82.656 horas a trabalhar até à reforma

Jornalista
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Se perguntar a um alemão qual a imagem que tem de Portugal, provavelmente a resposta passará pelo sol, praia, esplanadas e gastronomia. Em suma, o lado bom da vida. A palavra trabalho ficará, quase na certa, fora desta equação. Em Portugal, um trabalhador daria provavelmente uma resposta diferente. É que, em média, os portugueses trabalham mais 366 horas anuais do que os alemães. Aliás, os profissionais daquele país são quem regista menor número de horas anuais dedicadas à carreira nos países da União Europeia (UE). Para quem está a entrar no mercado de trabalho em Portugal, a perspetiva é ter pela frente, até à reforma, mais 21.636 horas de trabalho do que na Alemanha.
E Portugal nem figura sequer nos primeiros lugares das economias onde mais se trabalha por ano, considerando os países da UE para os quais há dados disponíveis na base da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Com 1722 horas de trabalho anuais contabilizadas em 2018, o país ocupa a 8ª posição numa tabela liderada pela Grécia onde, no mesmo ano, se trabalhou em média 1956 horas.
Mas os portugueses ficam quase no topo da lista quando se somam as horas de trabalho ao longo da vida para quem está entrar no mercado. Assumindo como hipótese o início de carreira com 20 anos em 2018 e uma carreira ininterrupta, a OCDE antecipa que a idade normal da reforma em Portugal só chegará aos 68 anos (tendo em conta as regras em vigor). Apenas a Dinamarca (74 anos), a Itália (71) e a Holanda (71) superam esta idade.
Contas feitas, estes jovens trabalhadores têm pela frente 48 anos de carreira até à reforma. Ou seja, 82.656 horas de trabalho, se não se reformarem antecipadamente. Isto, partindo do pressuposto que o número médio anual de horas de trabalho se mantém inalterado no mesmo patamar de 2018, um ano em que o PIB português estava próximo do seu potencial (até ligeiramente acima). Já a Alemanha fica quase no fundo da tabela das horas trabalhadas ao longo da carreira, superando apenas o Luxemburgo.
Acha que se está a trabalhar cada vez menos em Portugal? Desengane-se. É uma ilusão. É verdade que, em média, o número de horas anuais de trabalho desempenhadas por cada pessoa empregada no país tem vindo a diminuir nas últimas décadas. Em 1970 trabalhava-se, em média, 1956 horas por ano, um número que compara com 1722 em 2018. São menos 234 horas por ano. É o resultado de um conjunto de fatores, onde se inclui a redução do número de horas de trabalho semanais.
Porém, se contabilizarmos toda a carreira profissional, a conclusão é inversa. Ou seja, o número de horas trabalhadas ao longo da vida tem vindo a aumentar. A explicação é simples: a redução em termos anuais é mais do que compensada por carreiras cada vez mais mais longas.
Os números falam por si. Quem se reformou em 2016 pelo regime geral da Segurança Social (último ano com dados disponíveis) tinha, em média, 27,2 anos de carreira contributiva. Mais dois anos de contribuições do que em 2009. E, no início do século, em 2001, a duração média das carreiras era ainda mais baixa ficando-se pelos 20,6 anos. É certo que entre os funcionários públicos que, em regra descontam para a Caixa Geral de Aposentações, as carreiras tendem a ser mais longas. Mas o regime geral da Segurança Social abrange a maioria dos trabalhadores em Portugal e há carreiras mais curtas.
Traduzindo estas carreiras em horas trabalhadas, são 47.058 horas para quem se reformou em 2016, 43.824 para os que chegaram à pensão em 2009 e 36.282 horas para quem saiu da vida ativa em 2001. No espaço de 15 anos, a carreira aumentou em quase 11 mil horas de trabalho. Um cálculo que implicou assumir carreiras sem interrupções e concentrando todos aos anos de trabalho no período mais perto da reforma.
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