Está na hora de fazer reiniciar as empresas

As empresas portuguesas, principalmente as PME, têm um problema de gestão e uma cultura ainda muito fechada e presa ao passado. Se querem crescer, precisam de mudar a mentalidade
As empresas portuguesas, principalmente as PME, têm um problema de gestão e uma cultura ainda muito fechada e presa ao passado. Se querem crescer, precisam de mudar a mentalidade
Ana Baptista
Portugal tem dos engenheiros mais qualificados do mundo, tem faculdades e cursos que figuram no topo dos melhores rankings internacionais, tem dos melhores produtos do mundo (vinho ou azeite) e agora até está na moda, tornando-se um destino para celebridades. Além disso, as empresas não têm uma carga fiscal mais pesada do que noutros países da Europa, e o crescimento do nosso PIB, apesar de se estimar que seja de apenas 2,7% este ano, está em linha com a redução do crescimento europeu. Mas a realidade do tecido empresarial está longe de refletir a qualidade dos recursos do país.
“No final de 2016, Portugal tinha 6500 PME com EBITDA negativo, e, pior, 29% delas não geravam sequer EBITDA para pagar juros”, comentou Nuno Fernandes Thomaz, sócio fundador da Core Capital e da Core Restart, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e um dos convidados da sexta sessão do Próximo Nível, organizado pelo Banco Popular e pelo Expresso, que decorreu esta quinta-feira na sede do banco, em Lisboa. Além disso, comentou o diretor da Católica Lisbon School of Business & Economics, Nuno Fernandes, “as empresas portuguesas são pouco eficientes face aos standards internacionais, têm uma baixa adaptabilidade às novas realidades, e a maior parte das exportações é de muito baixo valor acrescentado”. O que se passa então para termos tão bons recursos mas depois os resultados não serem assim tão bons?
“Podemos dizer que o problema é do Governo, mas o Governo não gere as empresas. Temos uma má gestão das empresas”, disse Nuno Fernandes. Isso acontece “devido a conflitos entre a gestão e os acionistas” mas também “porque existe um problema de cultura e de mentalidade”, disse, por sua vez, Ricardo Gonçalves Pereira, CEO da Yunit Consulting. De facto, acrescentou Nuno Fernandes, grande parte das empresas portuguesas continua agarrada ao passado e a uma forma rígida e fechada de fazer negócios, centrada na figura do patrão e com políticas de exportação focadas nos mercados mais próximos em vez de nos mercados emergentes, como a China, que estão a crescer três vezes mais do que Portugal.
Luís Filipe Pereira, presidente do Fórum de Administradores e Gestores de Empresas (FAE) e outro dos intervenientes no debate, explicou que isto acontece porque “só há 20 ou 25 anos é que as empresas e a cultura empresarial começaram a ser privatizadas e só há 20 ou 25 anos é que começámos a deixar de ter uma economia baseada em bens não transacionáveis, ou seja, cujos produtos tinham procura garantida e mercados assegurados, e por isso não havia competitividade, e sem ela não havia um esforço de crescimento”. Este é, sem dúvida, um dos grandes desafios das empresas, não só para 2018 mas para os próximos anos, porque não é algo que se mude só num ano. “Perguntei ao Walmart porque é que não vendiam vinhos portugueses, e eles responderam-me que é porque não temos escala. É aqui que entram os egos. Temos excelentes empresas de vinhos que ficam muito contentes a produzir 200 mil garrafas, mas isso não tem escala, ou seja, é preciso definir se queremos alimentar egos ou se queremos alimentar escala”, referiu Nuno Fernandes. Não é, por isso, de estranhar que muitas empresas se recusem a aceitar novos acionistas no seu capital. “Portugal está na moda, e já fui abordado por investidores estrangeiros que querem investir e comprar participações minoritárias, ou seja, querem mesmo apostar no crescimento, e a resposta é sempre ‘não’. As empresas têm de ser capazes de abrir mão de parte do capital”, disse Nuno Fernandes Thomaz.
Recuperar empresas
É que abrir mão de parte do capital não é mais do que uma forma diferente de as empresas se financiarem e deixarem de recorrer à banca, porque “os bancos não são os mesmos depois da crise” e não estão tão disponíveis para emprestar dinheiro. Aliás, a opinião foi consensual: as empresas têm de diversificar as suas fontes de financiamento, mas sem contar com o Estado.
