contribuinte recebeu a carta e que passou o prazo para a entrega da viatura é que a polícia intervém para a apreensão”, garante, frisando que “no caso desta operação de Valongo trouxeram para o princípio da linha, o que devia estar no fim, que é a apreensão dos veículos”.
Para o SEAF o ponto-chave é acautelar como as ações são desenvolvidas no terreno porque não vai abrandar o combate à fuga aos impostos. “Não desvalorizamos a necessidade de manter os níveis de fiscalização e de combate à fraude e evasão fiscais.”
O Expresso contactou, por diversas vezes, o ex-diretor de Finanças do Porto, que se escusou a prestar declarações. José Oliveira e Castro, antigo autarca pelo PSD, estava a um ano de terminar o seu mandato e foi indicado, em 2015, pela antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque para o cargo.
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