Economia

Uma casa para o resto da vida

A venda de casas tem vindo a aumentar e o sector da construção e imobiliário tem sentido as melhorias
A venda de casas tem vindo a aumentar e o sector da construção e imobiliário tem sentido as melhorias
Nuno Fox

Há mais pessoas a comprar casa e o sector da construção e do imobiliário tem sentido as melhorias. Filipa Vasconcelos e o marido tiveram um bebé no final do ano passado e decidiram, pela primeira vez, que fazia sentido comprar casa. “Claro que vamos ficar a pagar a prestação para o resto da vida, mas também pagaríamos uma renda.” Compraram um T4 com cinco assoalhadas por 75 mil euros. Este é o décimo artigo da série “30 Retratos” que o Expresso está a publicar diariamente. São 30 temas, 30 números e 30 histórias que ilustram o que Portugal é hoje em vésperas de eleições

Filipa e o marido começaram a ver casas em abril com o intuito de comprar uma. Mas antes precisaram de perceber se tinham condições para o fazer: quiseram saber preços, procurar como e onde pedir um empréstimo e tentar perceber quanto dinheiro por mês é que estava em causa. “Fomos à procura de casa com um objetivo: tínhamos de conseguir um empréstimo que não nos deixasse com a corda ao pescoço, que nos permitisse manter a qualidade de vida que tínhamos”, diz Filipa Vasconcelos, 31 anos.

Pouco tempo depois, em julho, já estavam a assinar a escritura da casa. Pelo meio viram várias, todas na zona de Cacilhas, em Almada, onde já viviam antes e onde queriam continuar a viver. A localização foi a primeira decisão tomada. “Ali não há casas novas, mas também não gostamos muito do estilo das casas novas e modernas. Já sabíamos que queríamos comprar uma em segunda mão e depois a ideia de remodelar a casa e de a pormos ao nosso gosto começou a fazer sentido.”

Viram casas entre os 100 mil e 130 ou 140 mil euros, variando consoante o tamanho e se eram novas ou velhas. Todo o processo, desde a procura até à compra, foi mais rápido do que imaginavam.

“A casa que comprámos é usada, estamos neste momento a remodelá-la. Por ser antiga, os proprietários atuais, filhos dos donos, venderam a casa por um preço muito em conta. A casa precisava de obras e quando fizemos uma proposta mais baixa, eles disseram que sim. Então foi aí que pensámos que isto era mesmo a sério.”

Compraram um T4, com cinco assoalhadas, por 75 mil euros. “Foi um achado. Mesmo com as obras de remodelação feitas não chega aos preços das outras casas que vimos.” Já para as obras de remodelação, que estarão a ser feitas até novembro, contaram com o apoio dos pais. “Casámos há pouco tempo e a prenda de casamento foi o dinheiro para as obras.”

E porquê agora? Filipa conta que, por um lado, teve peso o facto de terem sido pais no final do ano passado. Namoraram durante 14 anos e na maior do tempo viveram em casas arrendadas. “A paternidade trouxe-nos uma visão diferente. Achámos que queríamos comprar uma casa.” Por outro lado, ambos tinham condições financeiras para pedir um empréstimo.

“A nível profissional temos contrato e um salário razoável. Olhámos para as condições e pensámos que devíamos aproveitar, porque se mudassem nunca mais conseguiríamos.” Foram a quatro bancos diferentes para estudar as propostas e perceber o que estava em causa. Em todos os bancos aceitaram conceder-lhes o empréstimo. “Quando percebemos, a prestação ficava por metade da renda que pagávamos. Claro que vamos ficar a pagar a prestação para o resto da vida, mas também pagaríamos uma renda e assim ficamos com uma casa.”

Há mais gente a comprar casa

Os dados mostram que nos primeiros três meses deste ano foram comprados 25.716 alojamentos familiares, ou seja, mais 7.126 do que no mesmo período de 2014 – o que corresponde a um aumento de 38,3%, segundo a análise da APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal). Nestes meses, o número de alojamentos novos aumentou 14% e os alojamentos já existentes tiveram um aumento de 46,7%.

