Economia

Portugal na nova rota da seda da China

Portugal na nova rota da seda da China

A economia nacional pode aproveitar o gás dado por Pequim à globalização para valorizar portos e dinamizar os negócios do mar

Não há semana em que a China não manifeste interesse, e de um modo cada vez mais insistente, pela nossa centralidade no Atlântico no cruzamento das rotas marítimas globais, nomeadamente Sines, diz Ana Paula Vitorino, a ministra do Mar, em entrevista ao Expresso. O seu Ministério avançou com um memorando com o homólogo em Pequim para desenvolver o que batizaram de “parceria azul” (usando simbolicamente a cor dos oceanos). A meta será criar uma extensão “azul” da iniciativa das novas rotas da seda, conhecida por Uma Faixa, Uma Rota (Belt and Road), que coloque Portugal no mapa da globalização chinesa. A visita recente a Portugal de Wang Yi, a ministra dos Negócios Estrangeiros, e o encontro com o homólogo português, Augusto Santos Silva, reforçou esta oportunidade.

O atual traçado oficial das novas rotas da seda (ver mapa) é omisso, por ora, sobre o Atlântico, mas o movimento de globalização de Pequim valorizou, de novo, este espaço marítimo estratégico, um pouco adormecido com o final da Guerra Fria e o recuo dos EUA no papel da base das Lajes. “A bacia do Atlântico é um espaço em transformação”, segundo Paulo Duarte, investigador na Universidade do Minho, em Braga, e doutorado na Universidade de Lovaina, na Bélgica. E como todos os espaços geopolíticos nessas condições está cheio de oportunidades, entre elas as que decorrem da estratégia chinesa até 2050 (ver caixa) que o investigador de Braga sintetizou no título do livro que publicou no ano passado — “Pax Sinica: todos os caminhos vão dar à China”.

Nesse mar de oportunidades, “Portugal deve ter em conta os seus próprios interesses de longo prazo e procurar equilibrar a sua vocação europeia e atlântica com a sua história, onde a Europa e o Atlântico não são um ponto de chegada, mas de partida para o mundo”, refere o economista macaense José Luís de Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau. No mesmo sentido, sobre o jogo de cintura que Portugal deve ter, se pronuncia Fernanda Ilhéu, professora do ISEG em Lisboa e presidente da Associação dos Amigos da Rota da Seda: “Esperamos que a diplomacia portuguesa encontre um espaço de manobra entre os compromissos com a União Europeia e a sua posição estratégica e relacionamento secular com a China”.

O mundo empresarial português não deve perder este barco. “Portugal tem condições de afirmar a sua centralidade no contexto desta nova fase da globalização e pode e deve tirar partido desta iniciativa chinesa”, sublinha-nos Jorge Rocha de Matos, presidente da Fundação AIP. Usando o simbolismo chinês, o país tem “um colar de pérolas” — desde os portos continentais de águas profundas, com destaque para Sines, aos Açores e à Zona Económica Exclusiva atual, que já é a terceira maior da União Europeia, e que quase duplicará, se a candidatura de extensão da plataforma continental for aprovada.

Quinhentos anos depois de os portugueses chegarem a Cantão e de terem criado depois a primeira carreira global que ligava Lisboa, Goa e Macau, Portugal e China reencontram-se agora no Atlântico. O quadro de relacionamento atual com a segunda maior economia do mundo coloca-a como sexto fornecedor de bens e sétimo investidor direto em Portugal, mas a posição como destino de exportação desceu para 12º lugar, atrás de Angola, Brasil e Polónia. Em Sines, o porto sempre em destaque, 8% da movimentação de contentores provêm da China. A oportunidade é fazer subir estes números.

A janela do gás

A par do vetor óbvio, o portuário para o import-export e para o transbordo, uma oportunidade emergente prende-se com o gás natural liquefeito (GNL), por muitos considerado o combustível fundamental para mover os navios no século XXI. Um especialista do sector refere ao Expresso que, “no contexto energético da mobilidade marítima, a posição geoestratégica de Portugal e das regiões autónomas dos Açores e da Madeira podem conferir maior eficiência nas rotas marítimas no que diz respeito ao reabastecimento dos navios movidos a GNL”. Acrescenta que uma ligação à posição estratégica de Cabo Verde é outra vertente fundamental, onde a Enacol-Empresa Nacional de Combustíveis é controlada em mais de 48% pela Galp. António Costa Santos avança, por seu lado, que “o porto de Praia da Vitória, na ilha Terceira, cujo uso é incipiente, pode ser convertido numa grande estação de GNL mesmo no centro do Atlântico”.

Mas a centralidade portuguesa não é só geográfica. Tem, também, uma dimensão simbólica. Para José Luís de Sales Marques, Portugal “é mesmo uma joia rara”, por reunir “um conjunto de características únicas geopolíticas e geoestratégicas, por ser a nação ocidental que há mais tempo se relaciona com a China, e pelo espaço de língua portuguesa”. O próprio português, sublinha Sales Marques, “através do Fórum Económico e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (conhecido como Fórum Macau), passou a ser a única língua estrangeira usada pela China como instrumento da sua diplomacia global e é promovida como língua útil para o futuro”.

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