Economia

Facebook afina estratégia contra as fake news

O responsável pelas Parcerias de Media para a região Europa, Médio Oriente e África do Facebook passou por Portugal
O responsável pelas Parcerias de Media para a região Europa, Médio Oriente e África do Facebook passou por Portugal
FOTO NUNO BOTELHO

Rede social alarga parcerias com organizações de fact-checking a novos mercados. Novo algoritmo também combate notícias falsas

Depois das sucessivas crises que abalaram a reputação da maior rede social do mundo — desde o recente roubo de dados de 87 milhões de utilizadores aos casos de interferência externa em eleições ou até de propagação de notícias falsas (fake news) —, o Facebook está a apertar o cerco a estas ameaças. “Temos tido muitos desafios”, admite Nick Wrenn, diretor de Parcerias de Media para a Europa, Médio Oriente e África (EMEA, na sigla inglesa) do Facebook. “Reconhecemos que, como empresa, cometemos erros. Agora estamos muito mais conscientes dos riscos e da forma errada como as pessoas podem usar os produtos e ferramentas do Facebook.” Em entrevista ao Expresso, o responsável da multinacional assegura que a plataforma “está a investir muito para mitigar os riscos”.

Desde há um ano e meio que a multinacional liderada por Mark Zuckerberg está a trabalhar com organizações independentes de fact-checking (verificação de factos) em vários países. São equipas de jornalistas, no seio de órgãos de comunicação social como a Associated Press ou a Agence France-Presse, que dedicam 100% do seu tempo a confirmar as notícias partilhadas na rede social. Quando identificam uma notícia falsa, reportam-na à plataforma, e o algoritmo reduz a sua importância na hierarquia dos conteúdos disponibilizados na news feed de cada utilizador — este terá de descer muito mais no seu mural (ou seja, fazer scroll down) para a encontrar. E associada a ela estará uma notícia relacionada com informação correta.

Estas parcerias já chegaram a países como os Estados Unidos, Alemanha, França, Holanda, Itália, Irlanda ou Filipinas e não vão ficar por aqui. “Estamos a alargar o serviço, que começou nos EUA e está agora presente em sete países europeus. Na segunda metade do ano planeamos expandir para mais mercados”, adianta Nick Wrenn, que esteve de passagem por Lisboa para dar uma masterclass durante a GEN Summit, evento que juntou no Terreiro do Paço profissionais de media e tecnologia de todo o mundo para discutirem o futuro do jornalismo. “Primeiro, queremos ter a certeza de que este modelo funciona e que em cada país encontramos os parceiros certos. Por isso, estamos a expandi-lo de forma deliberadamente lenta.” Contudo, diz que, para já, não há planos para a entrada deste programa em Portugal.

Não tem sido fácil encontrar a estratégia certa de combate às fake news. Uma tarefa, aliás, que o próprio Zuckerberg descartou ser responsabilidade da empresa em 2016, quando se começou a debater as implicações das redes sociais na proliferação destas notícias. Pouco depois, contudo, o discurso mudou: o Facebook passou a assinalar com um carimbo de identificação (uma pequena bandeira) os posts de desinformação. “Mas não funcionou como esperávamos, uma vez que atraía ainda mais utilizadores”, aponta o diretor de Parcerias de Media.

Atualmente, embora não utilizem esta ‘bandeira’, sempre que um utilizador decide partilhar uma publicação destas recebe um alerta de que aquela é uma notícia falsa. Além das parcerias com organizações independentes de fact-checking, a rede social tem aumentado as suas equipas de revisores de conteúdos, que detetam e eliminam contas falsas, que são fonte de muitas fake news. E, ao perceber que a maioria dos criadores destes conteúdos tem motivações económicas e não políticas, passou a bloquear o seu acesso a determinados incentivos financeiros da rede social, como a publicidade.

Identificar ‘iscos’

Este ano não tem sido fácil para o Facebook. No rescaldo do escândalo da Cambridge Analytica, as suas ações caíram para 152 dólares. No entanto, nos últimos meses têm estado a recuperar e quase já alcançaram o máximo histórico atingido em janeiro (193 dólares), registado antes de terem sido anunciadas as alterações ao algoritmo da rede social. “No início do ano, lançámos a primeira de uma série de alterações. Estamos a atravessar uma mudança fundamental”, garante Wrenn. Na sua resolução de Ano Novo, Mark Zuckerberg decidiu “consertar” o Facebook, para “garantir que o tempo é bem passado”, privilegiando as “interações sociais construtivas” e os “conteúdos relevantes”. No fundo, um regresso às origens da rede social fundada em 2004.

Mas as notícias não são descuradas. Os valores do mural do Facebook, divulgados pela primeira vez em 2016, colocam a família e os amigos em primeiro plano, seguidos da informação. “Estamos a priorizar notícias em torno das quais as pessoas queiram ter conversas construtivas, debate e partilha”, realça o responsável de Parcerias de Media. Mas o ruído gerado à volta de uma publicação nem sempre é barómetro da sua qualidade. Daí que a empresa esteja a identificar “iscos como o clickbait, publicações que puxam para páginas e conteúdos de pouca qualidade ou enganadores. As pessoas disseram-nos que não gostavam disso”, explica. Estes passaram a ser desvalorizados na hierarquia da news feed relativamente aos artigos “amplamente confiáveis”, “com fontes confirmadas” e que promovem maior discussão entre os utilizadores, que surgem com maior destaque. A multinacional está a desenvolver algoritmos que permitam identificar sinais de qualidade e de interações sociais construtivas. “A um nível básico, pode ser a dimensão dos comentários gerados. Regra geral, os maiores são os mais pensados, razoáveis e inteligentes”, exemplifica.

Primazia à notícias locais

Ex-jornalista, Nick Wrenn tem “uma paixão” pelas notícias locais. Um traço comum a muitos utilizadores do Facebook. “80% das pessoas que inquirimos sobre a sua utilização da plataforma disseram-nos que as notícias locais são muito importantes para elas”, avança. Esta preferência também se reflete no novo algoritmo. “É muito importante termos lançado esta mudança no mural em todas as geografias e todas as línguas.” Nos Estados Unidos, a empresa está a testar uma news feed específica para conteúdos locais, o Today In, que pode ir desde notícias até informações sobre o trânsito e a meteorologia. “Queremos que as pessoas mergulhem e fiquem dentro daquela área ‘local’”, assume.

É também nesse mercado que iniciou o programa Acelerador, um bootcamp para ajudar empresas de comunicação social regionais na transformação digital, nomeadamente na captação e monetização de públicos. Este programa conta com um investimento de 3 milhões de dólares e, para já, é apenas um teste. “Se correr bem, podemos exportar o conceito para fora dos Estados Unidos, incluindo a Europa. Até mesmo Portugal”, refere Wrenn. “Mas temos de encontrar o modelo certo.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: JMPereira@exame.impresa.pt

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