Ao mesmo tempo, as estatísticas do Eurostat mostram que nesse período, e em comparação com o trimestre de 2014, houve um aumento de 2,5% nos preços das casas nos países da União Europeia. Portugal registou um aumento de 0,8%, enquanto a Irlanda e a Suécia foram os países com as maiores subidas, ao contrário da Letónia (-5,8%), de Itália (-3,3%) ou França (-1,6%), que registaram decréscimos.

Também já este ano, um estudo da agência de rating Standard & Poor’s apontou para que os preços das casas em Portugal subissem 4% em 2015. A explicar essa subida está a recuperação económica e o interesse estrangeiro cada vez maior no mercado imobiliário, segundo a agência.

O sector da construção e do imobiliário tem vindo a sentir essa melhoria. Segundo a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), ao fim de 13 anos de quedas consecutivas foi afastada a “recessão técnica” no sector.

De acordo com as contas nacionais, divulgadas pelo INE, o investimento em construção cresceu 1% no último trimestre em relação ao período homólogo. E essas melhorias são vistas pela CPCI como um “facto positivo”. O aumento do investimento privado e a estabilização da atividade económica são os principais responsáveis pela criação líquida de 26 mil postos de trabalho, segundo a Confederação.

Em causa também está a diminuição das insolvências (-20,6%), do desemprego (-21,3%), um aumento do crédito à habitação (+59%) e o crescimento da carteira de encomendas de reabilitação (+26%), segundo Manuel Reis Campos, presidente da CPCI.

“Neste contexto, chegou o momento de olhar para o futuro. É irrealista dizer-se que a crise está superada. Este continua a ser um tempo de grande incerteza, mas que é, também, de grandes oportunidades, que não podem ser desperdiçadas.”

O que fica para trás

Nuno Fox

Quando se olha para trás, Reis Campos destaca alguns pontos importantes na evolução do sector. “A década de 90, iniciada com uma crise que, durante três anos, afetou profundamente o setor, ficou marcada pelo facto de o país ter sido capaz de, com o contributo desta atividade, se modernizar, de criar infraestruturas necessárias ao seu desenvolvimento, aproveitando fundos comunitários que, noutras áreas, não tiveram o mesmo grau de concretização e eficácia.” Reis Campos defende que durante a década de 1990 o sector “liderou o crescimento da economia portuguesa”.

“O ano de 2001 foi o momento de viragem, tendo marcado o início de um dos mais graves ciclos recessivos de que há memória, profundamente agravado nos últimos cinco anos, muito por força das imposições decorrentes da assinatura do memorando de entendimento com a troika.” O presidente da CPCI aponta a redução de 41,9% na produção do sector, a eliminação de 39.600 empresas e 261.482 postos de trabalho. “Por sua vez, o investimento em construção atingiu níveis nunca vistos desde a década de 50, muito abaixo do que se verifica nas restantes economias europeias.”

E depois veio a recuperação, na qual a internacionalização do sector teve um papel importante, na opinião de Reis Campos. “O início desta década é, também, o princípio do significativo processo de internacionalização do sector, que registou, desde 2000, uma taxa de crescimento anual de 27,5%.”

E daqui para a frente? O presidente da CPCI diz ser “essencial 'desbloquear' o mercado”, sublinhando a importância de o investimento começar a ser canalizado para Portugal. Mas também é preciso “corresponder ao desenvolvimento do turismo, do comércio e dos serviços, enquanto vetor do crescimento da economia”, afirma Reis Campos. “Há que dar resposta às necessidades dos jovens, que procuram no mercado do arrendamento a solução para encontrar a casa para habitar.”

Foi essa a procura de Filipa Vasconcelos. Agora, e até novembro, aguarda pelo fim das obras de remodelação para poder entrar em casa. Está a viver ainda na casa anterior, arrendada, a 500 metros da que comprou. “Acho que é uma casa para a vida.” Quanto às casas que foi visitando, diz que foram tendo o mesmo destino que a sua. “Esta zona tem muitas casas e são muito desejadas, com uma vista bonita para o rio Tejo. Quando andámos a ver as casas, fiquei a conhecer todas ali na zona. Tenho visto que estão todas vendidas e que estão também a ser remodeladas.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ralbuquerque@expresso.impresa.pt

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