Como Paulo Azevedo mudou a Sonae em cinco passos
Foram 12 anos na liderança executiva da Sonae, sempre num registo discreto, mas que deixou marcas na empresa
Foram 12 anos na liderança executiva da Sonae, sempre num registo discreto, mas que deixou marcas na empresa
Jornalista
Quando chegou à presidência executiva da Sonae SGPS, em março de 2007, Paulo Azevedo começou de imediato a falar de “novas avenidas de crescimento” e de “capital light”, duas expressões que marcaram o seu discurso e a sua estratégia no período de 12 anos em que liderou a Sonae. E o tom foi mantido, mesmo depois de ter ao seu lado Ângelo Paupério como co-líder executivo, e assumir a presidência do conselho de administração do grupo, em 2015.
Falhou nas entradas da Sonae MC em Angola e na bolsa. Já admitiu que gostaria de ter contribuído mais para a internacionalização da Sonae, que ainda tem 90% dos seus negócios em Portugal e dois terços da faturação no retalho alimentar.
Na mensagem deixada no último relatório e contas do grupo, fica clara alguma desilusão com o desempenho da Sonae SGPS no mercado de capitais: “O desempenho das nossas ações foi negativo durante o ano. Estamos desapontados por o valor dos nossos ativos não estar refletido no preço das nossas ações e, particularmente, pelo facto de um ano tão bom em termos de resultados operacionais e de criação de valor não ter resultado num desempenho positivo no mercado de capitais. No futuro, estamos comprometidos em melhorar a nossa comunicação com o mercado, não apenas com os maiores acionistas, com um foco especial na explicação das principais decisões estratégicas”, afirma.
Mas esta terça-feira, na passagem de testemunho à irmã mais nova, Cláudia, deixa uma Sonae diferente, desde logo na dívida, que reduziu significativamente nos últimos anos, e na forma como o grupo passou a envolver-se em negócios sem ter uma posição de controlo, duas das cinco marcas que deixa impressas na história recente da pequena empresa quase falida que o pai transformou no maior empregador privado do país.
No estilo de liderança, a principal diferença face à frontalidade de Belmiro de Azevedo, será o tom discreto assumido por Paulo que ao longo dos últimos anos deu poucas entrevistas e fez poucas intervenções públicas. Mesmo assim, soube vestir literalmente a camisola Sonae numa apresentação de contas do grupo para dizer que estava com camisa e casaco da Mo, calças da Salsa e sapatilhas da Berg, tudo marcas do grupo.
Na empresa, o comando da Sonae passou a ser menos centralizado, como prova a decisão de dividir a presidência executiva do grupo com Ângelo Paupério, que já disse ser a sua “alma gémea” na gestão. E no balanço final do trabalho feito, foi claro: "Há muitas coisas que fiz mal e de que me arrependo de ter feito da forma como fiz, mas felizmente, a maior parte delas não teve um impacto grande (na empresa".
1 - Redução da dívida em 50%
Em 2007, a dívida da Sonae rondava 3 mil milhões de euros. Em 2018 está em 1,3 mil milhões. Se, quando chegou, o peso da dívida em relação com os capitais próprios do grupo era de dois terços, hoje o cenário inverteu-se. E isto num quadro em que o grupo continuou a crescer, com o número de trabalhadores a aumentar quase 20%, para 53 mil, o volume de negócios a aumentar de 28%, para 5.951 milhões de euros, e o portfólio a aumentar com novos negócios e marcas, da saúde e bem estar à moda, tecnologia ou serviços financeiros.
2 – Novas formas de investimento
Só em 2018, o grupo investiu 702 milhões de euros, o que significa uma média diária de 1,9 milhões de euros. Para conciliar isto com a redução de dívida, um momento em que a banca cortava financiamentos na sequência da crise financeira mundial e que apanhou pelo meio os anos da troika, a estratégia seguida passou por fazer parcerias, criar franquias e reciclar capital, vendendo ativos imobiliários, designadamente na área dos centros comerciais e da distribuição, onde usou o modelo sale & leaseback (venda e posterior arrendamento). Desde 2008, a venda de ativos no retalho, traduziu-se na redução de 80% para 43% no nível de detenção dos espaços onde as insígnias da Sonae MC estão presentes.
3 – Novos modelos de negócio
Fiel a esta estratégia de crescer sem aumentar o nível de endividamento, a liderança de Paulo Azevedo e Ângelo Paupério apostou em novos modelos de negócio, cruzando franquias, vendas online, wholesale (vendas de produtos de marcas Sonae a outros retalhistas) e prestação de serviços. Nos últimos quatro anos, o peso destas quatro áreas no grupo aumentou 68%, para os 884 milhões de euros, como Paulo Azevedo fez questão de sublinhar na última apresentação de contas da Sonae. E o grupo, com os seus produtos, passou a marcar presença em 74 países.
4 – Ceder controlo para ganhar escala
Belmiro de Azevedo sempre gostou de controlar os negócios em que se envolvia. O filho não hesitou em concretizar operações em que a Sonae cedeu o comando em nome de ganhos de escala, como quando se aliou a Isabel dos Santos para criar a Nos, a partir da fusão da Optimus com a Zon, aceitando uma participação de 23% na nova empresa, ou passou a dividir o capital da MDS (seguros) com o grupo brasileiro Suzano. No caso da Sport Zone, a fusão com a JD Sprinter também significou perder o controlo da marca para ter 30% no segundo maior retalhista de artigos desportivos da Península Ibérica, com um volume de negócios de 500 milhões de euros e uma quota de 11% no canal desporto em Portugal e Espanha.
5 - Serviços financeiros e tecnologia
Os serviços financeiros, já apresentados como uma unidade de negócio autónoma no grupo, ainda têm pouco peso na Sonae, mas são considerados um dos segmentos de negócio com grande potencial de crescimento no futuro próximo, com o cartão universo a aproximar-se dos 750 mil utilizadores ao fim de três anos, já mais usado fora da Sonae do que no seu universo, na terceira posição no mercado nacional no ranking de pagamentos com cartão de crédito. Outra área que começou a expandir-se nos últimos anos através da Sonae IM e de várias aquisições à escala global foi a tecnologia e a cibersegurança. A Sonae tem uma participação de 50,74% no fundo Armilar 2, acionista de referência da Outsystems, um unicórnio de origem portuguesa, tal como a Farfetch, o que significa que tem uma avaliação superior a mil milhões de euros
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