20 julho 2009 17:24

O idílio milenar entre o homem e a Lua teve um ponto alto há 40 anos com a Apolo 11. Regresso marcado para 2020?
20 julho 2009 17:24
Quando, a 21 de Julho de 1969, Neil Armstrong desceu as escadas do módulo lunar não estava sozinho: tinha 600 milhões de pessoas a acompanhá-lo, pela televisão. Ainda que as imagens, a preto e branco, fossem fugidias e o som irregular, a emissão dessa noite, que muitos ainda recordam, representou um encontro com a História.
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A Lua deixava de ser um local mítico e inatingível, morada de deuses, mestra da fecundidade ou inspiradora de prodígios como o lobisomem. Concretizavam-se, ainda que com outras roupagens, as fantasias de Júlio Verne na literatura, de Meliés no cinema ou de Hergé na banda desenhada.
A chegada à Lua não foi, apenas, um enorme sucesso tecnológico. Representou o primeiro grande espectáculo global em directo. Tão importante como chegar lá era dá-lo a conhecer, mediaticamente falando. Por isso, os fatos dos astronautas foram redesenhados para se parecerem mais com os de "2001, Odisseia no Espaço" (estreado um ano antes), bem mais fotogénicos. Desta colaboração do realizador Stanley Kubrick com a NASA (retribuída, em 1974, com a cedência de uma lente especial para as filmagens de "Barry Lyndon") nasceria a lenda da encenação da chegada à Lua (ver caixa).
Prenúncio da globalização, a transmissão da chegada à Lua marcava, ainda que à época isso não fosse óbvio, o crepúsculo do sistema soviético. Remetidos à defensiva em Berlim e na Coreia, surpreendidos em Cuba e à beira de se atascarem no Vietname, os EUA inflectiam o curso dos acontecimentos, pregando, em 1969, o primeiro prego no caixão dos seus adversários da Guerra Fria.
Tudo começara oito anos antes, com o famoso discurso de Kennedy sobre o espaço como última fronteira da humanidade. O Presidente norte-americano fixara como objectivo colocar (e trazer de volta), antes do final da década, um homem na Lua. Porquê? "Porque é difícil!", explicou ele (25 de Maio de 1961).
Crepúsculo vermelho
A derrota soviética na corrida à Lua não ficou no plano do simbólico, o que já não seria pouco, para quem tinha conseguido colocar o primeiro satélite artificial em órbita (Sputnik, 1957) e levar o primeiro homem ao espaço (Gagarine, 1961). O esforço para responder ao desafio de Kennedy irá exaurir os recursos técnicos, financeiros e industriais da URSS, deixando-a cada vez mais exposta aos reveses políticos internacionais que começarão a avolumar-se nos anos 80 (Afeganistão, Guerra das Estrelas, etc.).
Ainda que, na altura, não o admitisse publicamente, o Kremlin tinha em marcha o seu próprio programa lunar. Mas o homem que poderia tê-lo conduzido a bom termo, dando continuidade aos sucessos iniciais, Sergei Koroliev, morrera em 1966, aos 56 anos. O governante que o fora buscar aos Gulags, em 1953, Nikita Kruschov, já havia caído em desgraça em 1964. O golpe de misericórdia veio 13 dias antes da missão da Apolo 11, quando o novíssimo lançador N1, indispensável à missão lunar, se incendiou na rampa de lançamento, no cosmódromo de Baikonur.
Tal como os seus adversários, os norte-americanos também tinham ido buscar atrás do arame farpado o seu engenheiro-chefe: Werner von Braun, mentor do programa de mísseis de Hitler. O lançador Redstone, que levara ao espaço o primeiro astronauta dos EUA (Sheppard, 1961), era uma evolução das bombas voadoras V2 que tinham devastado Londres em 1944. 'Desnazificado' à pressa, Von Braun tornar-se-á numa figura de proa da NASA até 1970.
Tanto o foguete R7 soviético, que levou Gagarine e os seus sucessores ao espaço, como o Saturno 5, que empurrará a Apolo 11 para a Lua, tinham aptidão fosse para lançadores orbitais fosse para mísseis balísticos com ogivas nucleares. Não se pode reduzir a corrida à Lua a um mero subproduto da Guerra Fria. Mas a curiosidade científica e o espírito de aventura, por muito importantes que fossem, estiveram longe de ser as únicas motivações em jogo.
Depois da Apolo 11, os norte-americanos poisarão mais quatro vezes na Lua (a excepção foi a aventurosa missão da Apolo 13, tema do conhecido filme com Tom Hanks), a última das quais a 7 de Dezembro de 1972, com a Apolo 17, da qual um dos membros, Gene Cernan, foi entrevistado pelo Expresso a 27 de Junho, contando as suas 75 horas na superfície lunar.