No tecido empresarial, o papel do Governo deve ser na definição de políticas públicas que ajudem as empresas a crescer. Por exemplo, permitir que haja estabilidade nos procedimentos e nos impostos, como sugeriu Luís Filipe Pereira, baseando-se em algumas alterações que deverão surgir no Orçamento do Estado. Mas também reduzir o tempo de pagamento aos fornecedores ou incentivar a concentração de empresas para ganharem escala e negócio, como aconteceu no sector do calçado.
É verdade que as empresas portuguesas, principalmente as PME, têm muitos problemas e desafios pela frente, mas o cenário empresarial português não é assim tão negro, e há bons exemplos de empresas e sectores de sucesso, como o do calçado. E depois há todo o caminho que Portugal fez na criação de startups e de novas empresas. Mas para Nuno Fernandes Thomaz está na hora de começar a pensar em recuperar as empresas que já existem, muitas delas boas organizações que, apesar de estarem com défice e demasiado alavancadas, são perfeitamente recuperáveis. “Num país que fez tanto pelas startups, agora é altura de fazer restart, mas isso envolve a banca, o Governo e as empresas”, comentou. É claro que nem todas podem ser salvas, adiantou, mas “há muitas que são economicamente viáveis”, garantiu. De facto, para Ricardo Gonçalves Pereira, que tal como Nuno Fernandes Thomaz é responsável por uma organização que apoia a recuperação de empresas, “o importante não é criar novas empresas mas fazer crescer as que existem”. Aliás, para o CEO da Yunit não faz muito sentido ficar orgulhoso quando saem os dados de criação de empresas, porque “o foco tem de estar no crescimento e nas vendas, e muitas dessas empresas novas não conseguirão crescer”.
Um dos grandes problemas das empresas portuguesas — e, portanto, outro dos grandes desafios — é que “o foco está em fazer bem e não em vender bem”, disse Ricardo Gonçalves Pereira. Ou seja, reparou Nuno Fernandes Thomaz, “temos deficiências na gestão, mas também temos problemas em marketing e não nos sabemos vender”. De acordo com Ricardo Gonçalves Pereira, a explicação é simples: “Temos uma cultura do medo ou da humildade. Isso tem a grande vantagem de sermos muito tolerantes, mas tem a desvantagem no marketing, porque para eu saber e conseguir vender tenho de acreditar e dizer que sou muito bom. Chego a Espanha, a Inglaterra ou à Alemanha e eles não têm dúvidas de que são os melhores, mas em Portugal não há dúvidas de que os espanhóis, os ingleses ou os alemães são os melhores e que nós até estamos na moda mas fazemos o que podemos e não somos assim tão bons.” A aposta na formação dos gestores e dos trabalhadores ao longo da vida profissional é essencial para ajudar a mudar esta mentalidade. “Investimos três vezes menos em formação de gestores do que outros países”, disse Nuno Fernandes, salientando que devíamos ver a formação como um investimento e não como um custo. Porque “as pessoas só mudam por formação ou por estímulos, e o sucesso de uma empresa depende do elemento humano”, acrescentou Luís Filipe Pereira.
Nuno Fernandes,
Diretor da Católica Business School
Ao longo dos anos, a Católica Business School — fundada em 1989 no seguimento do curso de gestão da Universidade Católica Portuguesa criado em 1972 — tem vindo a ganhar reputação nacional e internacional, ocupando a 23ª posição no ranking das Top European Business Schools do “Financial Times”, e garantindo 96% de empregabilidade. Além disso, o seu MBA, hoje com uma forte componente internacional, foi considerado o 20º melhor da Europa de acordo com o Financial Times Global MBA Ranking. O diretor é, desde setembro, o professor catedrático de Finanças, Nuno Fernandes, também ele licenciado em Economia pela Católica, e que tem como objetivo “colocar a Católica Lisbon no top 10 europeu”.
