Foi uma clarificação relâmpago. Passou no Conselho de Ministros esta quinta-feira, poucas horas depois recebeu luz verde de Marcelo Rebelo de Sousa e, um dia depois, já foi publicada em Diário da República. Trata-se da clarificação legislativa em que o Governo pretende deixar claro que é à autoridade de supervisão dos seguros que cabe olhar, no imediato, para a idoneidade dos administradores de associações mutualistas, com destaque para o Montepio Geral, onde o seu presidente, António Tomás Correia, foi condenado num processo do Banco de Portugal.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) tem, segundo este decreto-lei n.º37/2019 - que dispõe de uma “natureza interpretativa” – poderes para, no imediato, “analisar o sistema de governação, designadamente verificando a adequação e assegurando o registo das pessoas que dirigem efetivamente as associações mutualistas, as fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave, incluindo o cumprimento dos requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência, disponibilidade e capacidade, bem como os riscos a que as associações mutualistas estão ou podem vir a estar expostas e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador”.
Face ao texto que já constava do Código das Associações Mutualistas, que entrou em vigor em setembro, a novidade aqui é a seguinte parcela do artigo: “designadamente verificando a adequação e assegurando o registo das pessoas que dirigem efetivamente as associações mutualistas, as fiscalizam ou são responsáveis por funções-chave, incluindo o cumprimento dos requisitos de idoneidade, qualificação profissional, independência, disponibilidade e capacidade”.
Este poder está, assim, claramente, na ótica do Governo, nas mãos da ASF no imediato e não apenas em 2030, quando termina o período transitório para a implementação de todas as regras. A mudança levada a cabo pelo Executivo foi feita ao Código das Associações Mutualistas, ainda que o presidente do supervisor tenha sublinhado que havia também limitações aos seus poderes sobre as mutualistas impostos pelo regime jurídico de acesso à atividade seguradora.
A questão foi levantada após a condenação de António Tomás Correia num processo do Banco de Portugal por irregularidades praticadas quando estava à frente da Caixa Económica Montepio Geral, que pertence à associação mutualista, onde agora está exclusivamente.
O Governo, que manteve a tutela das associações mutualistas, e a ASF, que ficou com a supervisão financeira das maiores associações, não se entenderam sobre quem tinha poder para reavaliar a idoneidade de Tomás Correia à luz deste novo facto. Daí que ontem o Conselho de Ministros tenha feito a aprovação de um diploma, que António Costa disse que devia ser feito, admitindo que havia um caso “concreto”: o do presidente da maior mutualista do país. Marcelo Rebelo de Sousa aprovou com rapidez por considerá-lo “essencial”.
Discussão pelo Governo e Parlamento não tem razoabilidade
Antes da publicação da lei, António Tomás Correia deu uma entrevista ao Dinheiro Vivo e à TSF – de que ambos os órgãos só publicaram ainda um excerto – em que defende que tem assistido “a um conjunto de intervenções muito pouco precisas dirigidas exclusivamente a uma pessoa que pode desembocar na publicação de um diploma”. Questionado se a lei é a si direcionada, Tomás Correia, mesmo sem a ter lido, acha que sim. “Não tenho dúvida nenhuma, olhando para o que sai na comunicação social, que parece que sim”.
“A discussão que temos na praça pública, no Parlamento, a partir de membros do governo, tem alguma razoabilidade? Desculpe mas não tem”, continuou.
Esta semana, mesmo sabendo que a ASF poderia vir a reavaliar a sua idoneidade, Tomás Correia avisou os conselheiros que iria permanecer em funções.
"Se fosse de uma seguradora, falaríamos de outra maneira", disse José Almaça, presidente do supervisor, no Parlamento.