ARQUIVO Mês do ambiente do Expresso 2013

Não paramos de perder território

19 novembro 2012 9:00

Carla Tomás

Carla Tomás

Jornalista

Litoral Há zonas da costa onde o mar já engoliu mais de 100 metros de terra e tende a avançar outros tantos. Pouco se faz para o evitar.

19 novembro 2012 9:00

Carla Tomás

Carla Tomás

Jornalista

Sempre que as marés vivas se conjugam com o mau tempo e elevam as ondas, o mar avança violentamente sobre as zonas costeiras mais desprotegidas. Quem vive na faixa litoral entre Ovar e a Marinha Grande, designadamente na Vagueira ou no Furadouro, não esquece os momentos de aflição, passados em outonos recentes, quando o mar galgou paredões, passeios e ruas e lhes foi bater à porta.

RECUOS DA COSTA

120

metros foi quanto recuou a linha de costa entre Maceda e o Furadouro nos últimos 52 anos

4

metros por ano foi o recuo registado, entre 2003 e 2012, no troço Poço da Cruz - Mira

Na altura, já se falava que nalguns troços do litoral Centro se registavam taxas médias de recuo da costa da ordem dos 10 metros por ano. Investigações recentes da Universidade de Aveiro vieram agora sublinhar que, na região costeira com maior risco de erosão do país, há zonas onde o território já recuou mais de 100 metros no último meio século e que a tendência é para retroceder outros tantos até 2040.

Um modelo algorítmico desenvolvido por Carlos Coelho, do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro (UA), indica que esta linha de costa deverá "recuar uma média de 90 metros" em 30 anos. Vão desaparecer praias, serão abertas duas novas entradas para o mar na Ria de Aveiro, as áreas urbanas em faixa de risco vão ficar ainda mais expostas e várias áreas agrícolas podem ficar submersas. A norte da barra de Aveiro, entre Maceda e o Furadouro, "já temos um recuo médio de 50 metros em 12 anos", sublinha Paulo Baptista, do departamento de Geociências da UA.

Estes cenários de perda de território têm como causa as atividades humanas no litoral e na bacia do rio Douro, que levaram ao que os investigadores chamam "défice acumulado de sedimentos". As barragens erguidas no Douro (46 do lado português) foram retendo milhões não quantificados de metros cúbicos de areia, devido às barreiras e consequente perda de força das águas para arrastar sedimentos até ao litoral.

Há 50 anos, o Rio Douro tinha capacidade para transportar um valor médio anual de dois milhões de metros cúbicos de areias que alimentavam a costa a sul. Atualmente não conduz mais de 250 mil m3/ano

As dragagens e a extração de areias no Douro (para a construção civil) retiraram do rio cerca de 880.000 m3/ano de sedimentos (até 2001)

O Plano de Ação do Litoral 2012-2015 prevê 16 intervenções de defesa costeira entre Ovar e a Marinha Grande. Totalizam um investimento de €13.746.000. Há apenas €5 milhões em candidaturas aprovadas. Nada foi executado até agora.

A agravar a situação, até meados da década de 2000, só no Douro existiam quatro operadores de dragagens em 2001 e 304 locais licenciados para extração de inertes destinados à construção civil (paper do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA). Atualmente, as dragagens são mais controladas e a extração está suspensa. Contudo, "o que chega à foz é seis vezes menos do que há 50 anos", refere Paulo Baptista (ver caixa).

Entretanto, estão projetadas cinco novas barragens para a bacia do Douro. Para o especialista em intervenções costeiras Veloso Gomes, "atingiu-se uma tal situação que as novas barragens já têm um impacto residual". Por seu lado, o investigador Carlos Coelho considera que, "tal como os portos são obrigados a repor as areias dragadas na costa, as empresas hidroelétricas também deviam ter medidas para compensar as obras de defesa costeira". E, acrescenta, "os custos deviam ser repartidos por quem causa a erosão e por quem beneficia dos enchimentos artificiais de praias, como os hotéis".