Luís Filipe Pereira, Presidente do FAE
O Fórum de Administradores e Gestores de Empresas (FAE) foi fundado em 1979 como Fórum de Gestores de Empresas Públicas, mas adotou a designação atual quando o número de empresas públicas começou a cair. É uma associação “sem fins lucrativos que visa o desenvolvimento, a formação e o aperfeiçoamento da gestão das empresas e a valorização científica e técnica dos seus associados”. É ainda responsável pelo projeto 40 líderes do Futuro, que vai escolher os melhores 40 administradores com menos de 40 anos. É presidido por Luís Filipe Pereira, economista, ex-gestor de empresas como Sovena, EDP, Quimigal, CUF ou Efacec e ex-ministro da Saúde dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes.
Nuno
Fernandes Thomaz,
Senior Partner Core Capital
Nuno Fernandes Thomaz, ex-vice-presidente da CGD, juntou-se a Martim Avillez Figueiredo e a Pedro Araújo e Sá e os três criaram a Core Capital (CoRe Restart), um fundo de capital de risco que pretende apoiar as pequenas e médias empresas (PME) com dificuldades financeiras e que não estejam a conseguir financiamento nos bancos. O fundo terá mais de €75 milhões para investir nessas empresas, que irá buscar aos bancos, fundos de pensões, seguradoras ou family offices, mas para já aplicará apenas 25% a 30% desse valor. A Core Capital está a contar com o facto de, neste momento, haver mais dinheiro disponível para financiar startups, que na prática são PME. Os critérios para dar o apoio serão rigorosos porque nem todas têm capacidade para ser salvas.
Ricardo
Gonçalves Pereira,
CEO da Yunit Consulting
A Yunit Consulting é uma empresa de consultoria e gestão de projetos que tem como “missão apoiar as PME portuguesas”, por exemplo, na captação de fundos, na otimização de custos ou na expansão para novos mercados. O objetivo é que essas empresas estejam mais bem preparadas e sejam mais competitivas. Liderada por Ricardo Gonçalves Pereira, desde junho de 2016, a Yunit Consulting surgiu em 2011 com a fusão da Pmelink.pt e da PT Tradecom, que tinha como acionistas o BES, a CGD e a PT. Com o fim do BES e da PT, a empresa esteve à beira do colapso, com prejuízos elevados, sem recursos e sem receitas. Mas Ricardo Gonçalves Pereira, que já estava na Pmelink.pt agarrou a recuperação da empresa e, além de CEO, é também acionista maioritário.
A economia portuguesa é maioritariamente baseada nas Pequenas e Médias Empresas (PME), nas microempresas e, segundo uma análise da Católica Business School, 2018 tem tudo para ser um ano positivo. Mas há desafios
Oportunidades
O PIB está a subir, o desemprego a cair e há um regresso de mão de obra qualificada.
É uma retoma que não está inteiramente relacionada com as políticas públicas, mas com uma nova forma de estar das empresas portuguesas.
Há condições para que as empresas se tornem mais atrativas para os investidores estrangeiros.
Portugal manteve em 2017 o 39º lugar, de acordo com o IMD World Competitiveness Center.
Em resumo, este ranking do IMD coloca Portugal bem posicionado em alguns indicadores como boas infraestruturas e bons recursos humanos de base.
Desafios
Investir mais na formação dos gestores e colaboradores
Aumentar a competitividade, largando práticas históricas do passado
Mudar as estruturas rígidas e pouco flexíveis que ainda existem e que estão muito concentradas na figura do patrão
Aumentar a experiência internacional dos cargos diretivos e dos empregados
Sair da zona de conforto no que respeita às exportações e deixar de estar concentrado apenas nos países próximos e apostar em países de elevado crescimento como a China
Aumentar a concorrência
Estado tem de gerir bem as contas públicas para que os ratings não prejudiquem as empresas e eliminar burocracia
Diversificar as fontes de financiamento porque sobreviver à custa de empréstimos bancários não funciona.
Taxas de desemprego em Portugal
2,3%
é quanto a economia portuguesa
deverá crescer em 2018
8,8%
foi a taxa de desemprego
no terceiro trimestre de 2017
9,2%
é a taxa de desemprego
esperada em 2017
8,8%
será a taxa de desemprego
esperada em 2018
O crescimento mundial
4%
é o crescimento da economia
mundial de uma forma geral
6%
foi a média de crescimento das economias emergentes a partir de 2000
4%
é a média de crescimento
das economias desenvolvidas
a partir de 2000
130%
Dívida de Portugal é de 130% do PIB
Textos originalmente publicados no Expresso de 14 de outubro de 2017
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