Indústria Automóvel. 1,1% do PIB português decide-se na Alemanha
Futuro do gigante automóvel alemão e da fábrica da Autoeuropa discutido na próxima semana em Wolfsburgo. Encerramento é o pior cenário
Futuro do gigante automóvel alemão e da fábrica da Autoeuropa discutido na próxima semana em Wolfsburgo. Encerramento é o pior cenário
O futuro dos 600 mil trabalhadores do Grupo Volkswagen (VW) começará a ser debatido na próxima semana. Entre eles estão os 3572 trabalhadores da fábrica da Autoeuropa, em Palmela, cuja produção pesa 1,1% no Produto Interno Bruto (PIB) português.
Varrido pela voragem do escândalo “dieselgate” — que manipulou as emissões poluentes dos motores a diesel — em apenas duas semanas o Grupo VW confrontou-se com um problema internacional de dimensões tão grandes que ditará, de forma incontornável, a agenda do maior encontro anual dos seus trabalhadores, marcado para Wolfsburgo, de 5 a 9 de outubro. A dúvida que todos têm é quantos postos de trabalho serão cortados se a produção total de carros do grupo for cortada em 30% ou 40%?
O sindicalista português António Chora vai participar nessa reunião e é apenas um dos muitos representantes dos 600 mil trabalhadores das 119 fábricas que a VW tem em todo o mundo. A sua maior preocupação — tal como a dos restantes trabalhadores — não está relacionada com os temas que foram agendados no ano passado, mas com a situação futura das marcas do grupo e com o tipo de produção que será possível manter em cada unidade fabril.
António Chora diz que até à data nada mudou na cadência diária de produção da Autoeuropa. Fonte oficial da fábrica portuguesa confirma que a unidade de Palmela continua a produzir 460 carros por dia. Mas António Chora alerta: “Ninguém poderá ter certezas sobre o volume de produção daqui a duas semanas, um mês ou de como tudo estará no fim do ano”. O representante dos trabalhadores portugueses da VW recusa a hipótese de o grupo ter de vender ativos para realizar dinheiro destinado a enfrentar todos os encargos que venha a ter com o escândalo “dieselgate”.
A agência Reuters tinha avançado um cenário de venda da marca Audi — que tem liderado parte significativa do desenvolvimento tecnológico de muitos processos de produção do Grupo VW — para fazer face às previsíveis indemnizações e multas gigantescas que a VW possa ter de pagar.
“Isso seria um erro que os trabalhadores nunca aceitariam”, comenta António Chora, defendendo que “o grupo não pode começar a vender os anéis mais valiosos, sob pena de perder o que tem de melhor, que é o desenvolvimento tecnológico”. “Temos de seguir em frente, resolvendo os problemas legais atuais, mas, sobretudo, apresentando automóveis melhores, com motores eficientes e que cumprem todas as normas, que é o que sabemos fazer com a tecnologia de que dispomos”, comenta.
Num cenário mais drástico de corte de uma percentagem elevada da atual produção — o mercado automóvel tem presentes as recentes declarações do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, admitindo que “a Volkswagen não voltará a ser a mesma companhia” —, haverá sempre a tentação de salvaguardar a produção das fábricas do centro da Europa, centrando os maiores cortes nas fábricas periféricas, como é o caso da Autoeuropa.
Wolfgang Schäuble já minimizou o efeito que a crise da Volkswagen terá na economia alemã — apesar da indústria automóvel representar 10% do PIB daquele país. O ministro considera que “a Alemanha vai sair mais forte desta crise”. Mas poucas marcas concorrentes da VW acreditam nisso.
Duas semanas depois do escândalo dos gases poluentes ter eclodido nos Estados Unidos, a pergunta que agora se coloca é se a VW resistirá à hecatombe. Há prognósticos para todos os gostos, desde os que já anteveem o enterro do colosso de Wolfsburgo, até aos que consideram que estamos apenas perante mais um episódio (grave, é um facto) e que daqui a um ano já ninguém vai falar do assunto.
Contra o grupo alemão está a grande perda de confiança dos consumidores, quebras abruptas nas vendas, eventual encerramento de algumas linhas de produção e descontinuação de modelos a diesel, além do rombo financeiro provocado por multas bilionárias, indemnizações e perda de valor bolsista.
A favor está o facto de continuar a ser um dos maiores colossos da indústria automóvel, líder em tecnologia de ponta aplicada aos motores de propulsão quer a diesel, quer a gasolina, quer no segmento dos híbridos (esta semana lançou o novo Passat híbrido).
Afinal de contas, nem mesmo o Governo alemão pode deixar cair um gigante como a Volkswagen, que emprega quase 600 mil pessoas em todos os continentes. Fatura cerca de €200 mil milhões, um valor 10% superior ao PIB português e que teve um lucro líquido de €12 mil milhões em 2014.
A questão do escândalo das emissões poluentes, que começou por ser uma especificidade técnica e uma colossal falha de gestão, é já um caso de natureza política, pois acabou por arrastar a credibilidade de toda a indústria automóvel europeia. Só assim se justifica que esta quinta-feira tivesse havido um conselho europeu de ministros da indústria para debater e tentar encontrar soluções para o assunto.
Só em Portugal são 94.400 os veículos, de várias marcas, afetados pelo problema do software envolvido no escândalo.
Para Portugal, o problema da VW terá sempre consequências, atendendo a que a Autoeuropa pesa 1,1% no PIB português, representa 3,7% das exportações nacionais, consolidando três importantes mercados de destino dos veículos produzidos na fábrica de Palmela, como são os casos da Alemanha (38,1% da produção de carros exportados), China (24,4%) e Reino Unido (7,5%). Para a economia nacional, perder este peso exportador nestes três mercados teria um efeito que dificilmente seria reparável a médio prazo, atendendo às quebras de fluxos de transporte que iria provocar.
Por outro lado, a incorporação nacional na produção da Autoeuropa levaria a prejuízos em cadeia junto das empresas fornecedoras. Segundo a VW, “em 2012 a Autoeuropa adquiriu a fornecedores portugueses 62% do seu volume total de aquisições de bens e serviços”.
A Autoeuropa é a segunda maior exportadora nacional, a seguir à Galp, e a terceira maior importadora, em 2014, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). No pior cenário, no caso de encerramento da fábrica de Palmela, “teria um impacto na atividade económica bastante significativo”, diz Paula Carvalho, economista do BPI. O peso do sector das empresas de materiais de transporte e acessórios nas exportações em 2014 foi de 14,6%, segundo o INE. No pior dos cenários, o impacto na economia “seria superior a 1% do PIB devido aos efeitos colaterais relacionados com o sector de atividade”. Mas a preocupação atual é outra. “Há a preocupação sobre o impacto que o caso vai ter na Alemanha e na zona euro e os possíveis impactos que terá em Portugal. Mesmo que não aconteça nada com a Autoeuropa, há a possível quebra da procura externa”. “É mais um fator a aliar à desaceleração da China”.
Um estudo do Bank of America Merrill Lynch prevê que, no pior dos cenários, o caso da VW signifique menos 1 a 1,5 pontos percentuais de quebra do PIB e balança de pagamentos na República Checa e abaixo de 0,5 pontos percentuais no caso da Polónia e Roménia.
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