Mafalda explica como se gere um fundo que vale €6,7 mil milhões
Chama-se Mafalda Duarte, tem 41 anos, e manda num fundo ambiental de €6,7 mil milhões do Banco Mundial
Chama-se Mafalda Duarte, tem 41 anos, e manda num fundo ambiental de €6,7 mil milhões do Banco Mundial
Editor de Economia
Quando Mafalda Duarte terminou a sua licenciatura em Relações Internacionais na Universidade do Minho, em 1998, não podia adivinhar que duas décadas depois estaria a viver em Washington, à frente de um dos maiores fundos mundiais para projetos ambientais. “Na altura interessei-me pelas questões das políticas de desenvolvimento, mas não tinha ainda uma intenção clara de trabalhar em alterações climáticas”, conta a gestora portuguesa de 41 anos.
Depois de passar pela universidade britânica de Bratford e pela Columbia University, em Nova Iorque (onde teve Joseph Stiglitz como professor), Mafalda Duarte começou a trabalhar em 2007 no Banco Mundial, já na área das alterações climáticas. Três anos depois cruzava novamente o Atlântico, para gerir, na Tunísia, a carteira de projetos ambientais do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Aí viveu a ‘primavera árabe’. “Foi muito interessante. Havia dias mais preocupantes que outros, mas correu tudo bem”, recorda Mafalda Duarte.
Hoje lidera a plataforma CIF — Climate Investment Funds, criada em 2008 pelo Banco Mundial (BM) para financiar projetos de combate às alterações climáticas em mais de 70 países em vias de desenvolvimento. A estrutura coordenada por Mafalda Duarte tem 8,3 mil milhões de dólares sob gestão, o equivalente a €6,7 mil milhões, provenientes das doações de países desenvolvidos. Uma pequena fortuna que, garante a gestora portuguesa, é alvo de escrutínio rigoroso. “É muito importante fazer-se uma boa monitorização dos projetos, para poder alterar o seu desenho e comparar o que pretendíamos no início com os resultados obtidos”, sublinha a diretora do CIF.
O CIF reparte os seus fundos por quatro programas. O principal, que concentra dois terços dos recursos, é o Clean Technology Fund, que financia projetos de energia renovável em países como Marrocos, África do Sul, Egito e Turquia, entre outros. Há ainda programas que canalizam verbas para projetos públicos de combate às alterações climáticas, para fomentar energias limpas nos países mais pobres do mundo e para ações de reflorestação.
A missão inicial do CIF, acredita Mafalda Duarte, mantém-se válida. “Havia um objetivo político de demonstrar nos países em vias de desenvolvimento quão importante era — e continua a ser — combater as alterações climáticas”, observa a gestora portuguesa. Isso tem sido concretizado com empréstimos de longo prazo e em alguns casos subsídios a fundo perdido.
As condições de financiamento são mais vantajosas que as da banca comercial. Se o beneficiário direto das verbas for um Estado, consegue um período de carência de 10 anos, com uma maturidade de reembolso entre 20 e 40 anos e juros de 0,25% a 0,75%. No sector privado as maturidades rondam 10 a 13 anos, com dois anos de carência e juros de 2%.
Mas a redução de custos dos equipamentos de energias renováveis tem vindo a tornar estes projetos mais acessíveis. E o CIF irá atualizar em alta os seus juros. “Vamos rever a nossa política de preços dentro de pouco tempo”, revela Mafalda Duarte ao Expresso.
A energia solar foi uma das áreas de eleição nos últimos anos. Um dos maiores projetos em que o Clean Technology Fund investiu foi uma central solar de 500 megawatts (MW) em Marrocos. A primeira fase, de 160 MW, já está a produzir energia. Outra área prioritária tem sido a da energia geotérmica. As próximas áreas em que o CIF deverá investir, indica Mafalda Duarte, incluem o armazenamento de energia (baterias) e os veículos elétricos.
À medida que os empréstimos mais antigos começam a ser reembolsados, o CIF irá recuperando liquidez para reinvestir. Mafalda Duarte e a sua equipa estão a estruturar um novo fundo que opere em articulação com investidores institucionais do sector privado em projetos que mitiguem os efeitos do aquecimento global.
Uma possibilidade de desenvolvimento do CIF é a emissão de “dívida verde”, explorando o facto de ainda haver uma oferta limitada de green bonds (obrigações que financiam investimentos em energia limpa). A petrolífera Repsol é uma das multinacionais que já emitiram este tipo de títulos (conseguiu captar €500 milhões). Mas nem sempre é fácil financiar investimento privado em energias renováveis. A banca comercial é particularmente exigente: muitas vezes só concede empréstimos se o promotor apresentar um contrato de longo prazo de venda da energia.
A ‘reciclagem’ de verbas dos países doadores tem levado Mafalda Duarte a diversas geografias para falar com os gestores de fundos. Ao mesmo tempo, a gestora portuguesa ocupa um lugar que lhe impõe jogo de cintura: tanto tem de dialogar com os representantes norte-americanos como de prestar contas aos alemães e mostrar os resultados aos britânicos.
E Portugal? Mafalda Duarte acompanhou a intervenção da troika à distância. “Foi difícil para muita gente”, nota, reconhecendo ter ficado preocupada com a saída do país de muitos jovens qualificados. Ela própria fez parte dessa estatística... há 20 anos. Mas não dramatiza. “As pessoas quando estão em crise mobilizam-se e há um estímulo à criatividade”, afirma. Aos 41 anos, ainda espera um dia voltar a Portugal para aqui trabalhar e dar o seu contributo ao país.
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