Economia

Reforma da supervisão: Governo mexe na exoneração de governador

Com a arquitetura desenhada pelo Governo, o governador deixa de ter intervenção na escolha da administração do Banco de Portugal
Com a arquitetura desenhada pelo Governo, o governador deixa de ter intervenção na escolha da administração do Banco de Portugal
Alberto Frias

O número 1 do Banco de Portugal perde privilégios face aos outros supervisores. Ao banco são retirados poderes, mas não totalmente

Reforma da supervisão: Governo mexe na exoneração de governador

Diogo Cavaleiro

Jornalista

O governador deixa de ter intervenção na escolha dos restantes administradores do Banco de Portugal (BdP). Passa a ser possível demiti-lo das suas funções por condenação judicial à qual não seja possível recorrer. Estas são alterações no desenho da reforma da supervisão financeira, prometida desde o início da legislatura pelo Governo de António Costa, que reduz os poderes do supervisor da banca, retirando-lhe a palavra final em várias matérias, como na intervenção em instituições em dificuldades, mas obrigando-o a estar envolvido na discussão.

“Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave.” É para este artigo, dos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais, que remete a atual Lei Orgânica do Banco de Portugal, sendo que uma exoneração tem de acontecer por resolução do Conselho de Ministros, por proposta do ministro das Finanças ou por recomendação da Assembleia da República. Atualmente, está inscrito que a saída ocorre por “termo do mandato, incapacidade permanente, renúncia ou incompatibilidade”. Sem especificações.

A nova arquitetura do Governo para a supervisão financeira, cuja proposta de lei foi enviada para consulta aos supervisores e a que o Expresso teve acesso, mantém aquelas referências, mas são elencadas as causas de exoneração de forma mais pormenorizada do que até aqui: “Incapacidade permanente ou com uma duração que se preveja ultrapassar o termo do respetivo mandato; interdição ou inabilitação decretada judicialmente; incompatibilidade originária, detetada após a designação, ou superveniente; cumprimento de pena de prisão.” Há outra: “Condenação, por sentença transitada em julgado, em crime doloso, que coloque em causa a idoneidade para o exercício do cargo.” Este último ponto é uma novidade.

As mexidas na exoneração são promovidas pela mão de um Executivo que criticou publicamente o atual governador, Carlos Costa. Aliás, o secretário de Estado-adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, acusou-o mesmo de ter cometido uma “falha de informação grave” no exercício das suas funções, por ter, alegadamente, omitido informações sobre a situação do Banif.

Estas não são as únicas alterações. Desde logo, o número 1 do BdP perde a capacidade de ser ele a propor os colegas da administração ao Governo, como acontece atualmente. A proposta dos administradores do supervisor passa a ser, de acordo com o novo articulado que ainda está sujeito a modificações até à apresentação final em Conselho de Ministros, do ministro das Finanças. A designação é por resolução do Conselho de Ministros, e tem de se realizar uma audição parlamentar, de onde sairá um “parecer fundamentado”. Até aqui tinha de haver uma audição parlamentar, na sequência da qual era feito um “relatório descritivo”. Nada é dito sobre se esse parecer é vinculativo. Atualmente, não é. E há uma comissão de avaliação no Ministério das Finanças que definirá as remunerações. As regras de designação dos nomes passam a aplicar-se também aos administradores da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).

Há também a inclusão legislativa de um limite eleitoral para as designações para a cúpula do BdP. Não podem ocorrer nos seis meses antes do fim da legislatura nem quando cai um Governo e ainda não há um substituto. Só há uma exceção: quando os cargos ficam vagos e há urgência nas designações, caso ainda não tenham sido definitivas, “dependem de confirmação pelo Governo recém-designado”. Esta inclusão, caso tivesse acontecido no passado, teria impedido a recondução de Carlos Costa em 2015, pela mão do Governo de Pedro Passos Coelho (PSD/CDS), contra a vontade de toda a oposição. Os mandatos são agora estendidos, dos atuais cinco para sete anos, mas tornam-se não renováveis. Só pode haver um regresso ao cargo quando tiver passado um mandato entre a saída de funções e a nova designação.

Poderes saem, mas ficam

O governador perde privilégios e o BdP poderes. A proposta de lei apresentada pelo Ministério das Finanças aos supervisores, à qual devem responder na próxima semana, apostou nos pontos em que já havia consenso há vários meses: mantém três supervisores sectoriais — BdP, CMVM e ASF —, equiparando os seus estatutos, com a saída das duas últimas da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, e dá força jurídica ao órgão de coordenação, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF). Fora da reforma ficam a extinção de autoridades e as mexidas na supervisão comportamental, como propunha o grupo de trabalho liderado por Carlos Tavares, e que integrava o agora ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, há dois anos.
A proposta de lei que consubstancia a reforma da supervisão financeira, alterando inúmeros diplomas, retira ao BdP os papéis de autoridade de supervisão macroprudencial, que tem por missão olhar para o mercado como um todo para evitar a concretização de riscos, e de autoridade de resolução, que consiste na intervenção em instituições financeiras em dificuldades. A primeira função segue para o CNSF, que adotará medidas que visam, por exemplo, evitar riscos de crédito excessivo e falta de liquidez. Só que, em muitos casos, segundo o articulado, compete ao BdP propor ao conselho que medidas devem ser adotadas. E, depois, é também sua a responsabilidade de implementar as medidas. O Executivo quis subtrair este poder ao BdP porque defende que os riscos para o sistema não estão apenas na banca, mas também nos seguros e no mercado de capitais. O que também é opinião dos restantes supervisores.

Na resolução bancária, é criada uma entidade — Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia — que fica responsável por aplicar as decisões que até aqui eram tomadas só pelo BdP, como ocorreu no BES e no Banif, e também por gerir o Fundo de Resolução, o Fundo de Garantia de Depósitos e o Sistema de Indemnização dos Investidores. Mas a adoção dos instrumentos tem de ser feita em articulação com o supervisor do sector bancário. Além disso, é ao membro do BdP com o pelouro da resolução (atualmente é Luís Máximo dos Santos) que cabe a presidência desta entidade, numa administração que contará com mais um representante de cada um dos supervisores sectoriais e do CNSF.

O CNSF, que passa a ter estrutura jurídica, deixa de ser presidido só pelo BdP. Haverá uma presidência rotativa, por um ano, partilhada com a CMVM e ASF, tendo um administrador executivo.

(Artigo originalmente publicado no caderno de economia do semanário de 9 de fevereiro)

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate