A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) já emitiu o seu parecer sobre a compra do fundo Novenergia pela chinesa Datang. O negócio pode avançar, mas os compromissos que a empresa do Estado chinês terá de assumir são de tal forma exigentes que dificilmente a transação avançará. E, se os mesmos critérios forem seguidos mais tarde com a oferta pública de aquisição da China Three Gorges sobre a EDP, também esta operação poderá estar morta, ainda antes de nascer.
São negócios diferentes e a ERSE faz questão de salvaguardar esse ponto no parecer que o seu conselho de administração aprovou esta quarta-feira e que confirma o projeto de decisão revelado há duas semanas pelo Expresso. O regulador diz que a sua posição fica condicionada aos pareceres da Comissão Europeia “devendo [a decisão sobre o negócio da Datang com a Novenergia] por isso entender-se circunscrita ao presente caso, nos termos em que foi submetida ao conhecimento da ERSE”.
O negócio que a ERSE avaliou é a compra do fundo Novenergia (presidido por Carlos Pimenta, antigo secretário de Estado do Ambiente), que em Portugal controla a Generg, um dos maiores produtores de energias renováveis do país. Quem o quer comprar é a Datang, uma empresa do Estado chinês, que em janeiro deste ano decidiu solicitar a pronúncia prévia do regulador, ainda que tal não fosse obrigatório.
O objetivo da Datang era o de saber se a compra do fundo Novenergia suscitava problemas para o Estado chinês, tendo em conta as regras europeias sobre separação entre ativos de produção de eletricidade e ativos de transporte de energia. É que a Generg opera na produção e o Estado chinês, através da State Grid, detém 25% da REN, sendo o maior acionista da empresa de transporte de eletricidade em Portugal.
A análise da ERSE, conforme o Expresso antecipou há duas semanas, conclui pela existência de conflitos, que, caso a transação se confirme, poderão pôr em causa a certificação da REN como operador independente da rede. Em última análise, se a REN não obtiver a certificação como operador independente, não estará habilitada a manter a concessão de que dispõe e as respetivas receitas reguladas.
No caso concreto sobre o qual a ERSE se pronunciou, a compra da Novenergia (e da Generg) pela Datang, o regulador conclui que, para que não haja problemas com a certificação da REN, a Datang terá de se comprometer a vender, ao longo dos próximos anos, tudo o que sejam ativos de produção em Portugal que operem no mercado. Ou seja, a Datang poderá manter parques eólicos enquanto eles desfrutarem de tarifas subsidiadas (porque não competem nem condicionam o mercado), mas quando cada parque eólico perder essa tarifa e tiver de passar a concorrer no mercado então terá de ser alienado. Isso significa, na prática, que, mais ano, menos ano, a Datang teria de se desfazer da maior parte do negócio que agora quer comprar.
O parecer da ERSE, a que o Expresso teve acesso, diz que “a requerente poderá concretizar compromissos que passem por não deter ativos de mercado em operação e alienar os ativos que beneficiam de FIT [feed-in tariff] à medida que este caduque (operação de desinvestimento)”.
As consequências para a OPA da EDP
O regulador é suficientemente cauteloso para frisar que a sua decisão se aplica unicamente ao negócio entre a Datang e o fundo Novenergia. Mas pelo menos duas fontes ouvidas pelo Expresso reconhecem que a posição agora assumida pela ERSE dificilmente poderá deixar de ser seguida na apreciação da OPA sobre a EDP, se e quando a China Three Gorges solicitar o parecer do regulador português.
No passado domingo, o comentador e advogado Luís Marques Mendes já havia notado, na sua habitual intervenção na SIC, que a OPA sobre a EDP morreria “de morte natural”, por falta de autorização dos reguladores europeus e norte-americanos. Um cenário que se afigura cada vez mais provável. Até ao momento a única autorização regulatória que a Three Gorges obteve foi no Brasil.
Portugal é o terceiro maior mercado da EDP Renováveis, a seguir aos Estados Unidos da América e Espanha, sendo, por isso, um dos mercados mais relevantes na aquisição da EDP por parte da China Three Gorges.
No entanto, conforme a ERSE sublinha no seu parecer à Datang, qualquer decisão do regulador português da energia está condicionado a um parecer prévio da Comissão Europeia. Ou seja, será Bruxelas a mandar. Mas a posição agora assumida em Lisboa poderá ter estabelecido uma fronteira que dificilmente a China Three Gorges conseguirá transpor.