Empresas do Vale do Ave receiam uma quebra de produção para a Inditex, a gigante mundial dona da Zara, que leve a uma crise no sector. A companhia de origem espanhola revalida o seu empenho, mas as declarações não sossegam os representantes dos empresários. Se as encomendas da Inditex baixam, há empresas portuguesas com problemas.
Primeiro, olhamos para as exportações têxteis portuguesas em janeiro: crescem 1,5% no seu conjunto e, depois de vários meses em queda, o mercado espanhol voltou a subir (4,2%), tornando-se o destino com o maior aumento absoluto nas vendas do sector (5 milhões).
Depois, recordamos o que disse esta quarta-feira o presidente do conselho de administração da Inditex, Pablo Isla: “Na produção, não há uma variação significativa no peso dos fornecedores de Portugal (entre 2018 e 2017). Portugal é um dos nossos mercado-chave em termos de produção e fornecimento e vai continuar a sê-lo no futuro”.
A pergunta impõe-se: o Vale do Ave e os têxteis nacionais continuam na rota de fornecedores da Inditex, o maior cliente do sector, com marcas como Zara, Pull&Bear, Bershka ou Massimo Dutti?
“A Inditex não abandonou Portugal, mas está a colocar cada vez mais encomendas noutros destinos como a Turquia ou Marrocos. E faz isso em especial com as encomendas de valor mais baixo”, responde Paulo Vaz, diretor-geral da ATP - Associação Têxtil e Vestuário de Portugal.
Atento a todos os movimentos do sector, o dirigente associativo acredita que há um movimento de ajustamento estrutural em curso, sublinha que janeiro “é só um mês, o que não serve para revelar tendências”, mas afirma que os números mais recentes do sector vêm confirmar o cenário que começou a ver desenhar-se nos últimos tempos: “a Inditex e a Zara estão a comprar menos em Portugal, mas no esforço de diversificação das empresas lusas há novos mercados a ganhar terreno e há, também, novos clientes em Espanha, que poderão ajudar a responder pela subida de 4% registada neste mercado em janeiro”.
Há números divulgados pela imprensa espanhola que apontam nesse sentido. “A revista Moda Es diz que a Inditex terá cortado em 10% as suas compras em Portugal, mas as estatísticas do INE mostram que as vendas de têxteis portugueses para o país vizinho só caíram 4%, o que significa que houve alguma compensação no próprio mercado, com alternativas”, sublinha Paulo Vaz.
Em causa, no novo grupo de clientes no país vizinho, onde ainda se concentram quase um terço das exportações nacionais da fileira, estão “jovens marcas” espanholas, muitas das quais com preocupações de sustentabilidade, dentro do espírito que começou a fazer sentir-se há cinco anos nos países nórdicos, refere. “E são uma boa oportunidade para a têxtil portuguesa obviamente”, acrescenta.
Paulo Vaz assume que a ligação do sector à Inditex já teve melhores dias. “O grupo espanhol tem sido um grande cliente da indústria nacional", mas "segue num modelo de negócio mais focado no preço e na margem", quando o caminho de Portugal deve ser "no sentido da criação de valor, com design, inovação, alta tecnicidade", comentou ao Expresso no início do ano, já em cima da divulgação dos dados das exportações portuguesas em 2018.
“E no final, quem se trama é o mexilhão”, o que neste caso significa as pequenas confeções que trabalhavam em regime de subcontratação para o grupo espanhol no Vale do Ave, como sintetiza.
Aliás, esta semana, na Comissão de Economia, no Parlamento, a Confederação das Micro, Pequenas e Médias Empresas, alertou para o facto de haver "dezenas de empresas" a fechar portas nos últimos meses na região.
Mas a Inditex continua a vir a Portugal colocar encomendas, não só na confeção, também nas malhas, tecidos, têxteis-lar e matérias primas. Vem menos, mas ainda vem e fez questão se salientar isso, ontem na sua apresentação anual de contas
Inditex tem crescimento recorde
Pablo Isla, presidente do conselho de administração do grupo espanhol fundado por Amâncio Ortega, deu esse sinal na conferência de imprensa de apresentação de resultados da Inditex, ontem, em Espanha. Citado pela Lusa, garantiu que as empresas portuguesas continuarão a ter um papel fundamental no fornecimento do seu grupo, cujo negócio assenta “na produção de proximidade”, em Portugal, Espanha e Marrocos.
O gestor, que em 2017 tinha assumido que as compras em Portugal representavam cerca de 20% das vendas do grupo, garante que esta relação é para manter “independentemente de qualquer questão ou quebra pontual em determinada campanha”.
Aliás, fez questão de sublinhar que “muitos fornecedores portugueses aumentaram as vendas para a Inditex”.
Luís Guimarães, presidente da Polopique, um dos maiores grupos da indústria têxtil nacional, confirmou isso mesmo recentemente ao jornal Têxtil. “Só na Inditex tivemos um aumento de 20%”, disse o empresário, que tem neste grupo uma fatia de 70% de um volume de negócios que ronda os 130 milhões de euros e terá crescido precisamente 20% no último ano.
Em 2018, a Inditex bateu mais um recorde de vendas, para somar 26 mil milhões de euros. Foi um crescimento de 3%, o valor mais baixo registado desde 1998, o ano em que o grupo espanhol começou a apresentar resultados antes de entrar na bolsa, como salienta o jornal “El País”.