O dinheiro não abunda e há anos que se vão fazendo intervenções de emergência para minimizar os riscos. "Reabilitam-se esporões ou diques arenosos que exigem constantes reposições ou realimentações, por vezes com consequências erosivas mais a sul", refere Cristina Bernardes. A investigadora da UA, que trabalhou a componente histórica da erosão, lembra também que "estas intervenções custam muito dinheiro e servem para atenuar a situação, mas não para resolver o problema".

Já o presidente da Câmara de Ovar lamenta que "existam tantos estudos, mas não soluções integradas". Para Manuel Oliveira, "os planos de ação para o litoral vão sendo revistos, mas as ações tardam em sair do papel". Entre elas a de deslocar 150 famílias do bairro dos pescadores, em Esmoriz, que vivem em zona de risco. "A câmara tem disponível 60% da verba para realojar estas famílias, mas o IHRU (instituto da habitação) não tem o restante".

Mas a maioria dos habitantes nestas zonas de risco não quer mudar de casa. Um inquérito recente feito à população da Vagueira - no âmbito de um projeto de investigação do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa - indica que 70% das pessoas têm consciência da situação de risco em que vivem e que esta tende a piorar com o agravar dos fenómenos extremos relacionados com as alterações climáticas. Mas 90% acham que se deve proteger a costa a todo o custo e não permitir novas urbanizações. Este estudo, coordenado pela socióloga Luísa Schmidt, será apresentado numa conferência, na Fundação Gulbenkian, a 26 e 27 de novembro. Nele também se conclui que cerca de metade da população inquirida não confia nas instituições que gerem a costa.

Pedro Afonso Paulo, Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território

As intervenções previstas no Plano de Ação do Litoral 2012-2015 são suficientes para minimizar a erosão prevista na costa da região de Aveiro?

As intervenções preconizadas visam dar resposta aos atuais problemas de erosão numa abordagem de gestão preventiva de risco, privilegiando-se sempre estas em detrimento das respostas de cariz reativo, sendo certo que sempre se atuará em situações de emergência que configurem risco para pessoas e bens. Foi assumido ainda como prioridade o estudo sobre dinâmicas costeiras no contexto das alterações climáticas, bem como a identificação dos riscos e sua interação com o ordenamento do território. A monitorização sistemática da evolução da linha de costa a par da avaliação do grau de sucesso das intervenções preconizadas permitirá definir as medidas de adaptação que se venham a revelar necessárias no cenário de alterações climáticas em curso.

Entre as causas principais da erosão costeira está a redução significativa dos sedimentos provenientes do rio Douro, devido a várias atividades humanas, entre as quais as barragens. Os concessionários das novas barragens têm medidas de compensação relativas à erosão costeira?

Efetivamente, a capacidade de produção sedimentar para o litoral da bacia hidrográfica do Douro foi sendo progressivamente restringida através da construção de barragens a montante, desde logo em território transfronteiriço. No entanto, a dimensão das bacias onde pode haver intervenção quando comparada com a dimensão da bacia hidrográfica do rio Douro é residual, não chegando a 1% desta, em termos de retenção de sedimentos. Esta matéria foi ponderada em sede de avaliação de impacte ambiental dos novos projetos de barragens e refletida nas respetivas declarações de impacte ambiental, tendo o Estado optado essencialmente por compensações financeiras e socioeconómicas, além da compensação dos impactes diretos.

Há casas e pessoas em risco, sobretudo no Furadouro e na Vagueira. Equacionam realojar essas pessoas noutro local a curto ou médio prazo?

O Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Ovar-Marinha Grande (em revisão) está a avaliar várias soluções e instrumentos. Uma delas pode ser a relocalização de pessoas e bens para prevenir e mitigar prejuízos, mas é preciso avaliar o custo e as implicações sociais daí resultantes. Na abordagem da gestão do território deve prevalecer a prevenção. Ou seja, é preciso alterarmos a forma como nos apropriamos do território e o gerimos de forma a prevenir situações de potencial risco no futuro. O estudo das dinâmicas costeiras pretende identificar as zonas em risco e sob influência previsível das alterações climáticas para transmissão ou uso nas componentes de ordenamento do território, nomeadamente nos POOC.