A base da Aptiv (ex-Delphi) brilha na produção de produtos de eletrónica de vanguarda. Mas, passa a intervir na engenharia de produto, com um centro de investigação e desenvolvimento que será inaugurado esta quarta-feira
No princípio (1965) era a fábrica imponente de autorrádios da Grundig de mão de obra intensiva que marcava a paisagem fabril à entrada de Braga, na estrada nacional que liga a cidade ao Porto. Herdeira deste passado e do conhecimento acumulado, a atual base da Aptiv (ex-Delphi Automotive) adaptou-se ao admirável mundo da digitalização de processos e tornou-se num exemplo de eletrónica de vanguarda, fornecendo os clientes europeus da multinacional uma gama alargada de produtos nos segmentos do infotainment (sistemas de navegação, audio e multimédia), mostradores e ecrãs táteis e painel de instrumentos do automóvel, como sistemas de luzes, limpa pára-brisas, temperatura ou conta-quilómetros.
O desempenho sempre foi inatacável. A unidade (130 engenheiros, num universo laboral de 980 pessoas), dá cartas nos processos produtivos - o diretor europeu da engenharia de manufatura está em Braga. Mas sofria de uma fragilidade que lhe tolhia os movimentos: não interferia na engenharia do produto, estava dependente da capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) de um dos 14 centros do conglomerado anglo-americano, com sede em Dublin.
Em 2017, a casa-mãe sentiu que os novos desafios da mobilidade exigiam um novo centro de I&D. E logo Rui Enes, o presidente da sucursal portuguesa e diretor da fábrica que abraçara há há 36 anos, agarrou a oportunidade com as duas mãos, para evoluir na escala da inovação e lançar novas soluções eletrónicas para o carro do futuro.
Rui Duarte Silva
Nem foi preciso fazer uma candidatura, tais as vantagens que Braga apresentava. O centro "está ao pé da fábrica, ampliando as sinergias, há mão de obra qualificada em abundância - por ano a Universidade do Minho forma mil engenheiros - e o histórico de competência tecnológica da unidade jogava a nosso favor", justifica Rui Enes.
O centro de I&D concluiu agora a fase de instalação e será inaugurado na quarta-feira, dia 23, no âmbito da semana de economia de Braga. A eficiência da base "será no futuro otimizada, beneficiando desenvolvimento de produtos” à medida do lay out fabril.
Nesta fase de arranque, conta com 50 engenheiros, entre eletrotécnicos, mecânicos, óticos e informáticos, com um salário, em início de carreira, na casa dos 1200 euros. A comunidade de engenheiros duplicará até ao fim do ano e o plano da Aptiv é chegar a 2020 com uma comunidade de 150.
A agenda do centro “é seguir as novas tendências e aprofundar o caráter inovador dos produtos”, impulsionando a competitividade e a expansão da produção da unidade. A primeira missão é "introduzir melhorias em produtos existentes". E o primeiro projeto visa o desenvolvimento de um simulador com efeitos 3D no conta-quilómetros. Outros se seguirão, centrados nas funcionalidades do display do automóvel,
Automação e mais pessoal
O espaço não é um bem escasso no complexo da Aptiv, em Braga. Ocupa metade dos 25.000 metros quadrados de área disponível e admite, por isso, ampliações futuras. É da natureza da automação e das linhas de nova geração libertar espaço e pessoal. Mas, em 2017, a Aptiv contratou mais 310 pessoas e este ano aponta para mais 100, superando a cifra dos mil empregos. "A procura aumentou, tivemos de reforçar as equipas para satisfazer as encomendas", explica Rui Enes.
Rui Duarte Silva
Há divisões que trabalham sete dias por semana, 24 horas por dia e só param nas datas festivas inevitáveis. O esforço traduz-se em números: em 2017 a receita subiu 30%, cifrando- se nos 520 milhões - em 2018 o crescimento estimado é de 5%.
