Economia

MP leva fraude com marisco a tribunal

MP leva fraude com marisco a tribunal
Foto Tiago Miranda

Ministério Público tem ainda em investigação desfalques de IVA em negócios com smartphones e discos de memória SSD

MP leva fraude com marisco a tribunal

Miguel Prado

Editor de Economia

Embora haja padrões que se repetem, a fraude carrossel no IVA pode ocorrer em produtos muito variados, e por vezes até surpreendentes. O Ministério Público, por exemplo, tem entre mãos três processos muito variados: um de mariscos, em relação ao qual acaba de deduzir acusação, um de smartphones, um produto de preocupação crescente das autoridades, e outro ainda de memórias SSD para computadores.

A fraude com mariscos conheceu despacho de acusação em abril e abrange uma rede que se dedicava à importação do produto dos PALOP para ser reexportado para países europeus, sempre sem pagar imposto. No caso dos smartphones, está em causa a operação batizada ‘Smartprice’, que levou 69 inspetores da Autoridade Tributária (AT) e 64 militares da GNR a realizar buscas em dezenas de escritórios e residências. Foram apreendidos mil equipamentos e foi detido o alegado cabecilha do esquema, um português, suspeito de associação criminosa, fraude e eventual branqueamento de capitais. Os pormenores da operação não foram revelados mas é dada como um bom exemplo da cooperação internacional em sede do Eurofisc (uma rede de inspetores tributários a nível europeu) e da atenção que as autoridades dão aos pequenos sinais. Foi uma operação de €70 mil detetada no seio deste fórum que deixou os inspetores com a pulga atrás da orelha e no encalço de uma fraude avaliada em €10 milhões.

Os alarmes soaram em 2015, as buscas ocorreram em 2016 e, ao Expresso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma que tanto este caso, como um outro relacionado com a importação de memórias SSD para computadores ainda se encontram em investigação.

Além destes casos de maior dimensão, “foram ainda detetadas algumas situações mais esporádicas e de menor dimensão, nos sectores de comercialização de produtos alimentares, em especial de peixes e mariscos, e ainda no setor dos consumíveis de informática, designadamente tinteiros e toners de impressoras”, adiantou a Autoridade Tributária ao Expresso, que está também de olho na comercialização de certificados verdes. Trata-se de títulos transacionáveis pelos produtores de energias renováveis que, apesar de ainda não terem registado aí qualquer ocorrência, já estão no radar das autoridades europeias. Outras fontes ouvidas pelo Expresso ligam ainda o sector automóvel a um aumento das fraudes, agora que a economia recupera.

A fraude carrossel no IVA é um dos crimes fiscais mais comuns com que a AT, Unidade de Ação Fiscal da GNR e Policia Judiciária lidam, mas muitos deles acabam por ficar sem castigo. Sempre que deteta operações suspeitas, o Fisco avança com a cessão oficiosa do seu registo (ver página seguinte), impedindo que as fraudes se expandam. Mas, dada a dificuldade de localizar os testas de ferro de empresas muitas vezes fantasma e de apreender o produto do crime, faz com que, no dia seguinte, eles voltem ao ativo.

Mesmo quando há matéria para levar as investigações mais avante, vários inquéritos do MP acabam arquivados. Por exemplo, em 2011 foi arquivado um processo em que havia indícios de crimes fiscais de carácter transnacional com a importação de telemóveis e a sua reexportação para outros países europeus. O DCIAP estimou então que as transações feitas entre 2003 e 2006 geraram perdas de IVA a nível europeu de €14 milhões, mas a própria AT assumia que “daí não resultou qualquer quebra de imposto para o nosso país”, e os países mais diretamente interessados tardaram em partilhar informação. Sem prejuízo direto para os cofres públicos, com escassos elementos e sem provas para uma acusação por “associação criminosa”, os suspeitos foram ilibados.

Depois ainda, dentro do núcleo mais reduzido de processos que chegam a julgamento as condenações acabam por saber a pouco, o que as fontes ouvidas pelo Expresso ligam à reduzida formação dos magistrados na área do crime económico-financeiro e à própria moldura penal. A fraude fiscal é punida com prisão até três anos, e a fraude qualificada, bem mais difícil de provar, com cinco anos: ‘bagatelas penais’ que fazem com que, no final do dia, o crime continue a compensar.

Outra dificuldade ainda em provar a cumplicidade das empresas legítimas que acabam por ter um papel relevante na cadeia da fraude. É o caso dos compradores finais dos produtos, que os adquirem a preços bem abaixo do mercado, o que é um indício da sua origem duvidosa. E é o caso dos brokers, com a AT a assumir que a “a principal dificuldade reside na recolha de elementos que provem que todos os intervenientes da rede, e em especial os brokers, tinham conhecimento de que estavam a adquirir os bens numa rede de fraude e consequentemente a defraudar o Estado”.

O Expresso perguntou ao MP quantos processos-crime relacionados com o “carrossel do IVA” foram investigados nos últimos 20 anos, quantos resultaram em acusações e quanto dinheiro foi recuperado, mas, segundo a PGR “o sistema não permite fornecer os dados solicitados”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: emiranda@expresso.impresa.pt

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