Reino Unido é a pedra no sapato

O mercado britânico começou a perder gás nas exportações lusas do sector antes do ‘Brexit’. E a quota caiu
O mercado britânico começou a perder gás nas exportações lusas do sector antes do ‘Brexit’. E a quota caiu
Jornalista
Na indústria portuguesa de calçado, o Reino Unido já é “o patinho feio” há alguns anos. O mercado começou a perder gás ainda antes do ‘Brexit’ e já viu a sua quota nas exportações dos sapatos made in Portugal cair de 10% para 6% desde 2010.
As contas podem ser feitas de várias formas, a conclusão é sempre a mesma: enquanto o sector vivia uma espiral de crescimento na frente externa, com recordes consecutivos nas exportações, o Reino Unido perdia gás. Entre 2010 e 2017, as vendas de calçado português no exterior saltaram 51,6%, para €1,9 mil milhões. No mesmo período, a evolução no Reino Unido é negativa (-3,85%), ficando nos €125 milhões.
No ranking dos destinos dos sapatos lusos, o país desceu, já em 2011, da 4ª para a 5ª posição, atrás da França, Alemanha, Holanda e Espanha. E se esta perda nunca se notou no desempenho final do sector, é porque a tendência no resto do mundo era de crescimento e foram conquistados mais 32 destinos à escala global.
No mundo do calçado, “o ‘Brexit’ não é exatamente a grande questão”, assume Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS, a associação industrial do sector. Este sempre foi um mercado especial, “muito dependente das importações da Ásia”, com a China e o Vietname a responderem por 75 em cada 100 pares comprados. “É um mercado de calçado casual, desportivo, e nós produzimos mais sapatos clássicos e em couro”, explica.
É verdade que depois do referendo do ‘Brexit’ a perda foi mais acentuada e as exportações de sapatos para o Reino Unido caíram 6% desde 2015, mas esta percentagem não fez soar campainhas de alarme na indústria do calçado, decidida a “olhar para os números numa perspetiva global”, fiel a uma estratégia de diversificação para “evitar a dependência de um país ou de um cliente”.
A prova é a Fly London, do grupo Kyaia, o maior produtor português de calçado, com um volume de negócios na ordem dos €65 milhões. Tinha no Reino Unido o seu maior mercado. Hoje, o domínio é dos EUA, onde abriu uma loja no Soho (Nova Iorque) há quatro anos. Em 2017, as vendas caíram 12% no mercado britânico e cresceram 20% nos EUA.
“É um mercado com uma carga sentimental grande para nós porque arrancámos lá com a marca Fly London, mas depois fizemo-nos ao mundo”, comenta Fortunato Frederico, presidente da Kyaia. Logo em 2016, “o ‘Brexit’ teve um impacto negativo de 3% no crescimento da empresa”, que esteve quase meio ano a fornecer sapatos aos seus clientes no país com o preço acordado nas encomendas, mas desajustado da realidade devido à evolução da relação cambial libra-euro.
Em 2018, o ano em que o sector terá interrompido o ciclo de oito anos de recordes consecutivos na exportação, com as vendas ao exterior a caírem 2,85% (€1,904 mil milhões), de acordo com a estimativa do Gabinete de Estudos da APICCAPS, a Kyaia também se ressentiu. “Os números ainda vão ser fechados, mas caímos em vendas, tal como o sector, e caímos no Reino Unido, onde temos clientes que faliram”, diz o presidente da empresa, já a estudar medidas para retomar o crescimento.
E toda a fileira faz o mesmo. Para fazer face a sombras na ambição de crescimento dos sapatos portugueses como o ‘Brexit’ ou o abrandamento das principais economias mundiais, a política da APICCAPS é de “afirmação nos mercados externos”, com o investimento de €18 milhões em atividades promocionais e a presença em mais de 15 mercados este ano. A primeira prova de fogo está já marcada para a próxima semana e junta 80 empresas lusas, na Micam, o mais prestigiado certame internacional do sector.
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