Constrangimentos? Talvez um, admite o gestor. A fábrica importa matéria primas e componentes eletrónicos da Ásia que por vezes tropeçam na operação portuária. A janela de seis dias, entre a receção do material e a entrega do produto final, é escassa e exige um sistema de produção afinado ao pormenor, sem margem para deslizes
No campeonato interno da Aptiv, Braga rivaliza com bases homólogas no México e na China - a receita da multinacional é repartida em partes quase iguais pelos três continentes. Na sua lista de clientes, surgem todas as grandes marcas europeias, da Porsche à Ferrari, passando pela BMW, Audi ou Volkswagen.
E como comparam os indicadores de Braga? A padronização uniformiza desempenhos e a cultura do grupo "é de replicar nas outras bases as boas práticas ou novas soluções que uma delas aplicou", responde o diretor. O reconhecimento da casa-mãe traduz-se em investimentos e na expansão fabril. Há ano e meio, substituiu por uma nova geração de equipamentos, as linhas de produção do segmento de sistemas de rádio e navegação, uma operação que terá superado os 50 milhões.
A unidade beneficia do grau de maturidade, "é grande o capital de experiência e conhecimento acumulados" que se refletem em níveis de produtividade e eficiência confortáveis.
A viagem da placa eletrónica
Rui Enes guia o Expresso pela nave principal do edifício da década de 1960, marcada por um ambiente de inspiração laboratorial, em que temperatura, humidade e partículas estão sob rigoroso controlo para não afetar a sensibilidade de chips, micro-processadores e afins. Uma primeira bateria de 14 linhas automatizadas, com seis estações cada, incorpora e solda os elementos na placa eletrónica. A capacidade é de 18 milhões de componentes por dia. A placa recebe ao longo do trajeto entre 1000 e 2000 elementos e será depois incorporada na peça final. Na segunda família de linhas de produção (cinco), a paisagem muda e adquire um face humana e um caráter manual. Operadoras procedem à montagem final dos rádios ou sistemas de navegação em cadências de poucos segundos. - são 17.500 unidades montadas por dia. Os movimentos repetitivos estimula a ginástica laboral. Regularmente, o monitor de cada posto de trabalho avisa para exercícios de descontração nos pulsos, pescoço e ombros.
A automação avança, mas não resolve todas as operações. Por exemplo, o aparafusamento de um autorrádio. Ele tem de rodar cinco vezes e a robótica não encontrou ainda uma solução para dispensar a intervenção humana.
No fim da linha, surgem as máquinas de inspeção e de teste funcional do produto. Os clientes "não nos pagam para testar, mas é a nossa política de qualidade que exige". A unidade lida com uma taxa de rejeição de 10 unidades por cada milhão que fabrica. É um indicador confortável para uma empresa que lida com desperdício zero e exportação 100 - a Autoeuropa (entre 1% ou 2%) impede o pleno exportador.
A Aptiv Portugal (uma segunda base fabril de cablagens em Castelo Branco e um centro de excelência em Lisboa) ocupa o sexto lugar na tabela dos exportadores, com 720 milhões. Como a sede é em Lisboa, é a capital que fica com os louros da exportação. Os agentes de Braga não levam a bem e aplaudiriam uma transferência que beneficiaria o concelho. Mas, o emprego, riqueza e valorização ficam nos locais de produção.
A Aptiv em Portugal
- 1.600 assalariados representa 1,1% do universo global (147 mil) em 45 países. - 720 milhões de euros de faturação (2017), representa 6,5% da receita global (11 mil milhões). - 65 fábricas em todo o mundo, duas em Portugal (Braga e Castelo Branco9 e um centro de excelência, em Lisboa. - capitalização bolsista: 22 mil milhões de euros, valorizou-se 13% em 2018.
No mundo, a Aptiv está presente em 45 países, com 65 fábricas, 12 centros técnicos e I&D, 147 mil empregos e 40 mil engenheiros e cientistas.