O fim do programa Apolo (1975) coincidiu com a retirada traumática do Vietname. Seguir-se-á uma inflexão de política, privilegiando o programa de vaivéns espaciais, em detrimento dos voos tripulados para além da órbita terrestre. Se destas missões resultou a colocação em órbita do telescópio espacial Hubble e o começo da Estação Espacial Internacional (ISS), houve, de origem, uma componente militar semi-secreta, ligada à Iniciativa Estratégica de Defesa de Reagan (que ficou conhecida como Guerra das Estrelas). Ironicamente morreram mais astronautas americanos em acidentes nos vaivéns Challenger (1986) e Columbia (2003) que em todo o programa espacial anterior, levado a cabo com tecnologia dos anos 60.
Como escreve o investigador francês Alain Dupas (Universidade George Washington) na edição especial de "Le Figaro" dedicada aos 40 anos da chegada à Lua, "se a América tivesse continuado a construir lançadores Saturno e naves Apolo, a situação actual seria outra: desde 1980 que haveria uma grande estação espacial como a actual ISS e uma base lunar teria sido construída antes de 2000. E a questão do dia seria a Missão a Marte, se é que esta não estava já em marcha".
O Programa Apolo custou, a preços actuais, 100 mil milhões de dólares (130 mil milhões de euros), ou seja, 1,6 vezes o Orçamento do Estado português para o ano em curso. O programa dos vaivéns e da estação espacial internacional representou o dobro. Ao anunciar o Programa Constellation para 2020, que prevê, finalmente, uma base lunar, a NASA parece querer retomar o rumo dos pioneiros dos anos 60. Dia 18 de Junho, foram lançadas duas sondas, uma para procurar água no pólo Sul e a outra para investigar a face oculta. A base lunar Alfa, essa, continua, por enquanto, a só existir na imaginação dos criadores da série "Espaço 1999".
Telecomunicações Em órbita Os satélites revolucionaram, a partir de 1962, as comunicações, permitindo as transmissões televisivas em directo para todo o mundo. Apesar da fibra óptica, telemóveis, TV, rádio e Internet ainda dependem muito do espaço.
Micro-Electrónica Chip Como o espaço e o peso são críticos a bordo, foi preciso miniaturizar. Em 1965, a Intel criava o primeiro circuito integrado, gravando numa pastilha de silício alguns transístores e respectivas ligações. Era o começo de uma revolução que desembocaria nos nossos telemóveis e computadores pessoais.
Gestão Grandes projectos O chefe da NASA nos anos 60, James Webb, não era engenheiro, nem físico, mas gestor. Planear, coordenar e executar um programa que envolvia milhares de laboratórios e fábricas e centenas de milhares de técnicos foi uma experiência sem precedentes. As técnicas de gestão de grandes projectos aqui ensaiadas aplicam-se hoje nas linhas de montagem da indústria automóvel, nas centrais nucleares ou nos grandes aviões a jacto.
Quotidiano Frigideiras A conquista do espaço não trouxe só grande tecnologia. As frigideiras antiaderentes são revestidas com um produto aparentado com o escudo térmico das naves espaciais. Este é concebido para resistir às elevadas temperaturas geradas pelo atrito com as camadas da alta atmosfera, na manobra de regresso à Terra.
Ambiente Observação As imagens dos satélites ajudam a compreender melhor os mecanismos da poluição, correntes marítimas, vento e formação de tempestades.
Os mitos, delírios, obsessões, anedotas e meias-verdades que circulam a propósito da ida do Homem à Lua.
1 Nunca fomos à lua. Não há só avozinhas da aldeia a pensar assim. Uma busca no Google ou no YouTube revela uma quantidade assombrosa de teses negacionistas, algumas das quais de um primarismo assustador, que circulam nas mais diversas versões. É como se na Net tivesse deixado de haver realidade objectiva: tudo é relativo, o holocausto, a ida à Lua, o Código de Da Vinci...
2 Imagens manipuladas. Apontam-se supostas incongruências, desde a falta das estrelas no céu a sombras diferentes, à bandeira que parece tremular no vácuo, pegadas demasiado cavadas ou ausência de marcas do jacto dos foguetes na alunagem. Quando não o oposto: vestígios extra-terrestres censurados nas fotos e filmes. A NASA viu-se obrigada a responder, explicando, por exemplo, que a bandeira não está pendente porque é de material rígido, que as sombras e estrelas têm que ver com o ângulo e a focagem da câmara ou que a aterragem do módulo foi muito mais suave que o esperado, não abrindo uma cratera no solo.
3 Teoria da conspiração. O documentário "Dark Side of the Moon" (William Karel, 2003, canal Arte) goza com toda a gente: a Casa Branca, os lunocépticos e o espectador. Mas fica a pergunta: terá Stanley Kubrick encenado, a pedido da NASA, a chegada à Lua para o caso de a transmissão da TV falhar?
4 Mr. Gorsky Armstrong ter-lhe-ia desejado boa sorte na Lua. É um mito urbano clássico. Uma vizinha, Mrs. Gorsky, teria dito bem alto ao marido que lhe propusera práticas sexuais mais ousadas: "Isso? Só quando o miúdo aqui do lado for à Lua..."