Economia

400 cavalos cheios de eletricidade a puxar por um Jaguar

400 cavalos cheios de eletricidade a puxar por um Jaguar
Chama-se I Pace e é o primeiro modelo elétrico da mítica marca britânica. O novíssimo crossover familiar da Jaguar promete dar luta no segmento premium dos elétricos e, sem grande esforço, fazer frente ao modelo X da mediática Tesla
400 cavalos cheios de eletricidade a puxar por um Jaguar

Vítor Andrade

Coordenador de Economia

Começo esta prosa com uma declaração de interesses: gosto de carros elétricos, mas já há mais de dois anos que não testava nenhum. Isto para dizer que parti para o ensaio do Jaguar I Pace com uma expectativa relativamente baixa, tendo em conta as últimas experiências, mas sem perder de vista que me esperavam 400 cavalos a relinchar em silêncio.

Regra geral, os elétricos são carros agradáveis de conduzir, mas com uma enorme dor de cabeça associada em matéria de autonomia e, muito enervante mesmo, o momento da recarga das baterias.

E não é que, passado todo este tempo – já há carros elétricos em Portugal há praticamente dez anos –, está quase tudo na mesma. Bom, se calhar também é um pouco exagerado, pois, na verdade, os carros até têm vindo a melhorar em toda a linha: nos níveis de conforto, na segurança, no prazer de conduzir, no design e, o mais importante, até na afamada autonomia. O pior é o resto. Mas já lá vamos.

Já que tocámos neste ponto, importa aqui dizer que o I Pace, com as baterias totalmente recarregadas, garante uma autonomia ligeiramente acima dos 400 quilómetros. Um marco deveras significativo na corrida em curso dos carros elétricos, e a morder os calcanhares ao já célebre modelo X da Tesla.

E posso aqui comprovar que o novíssimo modelo crossover da Jaguar quase cumpre com o prometido no pequeno ecrã por detrás do volante, onde, para além da indicação da autonomia, também está o tradicional conta-quilómetros e demais indicadores de viagem úteis para quem vai a conduzir. Mais uma vez: ‘quase’ porque, na verdade, também não foi bem assim.

As diferentes entradas permitem dois tipos de cabos para carregamento rápido e lento

Autonomia abaixo do prometido mas acima da média

No teste realizado algures entre a auto-estrada, a cidade de Lisboa e alguns atalhos para fugir, sempre que possível, à maleita do trânsito e chegar o mais rápido possível à redação do Expresso (e vice-versa), a autonomia real do I Pace rondou os 350 quilómetros. Abaixo do prometido mas bastante acima da média.

Nada mal, comparado com os pouco mais de 150 km que os primeiros Nissan Leaf ou Mitsubishi i-MiEV garantiam, aqui há dois ou três pares de anos. Sim, porque os valores que as marcas prometem nunca batem certo com a realidade. A verdade é que a realidade, regra geral, é tramada para as brochuras disponíveis nos stands de vendas.

Olhando vezes sem conta para a disponibilidade de autonomia garantida pela Jaguar, ainda equacionei fazer-me à estrada numa viagem até à zona da Serra da Estrela para ir ver o que resta da neve desta espécie de inverno fingido. Mas, depois de uma breve consulta ao mapa nacional dos postos de carregamento públicos (rápidos e normais), desisti. Tal e qual assim. Mudei de planos, para grande pena minha. Tal como o inverno a fingir… fingi. Fingi que não fiquei frustrado. Mas fiquei mesmo, pois ainda não foi desta que fiz uma viagem num elétrico.

O site da Mobi.E indicava um ponto de carregamento rápido na zona do Fundão mas, quando me pus em campo e falei com quem sabe mais que eu desta temática, rapidamente percebi que o mais provável seria ficar apeado.

Carregamento 'rápido'. Importa-se de repetir?

Foi aqui que me apercebi de como é de geometria muito variável o conceito de ‘rápido’. É que os ditos pontos de carregamento com capacidade acima dos domésticos – neste, o Jaguar I Pace precisa de mais de 12 horas para recarregar a bateria na totalidade -, oferecem o magnífico compasso de espera de… duas horas. Isso mesmo, 120 preciosos minutinhos. Algo que pode transformar facilmente uma simples e agradável viagem numa folclórica e aborrecida excursão, para poupar nos adjetivos.

Isto, como é óbvio, se quando chegar ao local o dito posto de carregamento ‘rápido’ não estiver ou ocupado por outro aventureiro, ou avariado ou vandalizado, algo que, ao que apurei, também começa a ser comum. Ainda há uma terceira possibilidade: alguém estacionar a viatura em frente ao posto de carregamento, impedindo o acesso.

