Economia

CGD. Constâncio ignorou em 2002 alertas sobre “operações péssimas”

Almerindo Marques
Almerindo Marques
Tiago Miranda

Almerindo Marques demitiu-se da administração da CGD e escreveu cartas a denunciar operações irregulares e lesivas ao Banco de Portugal, Ministério das Finanças e Presidência da República. Ninguém lhe ligou, conta o Jornal Económico

É uma nova polémica envolvendo a Caixa Geral de Depósitos (CGD), um seu ex-presidente (António de Sousa) e um ex-governador do Banco de Portugal (Vítor Constâncio).

Em 2002, duas cartas enviadas a Constâncio por Almerindo Marques, um ex-gestor público que se demitira da CGD em desacordo com o presidente, alertava para os riscos de algumas operações de financiamento celebradas na altura.

Segundo a edição do Jornal Económico desta sexta-feira, Constâncio ignorou a denúncia de falhas no controlo de risco de crédito. O governador alegou que o supervisor "não tinha recursos para mandar fazer uma auditoria" e que "não era conveniente" determiná-la com base numa denúncia de um membro da administração.

Almerindo Marques denunciava "dezenas operações de crédito" não ratificadas pelo Conselho de Administração, desde o ano de 2000. Outras "não transitaram" pela Direção de Grandes Riscos ou foram realizadas apesar do parecer negativo dos seus técnicos, "sem que fossem fundamentadas as razões por que não eram seguidos tais pareceres".

Avisos chegaram a Belém

Almerindo Marques confirmou ao Jornal Económico as críticas à política de gestão de António de Sousa e que elas foram transmitidas ao Ministério das Finanças e também ao Presidente da República.

Uma das cartas de Almerindo seguiu para Belém. O então Presidente da República, Jorge Sampaio, confirmou ao Jornal Económico uma reunião com o gestor sobre operações de crédito na CGD. Mas, também aqui não tiverem eco.

"Operações péssimas"

No caso do ex-ministro das Finanças, Guilherme de Oliveira Martins, ele recomendou a Almerindo que expusesse as críticas por escrito ao governador do Banco de Portugal. As questões suscitadas eram da competência do supervisor.

Na carta à tutela, o gestor explicava as razões que o levaram a demitir-se e sinalizava financiamentos "que estavam a ser concedidos irregularmente".

Na sua visão, a CGD não praticava uma "política de crédito séria" e citava operações que classificava de "péssimas".

Após a sugestão do ministro das Finanças, Almerindo escreveu uma segunda carta a Constâncio e reuniu depois com ele. O gestor conta que que na reunião, após reiteradas insistências, Constâncio respondeu "não ter recursos para mandar fazer uma auditoria", nem era "oportuno fazê-la ao maior banco do sistema". Almerindo pediu uma resposta por escrito, mas tal nunca aconteceu.

Os alertas de Almerindo incidiram sobre um modelo de concessão de crédito que não assentava em "critérios rigorosos" e registava "falhas no controlo de risco". Alem disso, terão havido aprovações não ratificadas em conselho de administração.

A recente auditoria da EY à gestão da CGD (2000 e 2015) regista falhas de controlo e rigor em operações na fase em que António de Sousa liderou a CGD.

Entre as operações denunciadas por Almerindo Marques está um crédito de 75 milhões de euros que "nunca foi apresentado a conselho de administração" como mandavam as regras internas do banco.

Em causa, um financiamento concedido ao empresário imobiliário Armando Martins, proprietário do grupo Fibeira, destinado à aquisição da Imosal, dona do Atrium Saldanha, no âmbito de uma operação de 125 milhões envolvendo um consórcio bancário.

Almerindo Marques esteve na administração do banco público entre 1 de janeiro de 2000 e 14 de janeiro de 2002.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: AFerreira@expresso.impresa.pt

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