Economia

Calçado. Uma indústria debaixo de “várias tempestades perfeitas”

Calçado. Uma indústria debaixo de “várias tempestades perfeitas”
fotografias fernando branquinho

As palavras são de Matt Priest, presidente da Federação dos Distribuidores e Retalhistas Americanos e surgem numa altura em que a indústria portuguesa de calçado quebrou um ciclo de oito anos consecutivos de crescimento das exportações. O sismo é global e o epicentro está no online e nos novos hábitos dos consumidores, mas o país ainda tem uma janela de oportunidade

Há "uma fusão de várias tempestades perfeitas" no ar, a abalar a indústria do calçado à escala global e, também em Portugal. As palavras são de Matt Priest, presidente da FDRA - Federação dos Distribuidores e Retalhistas Americanos e um dos maiores especialistas mundiais do sector, em declarações ao jornal da APICCAPS - Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Sucedâneos.

As empresas portuguesas sabem bem do que Matt Priest está a falar. O sector apontado como exemplar na indústria nacional, com oito recordes consecutivos nas exportações, viu as vendas ao exterior caírem 2,65% no ano passado, para os 1,904 mil milhões de euros, e arrancou 2019 em perda, a cair 10% em janeiro, mas à espera de recuperar, uma vez que o arranque do ano é tradicionalmente difícil.

No diagnóstico do quadro atual, a afetar Portugal, mas também os outros países produtores, pesam fatores vários, das alterações climáticas, à retração do consumo na Europa ou ao "novo comportamento dos clientes", com as vendas online e diretas ao consumidor a trazerem alterações de peso à cadeia de retalho e ao modelo habitual de negócio. E é ainda preciso considerar a viragem nas tendências de moda para o calçado desportivo, quando a indústria nacional ganhou fama internacional nos modelos mais clássicos.

É por tudo isto que Matt Priest, refere a conjugação de várias tempestades perfeitas, a forçar grandes ajustamentos do lado da indústria. É um ambiente desafiador e perturbador que pode ter vindo para ficar, admite o presidente da FDRA, reconhecendo que a instabilidade atual pode tornar-se "o novo normal".

Aliás, as mudanças em curso no padrão do retalho, por força do mundo digital, tenderão a acentuar-se com a chegada dos consumidores mais jovens ao mercado, alerta.

Na resposta, as empresas têm de ajustar-se e tornar-se cada vez mais ágeis. "Esta realidade não é surpresa para ninguém na cadeia de retalho e o sector do calçado está a dar grandes passos para que, num futuro muito próximo, a maioria dos sapatos sejam adquiridos online", diz o presidente da FDRA.

A janela de oportunidade de Portugal

"Então, enquanto indústria, o que podemos fazer?", pergunta o jornal da APICAPPS. E Matt responde: "podemos olhar para líderes do sector que se estão a tornar tão ou mais ágeis que os clientes que compram os seus produtos". E aponta a marca desportiva Nike como exemplo do que pode ser feito, ao abrir caminho "através da reestruturação da rede de distribuição de lojas (reduzindo redes independentes e pequenas cadeias regionais) para colocar o foco na relação direta ao consumidor
Tudo isto, diz, numa altura em que "o fluxo e a frequência de informação, a tecnologia, reformataram o cérebro humano e a atenção do consumidor", estimulando uma "procura eterna do que é novo".

Flexibilidade e tiragens limitadas, podem ajudar as empresas a responder à nova conjuntura de consumo. Assim, num momento em que as marcas têm de repensar o que fazem e onde o fazem, com as tarifas aduaneiras a assumir importância crescente e os compradores cada vez mais interessados na proveniência dos produtos, Portugal pode tirar alguma vantagem da sua força industrial e versatilidade. Mas, atualmente, 95% da produção ainda está focada na China, Vietname e Indonésia, e os desafios de desenraizamento "são caros", sublinha Matt Priest que já veio várias vezes a Portugal, a convite da APICCAPS e tem trazido compradores americanos ao país.

Quanto aos sapatos a fazer, o presidente da FDRA não tem dúvidas de que independentemente do estilo, cor ou forma, "terão sempre de ser confortáveis".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mmcardoso@expresso.impresa.pt

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