De qualquer forma, o Jaguar I Pace apenas disponibilizava dois tipos de cabos para ligar à tomada: um para uso doméstico (que acabei por utilizar na garagem do Expresso, pois a garagem do prédio onde moro não dispõe dessa facilidade) e outro de carregamento intermédio, apenas possível de utilizar na chamada Wallbox - um posto de carregamento que a EDP já instala nas casas de quem quiser comprar esse serviço. Mesmo esta alternativa, o melhor que oferece, é qualquer coisa como meia dúzia de horas para deixar o carro pronto para as curvas. Mais coisa menos coisa.

O I Pace gosta de curvas, passa por elas sem derrapar um milímetro e a pedir ainda mais acelarador

Curvas em segurança e sem adornar

Falemos então de curvas. É uma daquelas partes da estrada em que o I Pace mostra muito daquilo de que é feito: fibra de felino – britânico de nascença agora com sangue indiano (adquirido pela Tata Motors em 2008). Mesmo em alta velocidade o carro não derrapa nem um milímetro, não adorna e nunca diz que não a mais um bocadinho de pé no acelerador. Um comportamento exemplar, pleno de segurança e estilo.

Trata-se de um desportivo puro e duro. E quando digo duro, é duro mesmo, pois a sua suspensão rígida e o seu centro de gravidade muito baixo – com as baterias a colocarem uns bons quilinhos entre os dois eixos -, acabam por nos fazer sentir nas costas e nos glúteos muitas das irregularidades do piso. Nas ruas empedradas de Lisboa, então, chega a tornar-se algo incómodo.

Seja pelo design desportivo e robusto que apresenta, com linhas simples mas bem definidas - e até com formas aerodinâmicas inesperadas, de onde se destaca uma entrada de ar na zona dianteira do capô -, ou talvez pelo facto de não fazer qualquer barulho ao passar, a verdade é que ainda são muitos os que, na rua, ficam a olhar fixamente para o I Pace.

Um motor com 200 cavalos de potência à frente e outros tantos atrás. Este é um carro que gosta de velocidade e vai dos 0 aos 100 Km/h em 4,5 segundos.

200 cavalos em cada eixo

Sendo um desportivo munido de dois motores (um em cada eixo) de 200 cavalos de potência cada, este é um carro que gosta de velocidade. Nota-se facilmente que foi feito para isso. É precisamente aqui que fica à vista o trabalho de mais de três anos dos engenheiros da Jaguar: 4,5 segundos dos 0 aos 100 quilómetros/hora. É obra. Este é o seu primeiro elétrico e foi feito para deixar marca.

E é marcante, por exemplo, o preço – entre os 80 mil e os pouco mais de 100 mil euros (106 mil para o modelo testado) – o que o coloca diretamente em confronto com o já afamado modelo X da Tesla. Embora este custe mais um pouco e tenha mais 100 cavalos de potência, o I Pace anda ela por ela em termos de performance, desempenho e autonomia. Os 12 centímetros a menos na altura, conferem ao I Pace um adicional em termos de aerodinâmica em velocidade.

Ambos são carros de família, com espaço generoso no habitáculo e nas bagageiras, com design original e, goste-se ou não, deram um salto em frente na mobilidade elétrica. São mais possantes e garantem mais autonomia.

É um dos carros elétricos mais caros do mercado. Os preços começam nos 80 mil euros e vão até para lá dos 100 mil. O modelo testado custa 106 mil euros.

Preço pode dissuadir mas há sempre quem não se preocupe com isso

Em suma, o Jaguar I Pace convence, mas o preço pode ser um forte fator de dissuasão. Para quem pretende um carro elétrico para as voltinhas do dia-a-dia da cidade – que, na verdade, é isso que todos garantem por enquanto - já há opções muito mais em conta em quase todas as marcas. Agora, para quem exige mais do pedal do lado direito e não tem de se preocupar com a conta bancária, o I Pace pode ser uma escolha acertada.

O carro, cumpre. Já a infraestrutura para a mobilidade elétrica, nem por isso. Temos ainda um longo caminho pela frente, onde nos haveremos de cruzar com muitos, mas mesmo muitos carros a diesel (cada vez menos poluentes) e a gasolina. Pelo meio, os híbridos terão estendida a passadeira vermelha, pois são o compromisso perfeito entre consumos, autonomia, preço, disponibilidade e redução de emissões poluentes.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: VAndrade@expresso.impresa.pt

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